Crítica

O bom, o mau e a bela

O sucesso da primeira temporada de Demolidor, adaptação da Netflix do herói da Marvel, foi…

O sucesso da primeira temporada de Demolidor, adaptação da Netflix do herói da Marvel, foi uma surpresa. Foi tão boa que ela logo foi colocada entre as melhores do ano passado e deixou as expectativas para a vindoura segunda temporada lá em cima. Além disso, anunciar que os novos 13 episódios teriam o Justiceiro e Elektra só serviu para agitar ainda mais os ânimos. Mas e aí, a dobradinha Marvel/Netflix deu conta do recado? Tal qual Britney Spears, sim, eles fizeram de novo. Na verdade, fizeram melhor. Se você gostou da primeira temporada, provavelmente vai gostar da segunda, embora os novos episódios empurrem o herói e seu contexto em uma direção diferente, o que pode vir a ser problemático para alguns fãs.

 

A temporada começa com um tom levemente animado que fica muito sombrio bem rápido. Matt Murdock (Charlie Cox), Foggy Nelson (Elden Henson) e Karen Page (Deborah Ann Woll) estão colhendo os poucos louros da fama após colocaram o Rei do Crime, Wilson Fisk (Vincent D’Onofrio), na cadeia. As coisas ficam muito ruins muito rápido quando Frank Castle entra em cima. Vivido por Jon Bernthal, a série não enrola para revelar a cara do Justiceiro, quem ele é e o que ele faz. Na verdade, logo no primeiro episódio ele e o herói já trocam golpes, sem muito mistério e direto ao ponto.

 

Nos primeiros episódios, alguns fãs podem estranhar a série. O roteiro parece ter sido transplantado direto de uma HQ dos anos 1980. E isso não é uma coisa boa. Mas não se deixe enganar: logo a trama fica tão complexa que é difícil acompanhar a quantidade de perguntas sem resposta que vão simplesmente se empilhando. O mesmo vale para o Justiceiro. Inicialmente, o personagem parece mal aproveitado e que logo vai cometer os mesmos erros de adaptações passadas. Nos três filmes próprios que o personagem teve, o Justiceiro mal passava de uma arma ambulante, mas aqui ele tem sentimentos, um passado e, especialmente, um arco narrativo todinho para si. Nunca em uma adaptação alguém deu tanta moral para Frank Castle.

 

O mesmo vale para Elektra. A personagem já é muito caricata nas HQs e ser interpretada por Jennifer Garner em dois filmes horrendos não ajudou em nada. Vivida pela francesa Elodie Yung, a personagem finalmente ganha uma adaptação decente e mais sóbria, bem diferente da versão hipersexualizada de Frank Miller. O que faz ela tão especial? Assim como o Justiceiro, ela tem um arco próprio. Receber a dedicação real dos roteiristas faz maravilhas para ambos os personagens.

 

Os atores se saem muito bem novamente em seus papéis, mas é necessário concordar que Bernthal rouba a cena como o Justiceiro. Não que a performance dele seja brilhante, mas é que pela primeira vez o personagem ganhou uma cara de verdade e isso é mérito do ator e dos roteiristas. Você se importa com Frank Castle, você quer saber o que vai acontecer com ele. Isso é importante, porque embora Elektra tenha mais tempo de tela do que ele, você acaba se preocupando mais com o anti-herói do que com a assassina.

 

Se você achou a primeira temporada sanguinária, talvez não queira ver a segunda. A escala de violência oscila entre Martin Scorsese e Quentin Tarantino. Algumas cenas são simplesmente brutais. Tudo é usado de uma forma muito estética, não é exatamente Jogos Mortais, mas ainda assim, pode incomodar telespectadores mais sensíveis. Junto com os galões de sangue, vem a ação, com coreografias ainda mais impressionantes que as do ano passado. Não existe o plano-sequência inspirado em Old Boy do quarto episódio, mas existem duas cenas similares excelentes, uma no terceiro e outra no nono episódio que são de tirar o fôlego.

Mas é aí que entramos em águas estranhas. Paralelo ao arco do Justiceiro, o Demolidor e Elektra precisam enfrentar outra ameaça: os ninjas místicos do Tentáculo, uma organização milenar e imortal fascinada por brigar na rua com espadas ao invés de usar submetralhadoras como todo mundo. Se você gostou da primeira temporada e do arco do Rei do Crime por ser muito pé no chão e urbano, estas características podem acabar sendo atiradas pra fora da janela conforme você avança nos novos episódios.

Com Elektra e o Tentáculo, a série passa a explorar mais seu lado sobrenatural e suas características mais quadrinísticas: personagens que morrem e voltam, super-poderes e assim por diante. Embora eu acredite que os roteiristas conseguiram amarrar bem duas coisas diferentes em um mesmo bolo (o arco de crime e gangues do Justiceiro com o arco dos ninjas mágicos da Elektra), isso pode não descer bem para alguns fãs e ser até decepcionante.

Um problema disso é que nem mesmo o Demolidor consegue lidar com os dois problemas ao mesmo tempo, e boa parte do arco do Justiceiro acaba sendo explorado por Karen Page, o que foi uma boa saída dos roteiristas, mas que pode não agradar todo mundo. Ao invés disso, ao contrário do material de marketing, o Demônio da Cozinha do Inferno passa a maior parte do tempo com Elektra enfrentando ondas e mais ondas de ninjas.

É um bom arco, mas também cansativo, o que te faz pedir por mais Justiceiro e menos ninjas voadores. Eu nunca pensei que ia dizer isso, mas chega a um ponto em que você não aguenta mais ver uma briga de ninjas. É quase Power Rangers com levas e mais levas de capangas sem rosto apanhando sem sentido como tartarugas preenchendo uma fase de Super Mario Bros. Enquanto Matt Murdock se ocupa com isso, Karen e Frank Castle tentam desvendar uma intriga e uma conspiração, incluindo uma participação muito especial de um personagem da primeira temporada que jura vingança sobre nossos heróis. Eu não sei vocês, mas essa parte me pegou muito mais do que todos os ninjas da série.

Mas enfim, de modo geral, estes são apenas detalhes. A segunda temporada é fantástica, maior e melhor do que a primeira, especialmente em ritmo, fazendo você colar um episódio no outro. A quinada sobrenatural pode incomodar alguns fãs e no fim você acaba querendo saber mais sobre o Justiceiro, mas isso não atrapalha nada. O final chega deixando sem respostas algumas das várias perguntas amontoadas ao longo dos 13 episódios e que podem levar a vários ganchos para o ano que vem. Ou o seguinte, já que agora só devemos ver o Demolidor na minissérie d’Os Defensores. De qualquer forma, vale muito a pena retornar e acompanhar as novas aventuras do Homem Sem Medo.