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Como A24, estúdio de ‘Pearl’, empilha 18 indicações no Oscar e é xodó de cinéfilos

Nome por trás do hit 'Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo', produtora fundada em 2012 concorre a estatuetas desde 2015

Ainda que se trate de um filme de terror, com mortes sangrentas e cenas de muito suspense, o clímax de “Pearl” é um monólogo. A protagonista, vivida por Mia Goth, acaba de viver sua maior frustração na história. Ela retorna aos prantos à fazenda onde mora, e incentivada pela cunhada Mitsy, desabafa sobre o mal que aflige tanto seu coração. Para isso, finge que o marido Howard, enviado à Primeira Guerra, é Mitsy.

O que acontece à seguir é uma enorme confissão de Pearl à cunhada sobre a chacina cometida ao longo do filme, na forma de um lamento registrado em uma tomada de quase dez minutos no rosto da personagem.

Os louros da cena pertencem ao diretor Ti West, mas também a Goth, neta da atriz brasileira Maria Gladys, musa do cinema marginal. “Eu queria o desafio”, diz a atriz, durante entrevista por videoconferência. Ela conta que o monólogo surgiu de uma colaboração criativa dela com o cineasta, junto de quem escreveu o roteiro.

“Ele teve essa ideia de ser uma cena feita em uma tomada, e eu lembrei que tinha assistido ao ‘Fome’, de Steve McQueen, que tem uma cena fantástica onde o Michael Fassbender faz algo similar. Havia algo ali que era muito inspirador, e então nós construímos o momento a partir disso.”

https://www.youtube.com/watch?v=UpdDP0pGumw

Filmado no último dia do set, em cinco ou seis tomadas, a cena se tornou uma das mais elogiadas do filme. Com a chegada da temporada de premiações, virou um dos principais argumentos para apontar que a atriz foi esnobada pelo Oscar.

Dá para apontar muitos culpados —incluindo o eterno ostracismo do horror no prêmio, como Goth comentou na semana do anúncio—, mas é impossível dizer que a A24, estúdio por trás do filme, falhou na missão.

A produtora acumula 18 indicações no Oscar deste ano, número que não só é um recorde na sua história, como o maior na disputa entre as produtoras —em tese só perde para a Disney, que soma 22 nomeações com filmes produzidos desde que acoplou os antigos estúdios Fox à Pixar e à Marvel.

O que mais impressiona é que quase todos os projetos da A24 tem status de queridinhos —seja do público, da crítica ou de ambos, fato raro no típico “ame ou odeie” da grande festa do cinema. Isso inclui “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo“, atual favorito da categoria de melhor filme e líder de indicações; “Aftersun“, eleito pela revista Sight and Sound como melhor filme do ano passado; e “A Baleia“, que surpreendeu nas bilheterias americanas.

É um feito e tanto para um estúdio que foi fundado em 2012 e, em dez anos, já venceu um Oscar de melhor filme —por Moonlight: Sob a Luz do Luar, em 2017. A A24 é figurinha marcada na premiação, com pelo menos um filme seu na lista desde 2015.

E a lista de hits só aumenta. Produções como “O Cavaleiro Verde”, “Minari”, “Joias Brutas“, “Midsommar“, “Lady Bird” e “O Lagosta” ganharam fãs graças à máquina de marketing do estúdio, que até abriu uma loja online.

No site oficial, moletons a US$ 80, cerca de R$ 415, roteiros, itens simbólicos das produções, como luvas com dedos que emulam salsichas, referência a “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, e até coleiras para animais de estimação a US$ 28, cerca de R$ 145.

Segundo Mia Goth, o sucesso está ligado à posição que o estúdio nutre com os realizadores. “Como uma produtora, eles lutam por diretores emergentes, e confiam neles”, afirma. A parceria é o norte maior da A24, que se especializou em apostar em projetos vistos como muito alternativos pelos estúdios tradicionais.

Essa sensação é dividida por Leonardo Amorim. Estudante de arquitetura e hoje com 25 anos, Amorim criou em 2021 a A24 Brasil, uma página dedicada aos filmes e séries da produtora. “Um grande apelo da A24 é que ela dá muita liberdade criativa a todos que estão envolvidos nos projetos”, afirma.

Ele diz que a produtora conserva um crivo sobre as suas produções e obras distribuídas que criou um status —e até uma marca própria. “Ainda que o estúdio não produza tudo o que distribui, você acaba falando ‘nossa, isso é a cara da A24’.”

