Frejat lança disco depois de 12 anos e quer soar atual sem perder autenticidade
Entre um álbum e outro, a indústria passou por transformações que acabaram freando a produção de Frejat, ex-Barão Vermelho
O ano em que Frejat lançou seu último disco de inéditas, 2008, foi o mesmo em que o Spotify foi ao ar pela primeira vez na Suécia, e o YouTube tinha três anos de vida. Entre “Intimidade entre Estranhos” e “Ao Redor do Precipício”, álbum que o músico lança agora, a indústria passou por transformações que acabaram freando a produção do ex-Barão Vermelho.
“Vários amigos me falaram para lançar um disco, mas eu resisti a essa ideia”, diz Frejat. “Achava que lançar músicas pela internet, essa liberdade de soltar quantas você quisesse, você poderia ir fazendo sem pressa e simplesmente seguir a necessidade. Só que percebi que quem estava trabalhando com singles eram artistas com um perfil diferente do meu.”
Segundo Frejat, um álbum é um retrato mais amplo da cabeça do artista no momento em que é feito. No caso de “Ao Redor do Precipício”, é um retrato não só de 2018 e 2019, quando o disco foi idealizado e gravado, mas de composições feitas desde o começo do século com parceiros que vão de Leoni –coautor de quatro faixas–, Zeca Baleiro, Jards Macalé, o finado Luiz Melodia ao frequente parceiro Mauro Santa Cecília, entre outros.
“Tenho tanta ideia para mostrar que não posso mostrar uma de cada de vez. Preciso parar e focar isso. Minha cabeça tem que estar aqui no momento.”
Com mais de três décadas de carreira, o ex-guitarrista e vocalista do Barão Vermelho trabalhou a vida inteira fazendo álbuns. Mas o processo, diz Frejat, depois de tanto tempo afastado do formato, foi renovador. “Tive que voltar a pensar em estar em estúdio buscando soluções para várias músicas diferentes. Senti que eu estava discutindo ideias e ligado a pessoas que poderiam filtrar determinadas acomodações minhas.”
“Ao Redor do Precipício” surgiu de um núcleo formado por Frejat, o tecladista de sua banda, Humberto Barros, o produtor e guitarrista Kassin e o guitarrista e baixista Maurício Negão. Mas o time de músicos envolvido no projeto é amplo e inclui três bateristas –entre eles Pupillo, da Nação Zumbi, que também é produtor–, o maestro Arthur Verocai, a cantora Alice Caymmi e o flautista Carlos Malta.
“Esse disco tem vários caminhos diferentes, mas todos eles estão dentro da minha cabeça”, afirma Frejat. De fato, o álbum passeia por pop rocks como “Te Amei Ali” –com metais, um solo limpo de guitarra e coral formado pelos backing vocals da cantora Iza– e “Amar Um Pouco Mais”, um interlúdio caótico inspirado pelo funk 150 BPM (“Batidão”), faixas balançadas de letra direta (“E Você Diz”), namoros com o country de steel guitar (“A Pergunta Urgente”) e até um flerte com a disco music (“Tudo o que Consegui”).
A primeira faixa em que Frejat trabalhou para “Ao Redor do Precipício” foi “Planetas Distantes”, que tem a cantora Dulce Quental como coautora e narra um reencontro com uma antiga namorada, por cima de batidas eletrônicas suaves e vozes simultâneas.
“Era um rock, mas senti uma coisa tão redundante, tão datada, achei que não ia acrescentar nada para mim. Pensei em usar coisas eletrônicas, que daria uma nova cara.”
A ideia de Frejat para o novo disco é tentar fazer sentido em 2020, mas sem perder a autenticidade de uma longa carreira no meio do caminho.
“Durante todo esse tempo, fiquei pensando nisso. Um artista que tem a minha trajetória enfrenta o desafio de se encaixar em um momento contemporâneo. E, ao mesmo tempo, não soar ultrapassado em relação àquilo que ele já representa. Queria um disco que pudesse demonstrar que estou no mundo atual, mas sem querer parecer aquele cara mais velho querendo brincar com os brinquedinhos dos garotos.”
Até por isso, o interlúdio “Batidão”, inspirado pelo tamborzão do funk – que Frejat define como “música negra do jeito que eu gosto” – acaba não soando propriamente como um funk.
“Minha ideia foi trabalhar uma guitarra pesada com o tamborzão”, diz. “Me disseram que o negócio agora era o 150. Mas aí o Pupillo fez uma levada na bateria que virou uma otura coisa. O tamborzão não ficou tão escancarado, virou outro negócio. Achei essa mistura legal para caramba.”
Oitava faixa do álbum, “Batidão” divide o disco em dois –como os lados de um LP. Na primeira parte, estão as baladas; na segunda, as agitadas e o encerramento mais triste.
As duas faixas que fecham “Ao Redor do Precipício”, “Todo Mundo Sofre” e “Por Mais que Eu Saiba”, amarram o conceito do disco – o paradoxo de estar perto do abismo e, ao mesmo tempo, vislumbrar a vida. É uma duplicidade de geminiano, diz Frejat, que acaba de fazer 58 anos.
“Nos últimos anos, oscilei entre essas sensações. De perceber quanta coisa bonita o ser humano pode fazer, a capacidade de ser carinhosos uns com os outros. E, ao mesmo tempo, a barbárie. Acho que as músicas acabam refletindo isso. Tem músicas que são pesadas, e outras que são sobre querer estar na rua, com os amigos.”
A barbárie, segundo o cantor, é “o crescimento da extrema direita em nível mundial”, “a desigualdade no mundo todo”. “Estávamos indo acelerados ao fundo do poço. Temos que aproveitar o momento para rever o modo que o ser humano se coloca no planeta, porque a única perspectiva que existe é essa minoria com dinheiro ficar mais rica ainda.”
Militante dos direitos autorais, Frejat segue em busca de melhorar a maneira a maneira com que músicos são remunerados na era do streaming. Para ele, a situação só tende a piorar com a Secretaria da Cultura subordinada ao Ministério da Cultura.
“Nunca tivemos um momento tão ruim na Cultura. As pessoas que estão no poder não têm apreço nem responsabilidade. É um atestado de burrice a postura do governo atual. Mas vou continuar atuando para preservar a música brasileira, dentro das minhas condições.”
Agora um ex-Barão Vermelho – ele saiu da banda que fundou com Cazuza nos anos 1980 em 2016 -, Frejat não ouviu o último disco do grupo, “Viva”, de 2019, agora com o vocalista Rodrigo Suricato.
“Só ouvi a música que toca no rádio. Achei bacana, e acho que eles têm todo o direito de seguir com o trabalho. Mas também acho que, quando as pessoas escutarem meu disco, e o disco deles, com certeza vão ter a sensação de que estou fazendo uma coisa e, eles, outra.”