Cinema

Estatuto do cinéfilo: deputado estadual propõe lei que resguarda direitos do consumidor

Ir ao cinema é reconhecidamente um ato comum de prazer e relaxamento: uma boa poltrona,…

Ir ao cinema é reconhecidamente um ato comum de prazer e relaxamento: uma boa poltrona, um filme legal, amigos ao redor. Porém, muitas vezes pode ser um inferno: gente falando alto, celulares, salas sujas, tela rasgada, filme desfocado. Uma experiência profundamente negativa em troca de um ingresso que já beira os R$ 40 a inteira.

Com isto em mente, o deputado estadual Diego Sorgatto (PSB) está com um projeto de lei chamado de Estatuto do Cinéfilo. Ele visa regulamentar o relacionamento entre os cinemas e o consumidor, assim como responsabilizar as salas por certos problemas para tentar, assim, garantir um certo nível de qualidade no serviço.

A ideia não é nova no Brasil: Brasília mesmo, aqui do lado, possui um estatuto similar em vigor. “É um projeto recente, ele acabou de começar a tramitação. A ideia nossa é tentar respaldar todos os direitos de todos que frequentam o cinema. São mais de 100 salas em Goiás e não há nenhuma lei que prevê alguns dos problemas que podem ocorrer”, conta Sorgatto.

Ele cita alguns problemas previstos no projeto, como o cancelamento de uma sessão sem aviso prévio pelo estabelecimento: “E aí a pessoa fica prejudicada. Com o estatuto, poderemos assegurar esse direito”.

Isto funcionaria da seguinte forma: tendo o respaldo da lei, o cidadão que se sentisse prejudicado passaria a ter bases legais para reclamar junto ao Procon, assim como para abrir um processo contra o cinema. Alguém ficou com o celular aceso na sua cara o filme inteiro? Que pena… com o estatuto, o cinéfilo passaria a ter bases para processar.

“Muitas destas questões acabam ficando à critério do cinema, portanto queremos criar um padrão e que ele tenha força de lei”, explica o deputado. Segundo ele, aos poucos o projeto está ficando conhecido e estaria com uma tração positiva na Assembleia. Ele acredita que não terá problemas na tramitação: “Esperamos que todos os deputados aprovem e o governador sancione. Ele ainda vai passar pela comissão antes de ir à plenário e queremos fazer uma audiência pública para discutir isso com o cidadão e as empresas”.

A ideia é que o estatuto finalize sua tramitação em cerca de dois meses. A PL quer regulamentar alguns pontos há muito discutidos no cinema como a venda de ingressos antecipados, a entrada de alimentos na sala, a meia-entrada e como ficaria a fiscalização.

Cinéfilos

Conversamos com alguns frequentadores do cinema e apresentamos o projeto para eles para ver o que achavam. De modo geral, todos aprovaram a ideia, mas tiveram algumas dúvidas.

“Muito legal essa iniciativa para dar um padrão de qualidade de serviço pra gente que é apaixonado por cinema. É bom ter algo que nos dê um respaldo”, disse o estudante de Medicina Henrique Coutinho.

Ele duvida um pouco da educação do cinéfilo. Em um dado artigo da PL, o cinema não pode proibir a entrada de qualquer alimento na sala: “Acho que este ponto é muito bom para o cinéfilo e muito ruim para o cinema. Não sei se as pessoas vão saber lidar com essa liberdade”, disse ele, temendo que as salas acabem mais sujas. Segundo o estatuto, uma das responsabilidades do cinema passa a ser manter as salas limpas, uma questão de bom-senso que nem sempre é cumprida direito pelas empresas.

O professor da UFG e doutor em Cinema, Rodrigo Cássio, vê com certo ceticismo como a lei seria aplicada na prática: “Penso que tais estatutos, concebidos para o contexto do consumo de filmes nos cinemas, são de grande dificuldade de aplicação. Não imagino como possa haver fiscalização a respeito do uso dos celulares nas salas, por exemplo”.

Para ele, o problema do celular é o maior  e é um problema muito mais grave: falta de educação, grosseria mesmo. “O problema da falta de educação do público com os celulares é realmente grave nas salas de cinema hoje em dia. Mas isso tem a ver com muitos aspectos que um estatuto como esse passa longe, muito longe de conseguir controlar”.

Levamos a questão à equipe do deputado. A assessoria respondeu que a fiscalização ficará sob responsabilidade do cinema. Eles podem colocar cartazes e passar avisos, como muitos já fazem, mas são livres para até mesmo trazer de volta um lanterninha, se quiserem. O ponto central é que o cinéfilo incomodado pelo celular poderá processar o cinema com base no estatuto.

A ideia seria que, para evitar problemas legais e prejuízos, o cinema tomaria uma atitude para coibir problemas em suas salas. Além disso, por ser uma lei do consumidor, também caberia ao Procon fazer a fiscalização e receber reclamações dos clientes.

Outra dúvida que emergiu foi em relação à meia-entrada. Na redação atual, o texto é um pouco confuso. Foi o caso do engenheiro químico Júlio Brito: “veda descontos de outros tipos, como por exemplo meia de cartão de crédito?”, perguntou.

A assessoria também respondeu: se trata exclusivamente da meia-entrada de estudantes. Para deixar de ter polêmica sobre isso, o estatuto define que para conseguir a meia estudantil é necessário a carteirinha de estudante com data de validade e fim de papo. Porém, essa definição não afeta outras promoções de meia-entrada oferecidas pelos cinemas como planos de assinatura, parcerias com cartões de crédito e assim por diante.

Após a explicação, Júlio espera que o texto fique mais translúcido para o olhar do leigo futuramente: “Ele e a equipe dele certamente ainda tem oportunidades de desenvolvimento nessa PL”.

Outro ponto que incomodou Júlio é que o estatuto também regula sobre a venda de ingressos antecipados. A PL quer evitar que a pessoa chegue ao cinema e encontre tudo esgotado. Para isso, o estatuto estipula que apenas 20% dos ingressos por sala sejam vendidos na internet. Todos os demais, então, devem ser vendidos nos totens e pela bilheteria com no máximo cinco horas antes da sessão. A ideia é evitar que o cliente perca a viagem.

Júlio discorda: ele prefere comprar pela internet para evitar filas. Segundo a assessoria do deputado, o argumento é que nem todos têm acesso à internet, têm condições de pagar a taxa de conveniência ou sabem mexer em um celular ou computador. Portanto, o estatuto define como mais justo que as vendas antecipadas sejam limitadas e que as vendas sejam concentradas na bilheteria.

Enfim, os nossos entrevistados gostaram muito da ideia, mas ainda estão desconfiados quanto à eficiência da lei. O mais surpreendente é que as pessoas parecem mais decepcionadas com os demais frequentadores dos cinemas do que com as empresas em si.