Crítica

Miley Cyrus é a roqueira intensa que sempre quis ser em ‘Plastic Hearts’

Novo disco da cantora flerta com rock das décadas de 1970, 1980 e 1990 e cantora realiza sonho de cantar ao lado de ídolos

Capa do disco Plastic Hearts da cantora Miley Cyrus

Miley Cyrus nunca escondeu que curte um bom e velho rock. Desde os tempos de Hannah Montana, a cantora sempre falou que ouve Pat Benatar, Nirvana e Joan Jett e chegou a fazer alguns covers destes artistas. Em Plastic Hearts, disco lançado nesta sexta-feira (27), ela dá corda à esta voz interior e se transforma na roqueira que sempre quis ser.

Plastic Hearts é o sétimo álbum de estúdio da cantora – excluindo aqueles com ligação a Hannah Montana. É uma longa estrada para uma artista tão jovem, com seus recém-completados 28 anos. Em cada um destes projetos, Cyrus explorou um gênero musical diferente – pop, country, rock psicodélico (!), hip hop (!!) -, entrando de cabeça na personagem.

Aqui, não é exceção. A diferença é que, com o rock de Plastic Hearts, esta Camaleoa do Pop parece muito mais confortável e autêntica. E isso faz toda a diferença no produto final.

Não sei, só sei que foi assim

Antes de falarmos sobre o álbum em si, é importante falarmos sobre o contexto em que ele nasceu. O projeto não seria este. A princípio, a ideia era dividir um disco, She Is Miley Cyrus, em três EPs.

O vazamento de mais da metade das canções do disco, um divórcio com o ator Liam Hemsworth, a pandemia, uma cirurgia nas cordas vocais e um incêndio que destruiu toda a casa de Miley na Califórnia mudaram o curso da história.

Foi então que o projeto mudou para Plastic Hearts, um disco de pop-rock retrô, com forte influência das décadas de 1970 e 1980. As angústias, a culpa, a liberdade, o autoconhecimento e até mesmo a posição política da cantora. Tudo isso foi refletido de certa forma nas 13 faixas do álbum.

(a versão deluxe do disco contém um remix com Stevie Nicksum cover de Blondie e uma versão incrível de Zombie, dos The Cramberries)

O caminho entre o término e a redenção

Entre a agressiva WTF Do I Know e a politizada Golden G String, abertura e fechamento do disco, respectivamente, o caminho é bem mais tortuoso do que aparenta. É como se fosse a jornada de Miley entre o fim e um novo recomeço.

Ela começa orgulhosa demais. “Estou errada por superar e não sentir sua falta? / Achei que seria você até o fim, mas segui em frente”, canta Cyrus na faixa de abertura. Também se garante reafirmando a própria personalidade e dizendo que não vai mudar na canção-título do disco. É o famoso “eu sou assim, você que lute”.

Mas esta pose não dura para sempre. A cantora também mostra que pode ser vulnerável e que sente um pouco de culpa por ser assim. Em Never Be Me, por exemplo. Uma baladinha retrô (com diversas referências a Johnny Cash na letra) sobre ela aceitar que não é a pessoa mais estável do mundo e não querer que isso machuque a pessoa amada.

Também há vislumbres deste sentimento em Angels Like You (“Não é sua culpa eu arruinar tudo […] Amor, anjos como você não podem voar pelo inferno comigo / Sou tudo aquilo que disseram que eu seria).

A parte mais carnal e livre de Cyrus ficou por conta de Prisoner (uma parceria incrível com Dua Lipa), Bad Karma (a realização do sonho de Miley: um feat com uma das grandes rainhas do rock, Joan Jett), Gimme What I Want e a já conhecida Midnight Sky.

Também tem a saudade, em faixas como High – sobre ainda sentir falta da pessoa amada – e Hate Me. Nesta última há vislumbres da luta por sobriedade pela qual Cyrus tem passado no último ano. A canção alimenta boatos de que o ex-marido da cantora a censurava quando ela usava substâncias lícitas e ilícitas. “Uma bebida e eu volto para aquele lugar / As memórias não desaparecem”, canta.

O disco fecha com Golden G String, um rock à la country sobre política, tempos da Disney e redenção; sobre como falaram para que a cantora reprimisse os desejos e as vontades e como ela trabalhou em cima disso para o autoconhecimento.

Mas e aí? É bom?

Bom demais! Quando Midnight SkyPrisoner foram divulgadas, ficou no imaginário popular que o disco seria uma reprodução do repertório de artistas como Blondie, The Runaways (principalmente pela admiração de Cyrus por Joan Jett) ou mesmo Alanis Morissette. Mas a cantora foi além e usou estas canções apenas como referência, traçando um caminho próprio.

As parcerias com os veteranos provam isso. Bad Karma poderia estar em uma setlist de Joan Jett, mas ainda sim vemos muito de Miley na faixa. O mesmo acontece na faixa com Billy IdolNight Crawling – praticamente White Wedding repaginada.

A produção musical de Mark Ronson (ganhador do Oscar por Shallow, de Lady Gaga e Bradley Cooper) e Andrew Watt (que tem no currículo trabalhos com Ozzy Osbourne e Travis Scott) foi certeira. O único pecado, talvez, tenha sido o uso de bateria eletrônica principalmente nas faixas mais energéticas e com mais guitarra. Uma bateria manual faria toda a diferença e daria mais alma ao produto.

Miley Cyrus sabe, como poucos artistas, se reinventar muito bem e dar tudo de si em cada era. Em Plastic Hearts, a popstar usou tudo que tinha à própria volta (coisas boas ou não) e colocou sentimento em cada vírgula e cada acorde de guitarra.

O resultado é real e cru. Como rock deve ser.

Ouça Plastic Hearts, novo disco de Miley Cyrus: