Em álbum póstumo, MC Kevin relata passado de crime e volta por cima; ouça
Com dez faixas na pegada 'funk consciente', 'Passado & presente' chegou nesta sexta às plataformas de streaming
Para aqueles que procuram elementos mórbidos em discos póstumos, “Passado & presente”, do MC Kevin, morto precocemente no Rio de Janeiro, no último domingo (16), é um prato cheio.
A primeira faixa, que mistura a batida do trap com o tamborzão característico do funk, fala de “1 milhão de sonhos pra escrever”; em “Sistema”, Kevin lembra que está “firmão com a mina de fé”; “Inspiração” cita Daleste, outro MC paulistano de morte trágica, como ídolo; “Opção” fala de um mundo sombrio; em “Junção”, o funkeiro canta “se até o melhor dessa vida uma hora acaba, podemos dizer que aproveitamos, pelo menos”; e a última das dez faixas se chama “Vida longa”: “Vida longa aos meus inimigos, rá!, para eles aplaudirem minha vitória”.
Mas “Passado & presente” deve ser visto como um atestado que resume as características próprias da versão paulistana do funk. A começar pelo flow, o jeito de cantar de MC Kevin, acelerado, de poucas variações melódicas, muito mais próximo dos artistas do rap do que do canto de Kevin o Chris, para citar um MC do Rio de voz singular.
A ostentação, outra particularidade forte dos artistas de São Paulo, está presente em todas as faixas — principalmente através de marcas de carro importados, um símbolo de afirmação e vitória para quase todos os artistas periféricos.
E as letras são muito mais usadas para contar histórias do que para emplacar bordões e refrãos, por exemplo. “Passado & presente” é quase uma autobiografia cantada por MC Kevin, relatando o passado no qual se relacionou com o crime, a perseverança para seguir a carreira artística e o sucesso obtido. “O tempo só anda para frente. Deus me deu o dom de ser MC, é bem melhor que traficar. O meu legado eu vou deixando”, diz ele na faixa de abertura.
Mas há espaços também para o funk politizado, com críticas ao governo em “Vida longa” e “Alma pura” — esta última, também uma defesa ao trabalhador que não tem o direito de ficar em casa durante a pandemia: “E a conta de água e luz? Nós é sofredor, guerreiro, no passado eu passei fome”.