Nostalgia é um negócio perigoso. Por vários motivos. O principal deles é que ela é feita de memórias e sentimentos. As coisas podem não ser realmente como você se lembra, ou talvez não fosse a mesma coisa hoje em dia. A parte boa da nostalgia é a memória e o tempo que servem de proteção a algo que gostamos, ao “tempo bom que não volta mais”. É um sentimento poderoso que faz a gente querer ser mais jovem ou disfrutar de sensações e momentos que já passaram. A parte ruim da nostalgia é que muitas empresas já entenderam como gostamos desse sentimento e decidiram fazer alguns milhões à custa dele.
Em um mega-evento praticamente simultâneo nos dias 24 e 25 de janeiro, uma nova minissérie de Arquivo X – para muitos oficialmente a décima temporada da série – estreou em diversos países do globo acumulando, só na sua exibição dos EUA e streaming, 13,5 milhões de expectadores. Todos eles movidos pela nostalgia. Na segunda-feira, foi o dia do Brasil, com os dois primeiros episódios da minissérie de seis capítulos passando em sequência a partir da meia-noite. Tudo com clima de pré-estreia, só que fora do cinema.
Outro problema da nostalgia é que é uma ilusão que pode ser furada muito facilmente. Não há dúvida que Arquivo X é um dos programas mais importantes e mais influentes que já passaram na TV, revolucionando a mídia nos EUA e gerando toda a nova geração de seriados e grandes sucessos como Breaking Bad, Game of Thrones, Mad Men e, especialmente, LOST. Mas a palavra chave está aí: “foi”, “influenciou”, tudo no passado.
Eu estava com os dois pés atrás com este retorno dos agentes Fox Mulder (David Duchovny) e Dana Scully (Gillian Anderson) às telas. Uma tentativa já havia sido feita em 2008 com o mais que medíocre e mercenário filme Arquivo X – Eu Quero Acreditar, que ficou bem abaixo de muitos episódios ruins da série em qualidade. O retorno da série com a dobradinha ‘My Struggle’ seguido de ‘Founder’s Mutation’ ficou acima do malfadado filme, mas não foi muito melhor.
O primeiro episódio foi melhor do que o segundo, sem dúvida. Ele planta dúvidas e questões interessantes, especialmente para os fãs antigos da série, além de voltar a trabalhar o relacionamento dos dois protagonistas já que até hoje os fãs brigam entre si se Dana e Fox devem ou não ser um casal. Mas o que poderia ser o potencial para uma grande trama coesa ou diferente se perde muito rápido. Nos quarenta minutos do primeiro episódio, grande parte da mitologia construída ao longo de 9 anos de série é simplesmente jogado pela janela para efeito de choque e outras questões cânones são modificadas ou mantidas por motivos de roteiro anos depois de serem estabelecidas. Não demora muito para que clichês da série comecem a chover, incluindo a ressureição inexplicada de personagens (coisa que acontecia no seriado dia sim, dia não).
E mesmo dirigido e escrito por Chris Carter, criador original da série, o episódio fica abaixo da média. Sua trama é rasa, seu desenvolvimento superficial e muitas vezes forçado. Fox e Dana topam voltar muito fácil, se envolvem na conspiração muito fácil. Existem longos diálogos de exposição. Tudo é linear, raso e rápido demais, completamente o oposto do que um bom episódio de Arquivo X devia ser. Eu sei que tem a questão do tempo, de ser compreensível para novos fãs e outros pontos menores. Mas nivelar por baixo não me parece uma boa resposta.
O segundo episódio, ‘Founder’s Mutation’, piora essa sensação. Por serem apenas seis episódios 14 anos depois do final da série, muitos esperavam uma mudança no formato, algo mais concentrado, focado. Isso não aconteceu. Logo após todos os problemas do primeiro episódio, Mulder e Scully simplesmente voltam para o FBI como se fosse simples e fácil assim e já estão investigando arquivos X como se nada tivesse acontecido – especialmente os conflitos grandiloquentes do primeiro episódio.
A maior falta talvez seja do personagem Tad O’Malley. Em ‘My Struggle’, ele é diretamente responsável por fazer toda a minissérie acontecer. Em ‘Founder’s Mutation’ ele não é mencionado nem aparece. Se alguém some/é sequestrado/calado ou qualquer coisa assim em Arquivo X, não é exatamente estranho, mas é esperado algum desenvolvimento. Enfim, é um golpe muito seco sair da conspiração do primeiro episódio só para cair no formato anos 1990 de ‘monstro da semana’ no segundo episódio.
Pelo lado bom, há um certo foco na melhor coisa do retorno: Mulder e Scully. Afinal, pelos altos e baixos da série, a dupla de protagonistas belamente escrita foi o que manteve os fãs unidos. Agora não é diferente. É unânime dizer que Duchovny e Anderson ainda estão ótimos nos papéis. Especialmente Duchovny, que parece ter deslizado de volta para Mulder como se fosse uma segunda pele. Os fragmentos de revelação e desenvolvimento dos dois personagens é de longe o ponto mais alto da minissérie até agora, o que chega a ser irritante porque enquanto você quer saber mais, o grosso dos episódios se ocupa com o já mencionado ‘monstro da semana’.
Como eu disse, nostalgia é uma coisa perigosa. Como ficou claro, os dois primeiros episódios foram medíocres e bem abaixo das expectativas quase inatingíveis dos fãs após 14 anos de espera. Eu, como crítico, sei disso, mas como fã, eu gostei, simplesmente porque é Arquivo X novamente na minha tela. Então eu vou ver todos os outros episódios e é com essa devoção que os produtores contam e não exatamente com uma preocupação com conteúdo ou qualidade.
Foi contar com essa devoção que pariu o filme horrível de 2008. Esse renascimento em 2016, até agora, foi diferente, mas não muito. Temos pela frente mais quatro episódios. A torcida minha, e acredito que de todos, é que o nível suba e não fiquemos mais satisfeitos apenas por ver Scully e Mulder juntos outra vez, mas porque a minissérie realmente vai se destacar como uma das melhores – ou a melhor do ano. Afinal, essa fé inabalável é outra coisa que eu e todos os fãs temos em comum. No final da minissérie, eu voltarei a escrever uma resenha, e espero ter uma opinião diferente.
Eu, assim como eles, quero acreditar.