Crítica: Em ‘Dawn FM’ The Weeknd enxerga a luz no fim do túnel
Novo álbum do cantor simula uma estação de rádio que, mais do que músicas, apresenta uma experiência cinematográfica otimista em tempos difíceis
A ‘fábrica de hits’ ataca novamente! The Weeknd lançou, na última sexta-feira (7), seu novo álbum, o otimista pero no mucho ‘Dawn FM’. O desafio era grande: o trabalho é o sucessor do ‘After Hours’ (2020), um dos discos mais celebrados dos últimos anos. O hit ‘Blinding Lights’ ainda ecoa por aí e, em novembro passado, foi coroado o maior single da história da Billboard. Mesmo diante de tamanha pressão, ‘Dawn FM’ mostra o artista fortalecido em vez de intimidado.
Antes de falar mais sobre o álbum, precisamos focar em The Weeknd. É inegável que o cantor está longe de ser um músico que faz canções querendo agradar a crítica. O amor que ele tem pelo trabalho é quase palpável. Podemos contar nos dedos os artistas atuais que se entregam tanto. A aclamação que seus discos colecionam é só uma resposta da indústria para tamanha dedicação.
Após ter sido esnobado pelo Grammy, em uma das injustiças mais comentadas do mundo da música, Abel Tesfaye reforça com o novo disco que não precisa de prêmios para manter seu nome entre os ‘mais mais’ do ramo.
‘Dawn FM’ é o som cativante de um artista que sabe que está no topo. Temos novamente um The Weeknd cinematográfico, com seu recorrente apelo sexual. As canções, mesmo as depressivas, que falam sobre uso de drogas ou inseguranças, fazem qualquer um querer se levantar para dançar. Um disco coeso que poderia muito bem ser a trilha sonora de um filme.
Passado e presente
The Weeknd nunca esteve tão Michael Jackson desde ‘I Feel It Coming’, lá em 2016. Quincy Jones, o lendário colaborador do Rei do Pop, é um dos produtores de ‘Dawn FM’. Influências de Depeche Mode, Duran Duran e Giorgio Moroder também são notórias.
Há ainda notas de Daft Punk – que anunciaram no ano passado o fim da carreira após 28 anos – que já trabalharam com Abel em trabalhos passados. E, no que depender de The Weeknd, o legado do duo vai permanecer vivo. São expressivas as similaridades entre ‘Dawn FM’ e o trabalho de estreia da dupla, o ainda atualíssimo ‘Homework’ (1997), que também possui intros entre as músicas, uma chamada inclusive ‘WDPK 83.7 FM’.
Mas nem só de passado vive o velhinho da capa de ‘Dawn FM’. Abel chamou o badaladíssimo Max Martin para produzir o álbum. Além disso, dão o toque moderno o grupo Swedish House Mafia e o autor eletrônico Oneohtrix Point Never.
Oneohtrix, vejam só, é responsável pelas trilhas sonoras dos filmes dos irmãos Safdie ‘Bom Comportamento’ e ‘Joias Brutas’ (este último com The Weeknd no elenco).
Nos feats, as nunca exageradas participações do gênio Tyler, The Creator e do controverso Lil Wayne.
Sintoniza na rádio
Se para alguns as músicas de ‘Dawn FM’ podem parecer “iguais” e nada inovadoras, ninguém pode negar que a forma como The Weeknd montou o conceito do disco merece destaque. Como o nome já entrega, o álbum simula uma estação de rádio, com todas suas narrações e interferências. É divertido de ouvir. Nos tempos de hoje, é inovador.
Em 2005, Madonna usou conceito parecido em outro disco dance/pop, ‘Confessions On a Dance Floor’ [leia a crítica aqui]. Na melhor versão, a do álbum físico, as doze faixas são emendadas como o set de um DJ, sem intervalo.
Em ‘Dawn FM’ as músicas de Abel deslizam perfeitamente de uma para a outra (destaque para a sequência ‘How Do I Make You Love Me?’ – ‘Take My Breath’).
Se toda rádio tem seu locutor, aqui quem comanda a estação é Jim Carrey. De uma forma divertida e elegante, a participação do ator é uma surpresa agradável que não sabíamos que precisávamos até ouvir.
Os cinco minutos e meio eufóricos de ‘Take My Breath’, primeiro single de ‘Dawn FM’, funcionam melhor na audição do álbum como um todo. A batida do novo single, ‘Sacrifice’, remete aos já citados Daft Punk, mesmo para quem não tem afinidade ao som do duo.
Já a ótima ‘Out of Time’ poderia estar no ‘An Evening with Silk Sonic’ (2021), disco do Silk Sonic, grupo formado por Bruno Mars e Anderson .Paak.
‘How do I make you love me?’ e ‘Here We Go… Again’ também estão entre as melhores. Nessa última, The Weeknd fala sobre se apaixonar no auge da carreira. “Ainda estamos celebrando o Super Bowl (…) Meio milhão em um ano nas paradas (…) E a minha nova garota é uma estrela de cinema”, canta ele, num verso que aumenta os rumores do romance com a atriz Angelina Jolie.
Na tensa, porém divertida, ‘Every Angel Is Terrifying’, a rádio do cantor caminha o ouvinte para dias melhores, para a pós-vida (pós-pandemia?). “O mundo exótico, bizarro e maravilhoso de Pós Vida. Este é seu convite para entrar (…) uma experiência da qual você jamais se esquecerá”.
A contagiante ‘Less Than Zero’ fecha o álbum da melhor maneira possível. A música grita para ser um futuro single.
A luz no fim do túnel
Difícil falar de ‘Dawn FM’ sem citar novamente o ‘After Hours’ [leia a crítica aqui]. Os dois álbuns funcionam como complemento um do outro, quase como yin e yang. Vale lembrar que o disco de 2020 foi lançado no final de março daquele ano, época em que a pandemia de Covid-19 estourou no mundo todo.
Lembrar-se de ‘After Hours’ é lembrar-se de um tempo de muito medo, que claro, ainda continua. Agora, logo na faixa de abertura de ‘Dawn FM’, ouvimos: “Você esteve no escuro por muito tempo, é hora de entrar na luz”. É a rádio de The Weeknd tocando enquanto estamos atravessando esse túnel de incertezas em direção a dias melhores.
O primeiro grande álbum de 2022 é muito mais do que uma sequencia de faixas, é uma experiência que melhora a cada audição.
Embora não tenha a presença e a vivacidade de seu antecessor, ‘Dawn FM’ é mais um ótimo produto entregue pelo cantor para servir de companhia para quem ainda está confinado em casa almejando sair “para a luz”. Nada melhor para o início de mais um ano conturbado.
Ao juntar-se às músicas de ‘After Hours’ e às antigas de The Weeknd, ouvir o disco nos faz desejar mais ainda por uma próxima turnê do artista, nos tempos em que shows poderão ser realizados tranquilamente.