Crítica

‘Future Nostalgia’: Dua Lipa faz trilha para fim do tédio em tempos de quarentena

No pop, refinamento nem sempre é elogio. Quando o assunto é música que gruda rapidamente…

No pop, refinamento nem sempre é elogio. Quando o assunto é música que gruda rapidamente no ouvido, muito requinte pode simplesmente colocar obstáculos naquilo que é o mais essencial – acessar instantaneamente os sentimentos mais latentes de quem está ouvindo. Em seu segundo disco, adiantado em uma semana depois de vazar na internet, Dua Lipa consegue unir as duas coisas com habilidade rara. Em pouco mais de meia hora, “Future Nostalgia” soa chique e direto, uma convocação à dança que não abre mão do esmero.

O disco chega três anos depois de seu álbum de estreia, ancorado por um hit massivo sobre empoderamento feminino – “New Rules” – que a levou ao primeiro escalão do pop, incluindo dois prêmios Grammy. Ela também virou um ícone fashion millennial, com celebridades do tamanho de Bruna Marquezine e Manu Gavassi (hoje participante do Big Brother Brasil) imitando o estilo da cantora, do cabelo curto às sobrancelhas grossas, passando pelas maquiagens básicas que destacam a boca.

Cercado de expectativa, “Future Nostalgia” traz Dua Lipa ligada à tomada do começo ao fim. “Você queria uma música atemporal/ Eu quero mudar o jogo/ Como a arquitetura modernista/ John Lautner está chegando”, ela canta na faixa-título, citando o arquiteto conhecido pelas obras com aspecto futurista e comercial dentro do modernismo. A foto da capa, inclusive, é uma referência aos carros e lanchonetes americanas com essa estética.

Mais que anunciar novas tendências, contudo, é a confiança da frase que chama a atenção na música, e acaba guiando todo o disco. Em “Don’t Start Now”, ela debocha de um relacionamento antigo para apresentar sua versão renovada. “A decepção amorosa me mudou? Talvez, mas olha como estou agora.”

A cantora inglesa de 24 anos embala a nostalgia disco-pop em arranjos modernos e quase sempre dançantes. Há acenos aos anos 1980 no estilo Carly Rae Jepsen ( “Break My Heart”, “Cool”), mas texturas vocais que soam como Billie Eilish (“Pretty Please”).

Nas 11 faixas, não espaço para baladas – a única exceção é a derradeira “Boys Will Be Boys”–, e o suingue dos graves dá o tom dançante contagiante que lembra tanto Kylie Minogue quanto Giorgio Moroder. Arranjos de orquestra aparecem em momentos pontuais (como na sequência “Hallucinate”, “Love Again” e “Break My Heart”), anunciando ou potencializando ganchos pop –abordagem imortalizada por Quincy Jones em clássicos de Michael Jackson.

Com pianinhos doces e refrão repetitivo, “Good in Bed” soa quase como uma música de Lily Allen, em que Dua Lipa canta de maneira bem-humorada sobre uma casal que dá muito certo na cama mas não consegue ter a mesma sintonia fora dela.

Ela trabalha com diversos produtores, incluindo Stuart Price – com Madonna, New Order e The Killers no currículo – em “Cool” e “Physical”, músicas com cara de new wave. Mas há uma coesão no álbum, delineada pelos vocais graves e o jeito de cantar cada vez mais bem resolvido de Dua Lipa.

O momento de maior vulnerabilidade aparece em “Break My Heart”, quando a cantora expõe o medo de se decepcionar novamente conforme se vê apaixonada. Ainda assim, na faixa – com sample de “Need You Tonight”, do INXS -, o medo parece mais uma celebração do próprio romantismo.

Não surpreende que ela tenha escrito “Break My Heart” com a ajuda do – agora – namorado. tempos de confinamento devido ao avanço do novo coronavírus, “Future Nostalgia” ganha ainda mais apelo. Em um momento no qual as pessoas não podem frequentar shows, festas ou qualquer tipo de evento, Dua Lipa faz um convite irresistível à dança, chamando para um passeio pelas galáxias em “Levitating” ou pedindo para as coisas ficarem mais “físicas” em “Physical”.

Sem tempo para o drama de parte do cenário pop atual, “Future Nostalgia” está recheado de potenciais hits de pista e dá o recado de que Dua Lipa chegou na cena para ficar. É também a trilha sonora para o fim do tédio, ainda que o tédio seja uma obrigação momentânea para muita gente em tempos de pandemia. Ainda não tinha sido tão difícil ficar em casa na quarentena.

Future Nostalgia – Dua Lipa

Onde: Nas plataformas digitais
Autor: Dua Lipa
Gravadora: Warner

*por Lucas Brêda, da Folhapress