A página nasceu durante a popularização dos perfis de redes sociais dedicados ao cinema, ele conta, e depois de perceber que não havia uma dedicada ao estúdio no país. A coisa cresceu rápido. Hoje, a A24 Brasil acumula mais de 80 mil seguidores no Twitter e 11 mil no Instagram, além de uma equipe de sete pessoas espalhadas pelo país e um site dedicado ao assunto.

Amorim diz que o crescimento do perfil acompanha a percepção do público brasileiro. “Muita gente não conhecia a A24 e seguia porque achava que a página era sobre filmes”, conta.

O furor dos brasileiros com o estúdio é recente, posterior até mesmo ao Oscar de “Moonlight“. Mas é um público barulhento. Nas redes sociais, são comuns as reclamações sobre a demora do lançamento dos filmes da A24 em relação aos Estados Unidos.

A questão é que a companhia não é uma distribuidora global, mas voltada aos americanos, o que acrescenta partes à cadeia de lançamento de filmes com seu selo em outros países.

O furor em torno da produtora é natural aos olhos de Pedro Curi, coordenador do curso de cinema e audiovisual da Escola Superior de Propaganda e Marketing e especialista em cultura de fãs.

“A A24 se caracteriza por ser essa marca que começa com filmes mais autorais e acaba formando no Brasil um grupo de fãs bastante nichado por promover essa curadoria de filmes”, afirma. “Hoje em dia, é como se fosse uma marca de filmes mesmo, uma em que as pessoas já sabem que vão ter diretores, histórias e estéticas que dialogam com o que gostam.”

No Brasil, são várias as empresas que cuidam dos longas produzidos ou distribuídos pela A24. Suas experiências, em algum nível, se equiparam.

“Existe um público cativo e, claro, bastante exigente”, diz Gabriel Gurman, diretor geral da Diamond Films Brasil, distribuidora parceira da A24 na América Latina. “Temos percebido, cada vez mais, que o brasileiro reconhece a relevância da A24 e enxerga nela um selo de qualidade. É um fato raro no mercado audiovisual.”

Segundo o executivo, essa parcela da audiência está atenta à recepção dos filmes no exterior e a como a distribuição acontece lá fora, cobrando um tratamento equivalente dos títulos por aqui. Ele garante que as duas empresas discutem estratégias de marketing.

A Paris Filmes, responsável pela distribuição dos filmes “Men“, de Alex Garland, e “Midsommar“, de Ari Aster, no Brasil tende a concordar. Segundo Marcio Fraccaroli, CEO da distribuidora, a produção contínua de títulos não convencionais e contundentes em proposta agradaram a um público específico.

Para chamar essas pessoas, a Paris se preocupou em posicionar os filmes como da A24, vendendo os títulos como produções de arte em vez de um terror mais tradicional.

Os resultados são variados. O caso emblemático é o de “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo“, maior sucesso financeiro da história da A24, que estreou nos Estados Unidos em abril e no Brasil no fim de junho.

Na América do Norte, o filme passou dos US$ 70 milhões, cerca de R$ 363 milhões, ampliando o número de salas a cada semana. Em terras brasileiras, a carreira foi de R$ 3,8 milhões, com público de 180 mil e dois meses entre as maiores arrecadações da semana. Com o Oscar, o filme retornou aos cinemas na semana passada.

Sobre os quase três meses de espera, Gabriel Gurman diz que a Diamond fez conscientemente a opção pela campanha mais longa, dado que o filme não era de formato tradicional.

O desafio se impõe agora a “Pearl”, que chega ao país sob acordo de subdistribuição entre a Universal Pictures e a Cinecolor. Tensão não falta. O longa é um prelúdio de “X – A Marca da Morte“, também dirigido por Ti West, que foi lançado pela Playarte em agosto do ano passado, cinco meses depois do lançamento nos Estados Unidos. A bilheteria foi pífia, de R$ 916 mil e 50 mil espectadores em 267 salas.

Em público, perde até para “Aftersun“, que é da A24 lá fora e da Mubi aqui. Lançado pela O2 Play, o longa de Charlotte Wells recentemente chegou a 57 mil ingressos vendidos no Brasil, ocupando menos de 50 salas. Procurados pela reportagem, a Mubi declinou entrevista e a Playarte não respondeu o contato.

Apesar disso, David Trejo, diretor geral da Cinecolor do Brasil, vê o cenário com otimismo. Além da empresa estar motivada pelo entusiasmo das redes, ele não vê a distribuição de “X” como obstáculo e acredita que o filme pode furar a bolha. A divulgação, inclusive, mira fãs de terror, da franquia, de Mia Goth e, sim, da A24.