Crítica: sensação entre fãs do terror, ‘Pearl’ transforma sonho em pesadelo
Colaboração criativa entre Mia Goth e Ti West, filme apresenta uma realidade opressiva num universo colorido e sangrento - e uma interpretação ignorada no Oscar
Na última quinta-feira (9), finalmente estreou nos cinemas brasileiros ‘Pearl‘, de Ti West. E digo finalmente pelo fato de que o aguardado terror saiu bem antes lá fora, em setembro do ano passado. A péssima distribuição do filme no Brasil deve resultar numa baixa bilheteria por aqui, já que a fama da obra fez com que milhares de pessoas já tenha assistido o longa “por outros meios”. Mas vamos lá. A já citada fama de ‘Pearl‘ se deve a vários motivos. Para começar, ele é derivado de ‘X‘, badalado slasher de 2022. Segundo, ‘Pearl‘ não é um filme de terror padrão, ele tem lá sua camada de complexidade. E, acima de tudo, temos a interpretação de Mia Goth, o maior destaque da produção.
Outro ponto a favor da obra de West é ser da A24, produtora queridinha dos cinéfilos que só esse ano empilha 18 indicações no Oscar.
Para quem não sabe, ‘Pearl‘ é o segundo de uma trilogia que, como dito, começou com ‘X‘ e se encerrará com ‘Maxxxine‘, que estreia ainda este ano. Mesmo assim, as decisões criativas aqui são diferentes do longa anterior e isso pode frustrar bastante algum desavisado.
A pornografia usada em ‘X‘ como uma metalinguagem irônica, agora recebe outra abordagem. O banho de sangue do anterior é trocado pela construção de uma personagem, pela busca da origem do mal presente naquela angelical garota interiorana que aguarda o marido voltar da guerra.
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Filha do Coringa com a Dorothy
Cada nova frustração de Pearl serve de gatilho para a queda de sua sanidade e para que sua psicopatia dê as caras de maneira violenta. É como se ela fosse Jack Torrance de “O iluminado” (1980), ou Arthur Fleck de “Coringa” (2019) [leia a crítica].
O espectador se vê na pele da garota, de alguma forma se identifica com aquela personagem estagnada, que tem sonhos a serem realizados, que se sente presa à família e ao local onde mora e que vive numa realidade opressiva e isolada.
‘Pearl‘ é como se a Dorothy do ‘Mágico de Oz‘ tivesse sido sugada por um tornado e caísse em ‘O Massacre da Serra-elétrica‘. E essa alusão não é em vão.
Se em ‘X‘, Ti West homenageou os slashers dos anos 70, agora ele remete ao mundo da estrada de tijolos amarelos e da cidade das esmeraldas. O novo direcionamento fica claro já no início, com ‘Pearl‘ abrindo mão da aura de sujeira e destruição de ‘X‘ e apresentando um universo vibrante, com cores saturadas, belos cenários e uma fotografia marcante.
O filme não ganha a atenção do público pelo absurdo e pela contagem de corpos. Ele usa a violência a favor da história e da atmosfera de tensão, dando o espaço necessário para cenas as chocantes que sim, estão lá.
Um Oscar para Mia Goth
Além de ‘X’ e ‘Pearl‘, Mia Goth coleciona no currículo filmes como ‘A Cura‘ (2016), ‘Suspiria‘ (2018), o recém-lançado ‘Infinity Pool‘, além de ‘Maxxxine‘, que está por vir. Neta da atriz brasileira Maria Gladys, a nova musa do terror não foi indicada ao Oscar desse ano, o que gerou uma onda de revolta dos internautas, que apontam o preconceito da premiação com longas de terror.
A própria atriz comentou a polêmica, lamentando que os votantes da academia sejam “um grupo pequeno de pessoas que determina o que é aceitável”.
Se Mia merecia ao menos ser indicada a ‘Melhor Atriz’ no Oscar? É claro. O clímax de “Pearl” é um monólogo em plano-sequência de quase dez minutos no rosto da atriz. A cena é, de longe, a mais elogiada do filme.
Vale ressaltar ainda que ‘Pearl‘ nasceu da colaboração criativa da atriz com o diretor. Mia Goth não só atua, como também assina o roteiro junto de Ti West. Ela trabalhou na concepção do longa e criou até a coreografia da personagem na famigerada sequência em que Pearl faz um teste para compor um grupo de dança e teatro.
Sem esquecer, claro, da dedicação de Goth lá em ‘X‘, quando a atriz ficou irreconhecível ao dar vida à Pearl idosa, com quilos de maquiagem [assista o processo aqui].
Por fim, ‘Pearl‘ não é só mais um filme de terror, mas uma pequena pérola cinematográfica (com o perdão do trocadilho). A personagem-título já é um novo ícone do horror e deixaria até Norman Bates com medo. Resta aguardar para ver o que ‘Maxxxine‘ nos reserva.
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