Caixa Djavan compila 18 álbuns da carreira do compositor
Recém-lançada caixa da Sony Music reúne 18 álbuns do cantor e compositor, de 1976 a 2010
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“Olhar para trás após uma longa caminhada pode fazer perder a noção da distância que percorremos”, escreveu Guimarães Rosa. Com quase 40 anos de carreira, Djavan sempre foi de mirar o presente e o futuro, nunca o passado.
Com tantos trabalhos sequenciais, não havia tempo para (re) ouvir a antiga obra – nem mensurar distâncias. Mas, com o surgimento de um projeto que abarcaria toda sua discografia, o músico alagoano encontrou um motivo para isso, desde o primeiro disco, A Voz, O Violão, A Música de Djavan, de 1976, até Ária, de 2010.
Dessa retomada, nasce agora a Caixa Djavan, que reúne 18 álbuns de carreira e dois discos extras – um de raridades, com músicas que entraram em projetos especiais, e outro com canções que gravou em inglês e espanhol, lançadas exclusivamente no exterior e até então inéditas por aqui. Todos eles com os áudios originais remasterizados. Rua dos Amores, de 2012, ficou de fora por ser seu mais recente álbum – que originou também CD e DVD ao vivo, lançados este ano.
Com supervisão criteriosa do próprio mentor da obra, o box retrospectivo traz ainda encarte com fotos, capas e informações gerais dos discos, letras das músicas e uma pequena introdução escrita por Djavan pincelando histórias da própria trajetória.
Nesse olhar para trás, Djavan, aos 65 anos, reativou lembranças e emoções adormecidas. “Pensei que seria muito difícil ter de ouvir todo o trabalho. E eu tinha de fazê-lo, uma vez que eu é quem iria remasterizar todo ele”, conta o músico, em entrevista ao Estado. Decidiu ouvir os discos em ordem cronológica, a partir da primeira música do primeiro álbum.
“Tenho uma memória afetiva muito aguçada. A cada música, eu lembrava de tudo, das pessoas que participaram, dos acontecimentos envolvendo aquele período. Foi uma audição que mexeu muito comigo, é como se eu tivesse visto o filme de toda minha vida relativa ao trabalho, desde 76. Foi uma audição que me causou muitas sensações distintas, mas foi muito bom.”
No retorno ao início de tudo, Djavan lembra da época da gravação do álbum de estreia, A Voz, O Violão, A Música de Djavan. E de seu primeiro produtor, Aloysio de Oliveira, que fez parte do Bando da Lua (que acompanhou Carmen Miranda) e é descrito por Djavan como “um grande compositor, um grande letrista”.
Então promissor compositor, Djavan lhe entregou 60 canções suas para que ele chegasse a 12. O produtor fez suas escolhas, o que incluiu oito sambas, o que causou espanto em Djavan. Ele bem que pensou em contestar – afinal, sempre teve grande dificuldade de fazer o que não queria -, mas, daquela vez, achou melhor não contrariar. “Tive medo de discutir com ele, porque pensei: ‘Sendo quem é, se ele estiver certo? Acho que estou errado de querer mostrar essa diversidade toda no primeiro trabalho’. Com o tempo, descobri que ele viu essa diversidade nesses sambas.” Fora um disco totalmente autoral, de onde saíram sucessos Flor de Lis. “O João Araújo, presidente da Som Livre e meu tutor, digamos, foi quem chamou o Aloysio, e, nesse começo, eles viram que era o compositor que queriam mostrar essencialmente.”
Internacional
Mais tarde, com o disco Luz, de 1982, pela CBS (atual Sony), Djavan teve a oportunidade realizar um velho sonho, que era o de gravar nos Estados Unidos. Mas suas ambições não contemplavam morar por lá, como chegou a ser proposto pelo presidente da gravadora, Tomás Muñoz. A mudança de país, claro, ampliaria suas chances de usar o mercado americano como trampolim para o mundo. Mas, apesar de tentador, o músico acabou declinando do convite. A decisão final não foi fácil, mas, para ele, olhando para trás, foi a mais acertada. “Eu não podia perder a essência cultural do Brasil.”
Na época, ponderou prós e contras: “Se eu for aos Estados Unidos vou me tornar um artista praticamente americano. Vou gravar em inglês, compor em inglês. Sei que minha caminhada ao mercado internacional vai ser muito facilitada, mas, ao mesmo tempo, não sei se vou curtir uma mudança tão radical na minha maneira de pensar música”. Os contras fizeram com que ele ficasse no Brasil. Mas as coisas não eram tão nítidas assim para o músico como se mostram hoje. “Fiquei com muito medo de estar jogando fora uma oportunidade única”, confessa ele. “Eu, muito jovenzinho, tendo de resolver uma parada como essa, foi muito sofrido.”
Com o tempo, a carreira internacional foi pavimentada por outra estrada: a do artista brasileiro que leva suas turnês para outros países. Com impacto menor, mas ainda assim com impacto. As canções em espanhol e inglês para estrangeiro ouvir compiladas em um disco especial na Caixa Djavan, como Mi Buen Querer (Meu Bem Querer) e Bird of Paradise (Navio) são prova disso.
No final das contas, Luz lhe trouxe mais bônus do qualquer outra coisa. Recheado de clássicos, teve produção do americano Ronnie Foster, admirador do trabalho de Djavan, e participação de luxo de Stevie Wonder na gaita em Samurai. “O Stevie Wonder tem uma brasilidade na música dele muito marcante. Ele ouviu muito música brasileira e ele encontrou em mim um músico com uma veia com a qual ele se identificava.” Bem-sucedido, o disco vendeu 500 mil exemplares, marca só ultrapassada pelos mais de 2 milhões de cópias de Djavan Ao Vivo, de 1999.
Para Djavan, aliás, o sucesso desse trabalho ao vivo foi inesperado. “Eu não estava com o menor interesse de fazê-lo, porque estou sempre contando com meu trabalho para me divertir, e eu achava que não me divertiria nada fazendo o que já estava feito, que aquilo apenas atenderia ao mercado.” Após relutar, foi convencido pela Sony. “Aí me envolvi, acabei gostando muito de ter feito esse disco.”
Dedicado ao projeto desde o começo de 2013, com olhos e ouvidos em alerta para possíveis correções – mas sem interferir na originalidade da obra, como o som ‘granulado’ dos primeiros discos -, Djavan encontrou uma segunda chance para remixar integralmente o álbum Matizes, de 2007. Ele conta que, na época da gravação, não saiu dela com a sensação de dever cumprido. “Tive dois ou três engenheiros de som, coisa que nunca tinha acontecido, um que adoeceu, outro teve um problema. As coisas foram mudando e eu não conseguia dar unidade ou trazer a sonoridade que eu ouvia no meu ouvido, na minha cabeça, que eu queria. Isso me deu um desequilíbrio”, justifica.
Ao olhar para trás, Djavan percebe uma evolução bem aparente de seu trabalho. “Hoje, naturalmente sou um músico melhor, mais completo, tenho controle da música”, analisa. “Sei exatamente como chegar aonde eu quero com mais facilidade.” (As informações são do jornal O Estado de S. Paulo)