‘Jaspion’: abril marca 30 anos da chegada dos tokusatsus ao Brasil
Em abril de 1988, a TV brasileira ia mudar para sempre… ou pelo menos para…
Em abril de 1988, a TV brasileira ia mudar para sempre… ou pelo menos para as crianças que assistiam à televisão e estavam acostumadas apenas a ver desenhos animados na parte da manhã. As coisas mudaram quando a TV Manchete decidiu fazer uma aposta, transmitindo no final da tarde Jaspion, uma série japonesa com atores, robôs gigantes e monstros borrachudos que se inspirava – alguns diriam até que copiava – descaradamente em Star Wars.
Este estranho seriado sobre um guerreiro escolhido e Daileon, seu robô gigante, frente a um império galáctico liderado pelo temível Satan Goss (uma versão nipônica de Darth Vader) foi um enorme sucesso e arrebatou toda a criançada. “O Jaspion foi colocado no horário do final da tarde, início da noite, então pegava o pessoal que chegava da escola e quem estudava de manhã e a aceitação foi muito grande”, relembra o professor da UFG, Rubem Ramos, que era uma dessas crianças.
Tanto que na esteira vieram outros programas do mesmo estilo, como Changeman e Flashman. Mas o Jaspion foi quem mais marcou a garotada: “foi o primeiro exibido no Brasil e foi um marco até por ser uma das primeiras produções que não era um desenho animado, com pessoas de verdade, que tinha um formato diferente, e isso chamava muito a atenção”, conta Rubem. Até mesmo o estilo do programa – e dos que vieram depois – era diferente do que o brasileiro conhecia.
https://www.youtube.com/watch?v=8fKUzJgIN7c
Assim começou a invasão dos chamados tokusatsu, um grande gênero japonês com diversos subgêneros que engloba, por exemplo, Kamen Rider e até os Power Rangers. O sucesso foi tão grande que atraiu o interesse de outras emissoras que na virada dos anos 1980 para os 1990 já estavam cheias de tokusatsu: “Eu assistia a vários seriados e não foi só a manchete que exibiu”, conta Rubem, “A Bandeirantes passava o Metalder, a Record passava o Go-Go Five e o Machineman, o SBT foi o primeiro a passar o Spectreman. Embora a grande concentração ficasse na Manchete mesmo”.
A extinta rede de TV exibiu: Jaspion, Changeman, Flashman, Cybercops, Kamen Rider Black, Jiraiya e Jiban. E estes nem foram todos. Rubem conta que os programas influenciaram muito na sua formação nerd: “Todos eles guardam lições que acabam que mexem com a gente. Desde a formação de ser uma boa pessoa, de procurar fazer o bem, de proteger os mais fracos, até coisas específicas como a curiosidade quanto à cultura japonesa, as próprias lutas marciais e os códigos de honra dos heróis”.
Até meados dos anos 1990, vários passaram até mesmo na TV a cabo, mas a febre foi passando. Nisso Rubem parou de assistir, mas guardou os clássicos: “Eu assisto até hoje, tenho salvo no HD externo os episódios. De tempo em tempo eu assisto de novo, procuro por uma saga ou episódios que eu mais gostava”. O mesmo não pode ser dito do assessor de comunicação Jocelyn Auricchio, que é um grande fã de tokusatsu em geral até hoje, para muito além de Jaspion. Jô, como é chamado pelos amigos, conheceu o gênero ainda antes de ele chegar na televisão brasileira, através de revistas japonesas que circulavam na Liberdade, em São Paulo.
“Aquela revista cheia de páginas absurdamente coloridas, com mais fotos do que dava para contar, mostrava um pessoal colorido usando umas armas diferentes, destruição dos monstros que nunca havia visto igual”, conta, “aquilo queimou nas minhas retinas. Eu não sabia a razão, mas adorei aquele treco que nem sabia o nome”. A primeira experiência com vídeo veio com gravações caseiras de Kamen Rider e Changeman na casa de um amigo, dois anos antes da estreia de Jaspion no Brasil. “Minha cabeça explodiu”, relembra, “não entendia nada, mas não precisava. Nada do que havia passado no Brasil se aproximava daquela doideira”.
