Crítica: Morte no Nilo (2022)
Continuação de "O Assassinato no Expresso do Oriente", de 2017, ainda se mantém uma diversão de detetive saborosa e imperdível
Particularmente, não sou muito fã dos livros de Agatha Christie. Entendo que faça parte das obras de mistério criar situações surpreendentes para encantar o público, mas Christie abusa da ‘suspensão de discrença’ ao apostar fortemente em coincidências forçadas. Não são livros totalmente ruins, há exemplares que servem bem ao próposito de uma leitura ligeira e sem grandes ambições (dependendo do nosso estado de espírito). Mas, sem dúvida, a autora britânica é uma das mais populares e mais adaptadas do gênero – e sua importância para a relevância feminina na leitura é indiscutível.
Outra característica dos autores de mistério do passado (principalmente), era a criação de um detetive que serve como bússola moral da história, e é responsável pelo desenrolar da narrativa. Se Arthur Conan Doyle tem seu Sherlock Holmes, Agatha Christie criou o belga Hercule Poirot – que estrelou diversos de seus livros. Entre suas obras mais populares está “Morte no Nilo”, já adaptada inúmeras vezes ao longo dos anos tanto para cinema quanto para TV. Recentemente, o diretor/ator/roteirista Kenneth Branagh resolveu levar novamente Christie para o público moderno e conseguiu não apenas respeitar a essência do material original, como também tornar mais atrativo – e divertido – a experiência de acompanhar uma história de “quem é o assassino?”.
Em 2017, a primeira empreitada de Branagh como diretor do universo de Christie, e também como intérprete de Hercule Poirot, foi no delicioso “Assassinato no Expresso do Oriente” (talvez o livro mais conhecido da autora). O filme é composto por um elenco estelar e é inventivo na maneira como conduz os clichês da narrativa, e também como constroí sua ambientação de suspense e imprevisibilidade. E aqui em “Morte no Nilo”, Branagh repete o feito e entrega uma adaptação cheia de atores renomados, um assassinato (agora dentro de um barco no Egito), um desenrolar cheio de ritmo e, principalmente, consegue nos fazer interessados pela história e por alguns de seus protagonistas. Não é um estudo de personagem profundo ou existencial (pois os livros de Christie não o são), mas é um filme que entende o espírito da história, e Branagh consegue transformar tudo em um jogo saborasamente pirotesco de detetive.
E o Hercule Poirot de Branagh ainda se mantém como o personagem mais interessante dos filmes, sendo uma peça fundamental para nosso engajamento e interesse pela história. Suas manias peculiares tornam o personagem sutilmente engraçado, e seu bigode singular colabora para o Poirot de Branagh ser memorável, mas não menos astuto, observador e humano. Aliás, a “metáfora do bigode” pode até soar cafona no começo, mas com o desfecho do filme, ela se complementa e faz sentido, e faz de Poirot um sujeito emocionalmente mais identificável.
Charmoso, divertido e visualmente estonteante, “Morte no Nilo” é imperdível e mantém o ótimo trabalho de Kenneth Branagh em apresentar o mundo de Agatha Christie para a geração atual – ou para quem nunca leu os livros ou assistiu as adaptações antigas. Já animado para um terceiro filme!
Death on the Nile/EUA – 2022
Dirigido por: Kenneth Branagh
Com: Kenneth Branagh, Gal Gadot, Annette Bening, Tom Bateman, Russell Brand, Armie Hammer…
Sinopse: Em Morte no Nilo, durante sua viagem de lua de mel pelo rio Nilo, o casal Linnet Ridgeway (Gal Gadot) e Simon Doyle (Armie Hammer), convidaram os entes mais queridos para embarcar no barco Karvak e celebrar a união do casal. Porém a rica herdeira é misteriosamente morta de noite e por quase todos os passageiros têm motivos para matá-la. Mas um dos convidados, por coincidência, é o mais famoso detetive do mundo, Hércules Poirot, que começa a investigar o caso. Enquanto as investigações têm início no próprio barco, novas mortes acontecem com o intuito de encobrir a verdade e o caso acaba sendo mais difícil de se solucionar a cada tempo que passa. Situado em uma paisagem épica de vistas panorâmicas do deserto egípcio e das majestosas pirâmides de Gizé, este conto de paixão desenfreada e ciúme incapacitante apresenta um grupo cosmopolita de viajantes impecavelmente vestidos entre voltas e reviravoltas.