Crítica

Lion: reconquistando suas raízes

A história real do homem que encontrou sua família perdida através do Google Earth emociona na tela grande

Lugar. Identidade. Pertencimento. São palavras pequenas com grandes significados que muitas vezes nos eludem no dia-a-dia comum. Na vida real de Saroo Brierley, protagonista de Lion – Uma Jornada para Casa, isso se tornou uma questão de vida ou morte.

A emocionante história real integra a 10ª mostra O Amor, A Morte e as Paixões. O filme também é indicado a 6 Oscar, incluindo melhor ator e melhor filme.

Em 1986, Saroo se perdeu do seu irmão Guddu em uma estação de trens na Índia. Preso em um vagão, ele rodou por dois dias até chegar à Calcutá. Por lá, se tornou um menino de rua de apenas cinco anos, tendo que lutar para sobreviver até ir parar em um orfanato.

No orfanato, sua vida mudou após ser adotado pelo casal Brierley, dois australianos. Décadas se passaram até Saroo finalmente encontrar sua antiga casa, usando uma ferramenta trivial de rastreamento: o programa Google Earth.

O roteiro é baseado em um livro que o próprio Saroo escreveu, desde quando se perdeu do irmão aos cinco anos até seu reencontro com a família em 2012.

A direção é feita com proeza pelo estreante Garth Davis na hora de contar essa história incrível. Davis não perde seu foco e só deixa a coisa descambar para o mais emocional no final, uma boa escolha e que dá certo, coincidindo com o clímax da história.

Dev Patel de Skins e Quem Quer Ser um Milionário? dá vida à Saroo com fidelidade. Ao interpretar alguém da sua idade, Patel consegue entregar um desempenho de alto calibre que gera grande empatia no público, mesmo sem conhecermos Saroo realmente.

Dev Patel dá vida à Saroo na idade adulta (Divulgação)

Esta empatia gerada por Patel é que nos permite compreender a motivação de Saroo. Afinal, 25 anos depois, ele é um jovem australiano rico e cercado por privilégio e tudo que há de bom. Por que remoer o passado?

Pelo filme fica claro que as questões não atormentaram Saroo até a idade adulta, pelo menos não com tanta intensidade. Na faculdade, ele conhece um grupo de estudantes indianos e fica chocado ao descobrir que não possui nada em comum com eles: é indiano apenas por fora, mas não por dentro.

Ele não sabe mais falar hindi ou bengali. Ele não sabe comer com a mão. Ele não conhece a culinária, as roupas, os costumes, nem sequer a cultura pop de seus conterrâneos. O filme faz um bom trabalho ao mostrar este vazio que Saroo encontra de repente: de ser um indiano que não é indiano.

Ele então passa a ser atormentado por estas questões de pertencimento e de quem ele realmente é, o que por sua vez o faz se lembrar e se preocupar com sua mãe e irmão. Afinal de contas, 25 anos é muito tempo. São questões tão profundas que o jovem passa quase cinco anos em busca de suas raízes.

No fim, Lion acaba sendo uma versão muito complexa e real do que os americanos chamam de ‘coming of age‘. Um conto sobre amadurecer e se encontrar. Estas histórias tendem a ser incríveis e inspiradoras, e para Saroo não é diferente.

Para encerrar, vale destacar que em um filme com a estrela de Nicole Kidman, quem brilha é o estreante: o ator mirim Sunny Pawar é, fácil-fácil, a melhor coisa do filme. Pawar dá vida à Saroo ainda na Índia, interpretando alguns dos meses mais difíceis na vida dele.

E Pawar é incrível. Além de ser uma criança adorável, ele entrega todas as cenas, muitas delas tensas, com perfeição. O garoto é uma verdadeira revelação.