https://www.youtube.com/watch?v=22jgI9JVKPQ
Quando finalmente os programas chegaram ao Brasil, Jô assistia a tudo, inclusive as constantes reprises na falta de episódios novos: “não perdia um!”. Seu favorito era Changeman e, ao contrário da maior parte da galera, nunca foi tão fã de Jaspion assim, “mas assistia na falta de coisa melhor”. Ele assistia todos, “até os ruins”, conta, e quando pararam de passar ele queria mais: “a internet ajudou demais!”. Como nada disso chegava ao Brasil, os fãs de tokusatsu recorreram à pirataria: torrents eram usados para pegar os episódios e fansubbers, fluentes em japonês, legendavam os capítulos para que os fãs pudessem entender. “Por causa dos grupos de legenda feita por fãs, pude assistir a todas as séries”, conta. Na lista, todos os Super Sentai, todos os Kamen Rider, além de Goranger, Ryukendo, Gora, Akibarangers e muito mais.
Jô assina o Crunchyroll para assistir a alguns dos seriados atuais e já passou o amor aos tokusatsu para a próxima geração: “minha filha de 10 anos assiste alguns comigo”. E quando dá, sempre compra merchandising, especialmente bonecos colecionáveis. “Na minha mesa de trabalho, por exemplo, tem um Kamen Rider Agito e estou de olho em um Kamen Rider Faiz. Mas no Brasil, ou é impossível achar, ou é ridículo de caro”, conta ele, que geralmente importa de sites gringos.
E de onde vem toda essa paixão de fã? “É um elo com meu eu criança. Mas o lance mais legal é a superação dos limites, os valores positivos. Parece só entretenimento vazio mas tem mensagem. E hoje as séries são feitas para as crianças e para os pais que cresceram assistindo”.
Nova geração
O publicitário Marcus Lázaro, de 30 anos, começou a ver os tokusatsu ainda nas reprises da Manchete. “Dá pra fazer um comparativo com o que a molecada sente hoje em dia vendo Homem de Ferro e Batman nos cinemas. Eles eram, naquela época, a figura do herói de maneira mais acessível que a gente tinha. Os canais passavam muitos programas nesse formato”, conta. Esse processo de deixar de assistir veio pela TV, que de maneira quase abrupta foi parando de transmitir esses programas. “Mas ainda hoje, às vezes me pego reassistindo algumas séries mais antigas, e a nostalgia também está chegando nesse universo dos tokusatsus, heróis do passado tem reaparecido em séries novas, filmes crossovers vem sendo lançados, e agora também rolará até uma produção do Jaspion no Brasil”, comenta.
De fato, a produtora japonesa Sato Co. confirmou que em celebração aos 30 anos de Jaspion no Brasil e por sua imensa popularidade por aqui, um filme brasileiro do herói será rodado. “Então acredito que essa galera que consumia antigamente tem tudo pra voltar a consumir, mesmo que em menor escala, aqueles tokusatsus raiz”, comenta Marcus. Sobre as séries contemporâneas, ele disse ter interesse em assistir, mas que se vê enredado pela nostalgia: “Tô interessado sim, mas mais em ir atrás desses que citei, os crossovers que vem rolando, os filmes especiais que tão saindo e tal… eu sou muito saudosista, então acabo optando mais por ver e rever as obras mais antigas do que propriamente as novas”.
O advogado Pedro Lobato, de 27 anos, conta uma história parecida. Também conheceu as séries nas reprises e consumiu tudo, inclusive tendo alguns velhos VHS até hoje. Como os outros, ele destaca que não havia nada igual na mídia da época: “Eu era criança e estava vendo hérois na TV com armaduras legais e espadas laser enfrentando monstros que queriam dominar o mundo”.
Tal qual Rubem e Marcus, ele ainda assiste os clássicos até hoje e, como Jô, explora algumas das novas séries: “volta e meia ainda assisto. Ainda gosto de tokusatsu então às vezes eu encaixo no meu cronograma de séries um tokusatsu ou outro mais modernos para matar um pouco da saudade do gênero. Eu comecei a assistir recentemente, por exemplo, o Kamen Rider Faiz”, conta. Os compromissos da vida adulta, todos concordam, restringiu significativamente o tempo disponível para conferir estes seriados, mas o amor é o mesmo: “Até hoje ainda valorizo demais o gênero e digo que gosto. Posso não consumir tanto quanto antigamente ou com tanta frequência, mas ainda acho maravilhoso”, finaliza Lobato.