A COISA

Crítica It 2: traumas de infância, homofobia, bullying e muitos sustos

Em cartaz nos cinemas, terror do palhaço encerra a história do clube dos otários. Mais Goiás já viu o filme e comenta os erros e acertos da produção

Parte dois de 'It' traz de volta o assustador palhaço Pennywise (Foto: Divulgação)

Imagina se a beira dos 30 anos de idade fossemos obrigados a voltar no passado para reviver nossos medos mais íntimos de quando éramos crianças e ainda por cima destruir Pennywise, um monstro comedor de pessoas?! É disso que se trata ‘It – Capítulo Dois’. A produção baseada na obra de Stephen King é a continuação direta da primeira parte lançada em 2017, que dispensa apresentações, sendo o filme de terror com a maior bilheteria na história (US$ 700 milhões). Contudo, It 2 chega aos cinemas já fadado a ser comparado ao primeiro.

Se nas telas o desafio dos personagens é destruir o palhaço Pennywise, fora delas, o grande obstáculo é ser, no mínimo, uma continuação competente. Desafio esse que It 2 cumpre bem em muitos momentos e deixa a desejar em outros. A produção é extravagante e muitas vezes soa até prepotente.

Com ares de blockbuster, It se tornou um evento cinematográfico poucas vezes visto recentemente dentre o gênero de terror. Foi assim com os ótimos Invocação do Mal 1 e 2, o incrível Um Lugar Silencioso e a esquecível saga de Annabelle, dentre todos os lançamentos desta categoria.

Aspectos sociais

It 2 já começa com sua cena mais chocante, mesmo com a presença mínima do palhaço. Um casal gay é atacado física e verbalmente e um dos rapazes é atirado de uma ponte, caindo no rio a beira da morte. O ataque homofóbico nos faz lembrar que o maior terror não é Pennywise, e sim a maldade dos humanos. O horror não está na forma de um palhaço que vive nos bueiros e esgotos da cidade de Derry, mas também na superfície.

O “clube dos otários” formado pelos personagens principais sabem bem do que as pessoas são capazes. Desde crianças sofrem com abuso, bullying e outras situações traumáticas, o que reflete em suas personalidades como adultos. A perda da inocência e as mentes modificadas por traumas resultam em personagens fora dos padrões que fazem o espectador se identificar.

Richie, Beverly, Bill, Eddie, Mike e Ben precisam destruir o palhaço Pennywise para sempre (Foto: Divulgação)

Destaques

O elenco adulto teve a quase impossível missão de agradar o público na mesma medida que o elenco do primeiro filme (as comparações continuam). Contudo, a maioria dos atores entrega um trabalho excelente e uma química interessante. O destaque fica por conta de Bill Harder (Richie), impecável no papel. James Ransone faz um Eddie incrivelmente parecido com sua versão criança. Como já era de se esperar, o esnobado em premiações James McAvoy entrega uma interpretação irretocável. Porém, Jessica Chastain em pouco lembra a Beverly e aparece apagada e contida.

It 2 acerta em seu trabalho de transformar as crianças em adultos, com características de uma fase sendo mantidas na outra e criando identidade entre as épocas. Os aspectos de produção são bem conectados, com ótima fotografia e montagem, fatores muitas vezes não trabalhados em produções do gênero. O excesso de flashbacks pode parecer um recurso fácil de ligar o filme ao anterior e agradar o público, mas são usados em momentos chaves e certeiros.

Os jump scares (sustos com mudança rápida de imagem e com som alto e assustador), são previsíveis, mas funcionam – até muito bem diga-se de passagem. O filme foca mais no terror psicológico e menos no espetáculo, mergulhando de cabeça nos aspectos problemáticos de cada protagonista. As crianças morrendo, entretanto, continuam lá, em duas cenas particularmente sangrentas, pesadas e impactantes.

O palhaço Pennywise comedor de gente pronto para agir em ‘It 2’ (Foto: Divulgação)

Nem tudo é sangue…

It 2 tem a duração de 2h49min. Considerado demasiadamente longo pela maioria, o filme parece passar rápido devido ao volume de acontecimentos, mesmo com alguns momentos monótonos. Seria realmente complicado transferir para a tela mais de mil páginas de um livro com tantos personagens principais.

Pecando no excesso de efeitos especiais, muitas cenas do filme parecem plásticas e pouco realísticas. O triângulo amoroso formado por Beverly, Bill e Ben não é bem trabalhado e nunca parece muito convincente, fazendo com que o público não torça nem por um nem por outro. Falta um suspense genuíno na produção. Com o excesso de jumps scares já mencionado, a obra não tem uma boa sequência de medo crescente, e tudo é entregue logo de cara.

Transitar entre tons e gêneros diferentes em uma mesma obra é tarefa árdua. Do suspense para o terror, com muito drama e cenas engraçadas, as nuances em It 2 são mais desequilibradas. Em pleno desfecho do longa, uma cena de comédia envolvendo um filhote de cachorro é desnecessária e risível no pior sentido da palavra. Além do mais, a estrutura segmentada as vezes dá a impressão de vários episódios aleatórios acumulados em um só filme.

Veredito

It 2 pode não ser tão bom quando seu precedente, mas é um bom desfecho. Com tantos aspectos para serem explorados, o longa é permeado por uma carga melancólica durante toda sua projeção. Se encerrando com discursos inspiradores e encorajadores, como era de se esperar, a produção é criativa e excepcional se comparada aos filmes de terror recentes. O público vai rir, se assustar e, quase no fim, o mais sensível vai se render às lagrimas com a morte de um dos protagonistas.