Jessica Jones: perdida como sua protagonista
Segunda temporada sofre com furos enormes no roteiro e uma premissa que não consegue cativar como antes
Após uma excelente primeira temporada, a detetive particular, alcoólatra e super-heroína nas horas vagas, Jessica Jones, retornou para uma segunda temporada de 13 episódios. Livre de sua história de origem e da necessidade de ajudar a estabelecer Luke Cage e os Defensores, era esperado que os novos capítulos fossem entregar uma série maior e melhor.
Ledo engano. Apesar de personagens cativantes e premissas que podem ter parecido boa ideia no papel, a nova aventura de Jones sofre com um roteiro esburacado, arcos desconexos e uma trama principal que não convence nem envolve.
O bom
Krysten Ritter continua excelente no papel da protagonista beberrona dotada de uma série de poderes vagos e consegue se sair bem mesmo com o roteiro terrivelmente inconsistente destes novos capítulos. E ela precisa lidar com muita coisa.
Nesta temporada, Jessica quer descobrir a sua origem após aparentemente um serial killer super-poderoso começar a rondar o seu bairro. Mas este não é o único problema: ela também precisa lidar com um novo vizinho que (spoiler) passa de preconceituoso a interesse amoroso solícito em um passe de mágica; e com sua melhor amiga/irmã Trish que cai de novo no vício e, por alguma razão, decide contradizer todo o seu arco na temporada passada para ir até as últimas consequências tentar conseguir poderes para si mesma (os fãs das HQs sabem o motivo).
Carrie-Anne Moss retorna e está excepcional no papel da advogada Jeri Hogarth que agora descobre ter uma doença incurável. Jeri possui todo um arco próprio que possui quase nenhuma ligação com Jessica ou a trama principal e é, de longe, a melhor coisa da temporada. O único problema é que acaba parecendo que ele foi criado apenas para justificar a permanência de uma atriz do quilate de Moss no elenco.
Malcolm, o vizinho viciado de Jess, está de volta e dessa vez possui um arco para chamar de seu. Embora ele não seja lá tão bem desenvolvido, o ator Eka Darville consegue segurar bastante bem a onda. E como todos tem seus arcos pessoais, o mesmo vale para Trish, que apesar dos mil problemas com o desenvolvimento da personagem, ainda é bem interpretada pela atriz Rachael Taylor.
Esta temporada, assim como a primeira, tenta estabelecer um tema principal e explorá-lo de várias formas. A primeira temporada lidava com abuso, violência contra a mulher e, especialmente, com o sentimento de culpa. Jess, Trish e Malcolm, todos lidam com culpa até um certo ponto, e a morte do supervilão – em todos os sentidos – Kilgrave é a catarse que libera estes personagens.
Nesta nova leva, o tema seria vício, descontrole e como as pessoas usam umas às outras. O tema é recorrente o tempo todo conforme os personagens principais tiram vantagem deliberadamente uns dos outros ao longo dos 13 episódios e como lidam com sua culpa e as consequências a cada reviravolta. No caso de Jess, o pontapé inicial está ligado à morte de Kilgrave: como uma pessoa com super-poderes, a personagem ainda enfrenta o trauma de suas ações passadas além do temor constante de ser uma assassina fora de controle.
O ruim
O problema é que você vai ter que tirar leite de pedra para conseguir enxergar essa suposta mensagem maior, porque o caminho pelo roteiro de Jessica Jones é trepidante. Com tantos arcos simultâneos, todas as tramas são prejudicas de incontáveis maneiras.
Ao longo dos 13 episódios, existem várias situações que terminam em cliffhangers absurdos ou são emparedadas e precisam de um deus ex machina ou um novo acontecimento aleatório simplesmente para fazer o enredo andar.
O resultado é que tudo acaba solto, incongruente, contraditório e, na maior parte do tempo, forçado. Há buracos no roteiro grandes o bastante para se passar um Transformer por ele. Alguns acontecimentos são simplesmente absurdos ao ponto de serem risíveis tamanho a desconexão com os acontecimentos anteriores e/ou seus personagens.
A altruísta Trish volta a ser uma viciada egoísta e violenta? Jessica vai contra absolutamente todos os seus valores para esconder não um, mas vários crimes? São tantas pontas soltas e tantos becos sem saída que (spoiler) matam o vilão por simplesmente não terem a menor ideia do que fazer com ele.
Além disso, há a desconexão maior, que é com os Defensores. Jessica supostamente acabou de enfrentar uma legião de seres imortais e de reencontrar Luke Cage, mas é como se isso nunca tivesse acontecido.
A personagem nem sequer menciona a super-equipe apesar de eles terem literalmente salvado a humanidade há apenas alguns meses. Outro buraco (mas este vale para todo filme Marvel) é como ela fala de estar sozinha e de ninguém poder ajudá-la sendo que ela acabou de salvar o mundo ao lado de outros três super-caras. O vilão é forte demais? Luke e o Punho estão literalmente a um metrô de distância. Os roteiristas precisam de uma desculpa melhor.
Sem contar que um problema recorrente da primeira temporada retorna: os poderes incrivelmente vagos de Jessica. Ela ganha e perde poderes o tempo todo conforme o roteiro precisa. Ela só é super forte ou super rápida quando o roteiro quer que ela seja. Se ela precisar ser fraca, ela apanha igual qualquer um.
Veredito
Apesar de continuar com um ótimo elenco e personagens cativantes, a segunda temporada de Jessica Jones é como tentar escrever uma dissertação com uma ressaca daquelas: na melhor das hipóteses ela sairá confusa e contraditória.
Vale a assistida, mas a queda na qualidade é dolorosa e abrupta. As pretensões Noir e detetivescas do seriado vão pela janela com poucos minutos conforme o péssimo roteiro se desenrola aos trancos e barrancos até sua conclusão ruim e insatisfatória.
Muito material é deixado para a próxima temporada. Cabe a esperança de que no seu terceiro ano a série volte a encontrar o caminho da sobriedade.