Crítica

O Nevoeiro: frágil como a neblina

Com uma ótima premissa, o seriado se perde com problemas de roteiro e falhas técnicas

Chegou à Netflix no último dia 25 a primeira temporada completa de O Nevoeiro. O seriado, criado por Christian Torpe, é uma releitura livre do conto de mesmo nome escrito por Stephen King e que virou um filme estrelado por Thomas Jane me 2007.

A trama conta sobre os moradores de uma cidadezinha que são surpreendidos por um nevoeiro repentino e denso. Logo eles descobrem que há algo terrível na névoa e um dia normal acaba se tornando uma luta por sobrevivência.

O bom

A premissa sobrenatural pé na porta de Stephen King está aqui: há névoa, há algo sinistro nela, os personagens terão que lidar com isso. Dessa forma, é fácil, como audiência, saber se você está à bordo com a ideia ou não logo de cara.  Como eu gosto de King e de coisas lovecraftianas em geral, já estava à bordo antes da estreia.

Assim como no conto original, também fica claro rápido que a essência da trama será a mesma: como as pessoas, enjauladas e paranoicas, rapidamente abrem mão da sua humanidade, se entregando à violência do vale tudo para sobreviver.

A série se empenha nesse terror psicológico e dramático, deixando o terror de monstro, muito presente no conto e no filme de 2007, reduzido ao mínimo nesta primeira temporada. A forma como optaram por executar esse drama não foi tão bem executada, mas falaremos disso adiante.

A escolha por dividir os protagonistas em núcleos temáticos e fazer com que suas jornadas convergissem em direção ao final também foi interessante. E foram bons lugares: um shopping, uma igreja e uma delegacia; há muito simbolismo aí, além de uma homenagem clara à George Romero. Interessante também foi ter deixado o supermercado de fora, pelo menos nesta temporada, já que era o cenário original do conto.

O mistério, infelizmente, também ficou em segundo plano, mas é algo que pode ser trabalhado. Nesta temporada o suspense ficou mais ao redor do personagem Jonah, sua falta de memória e à base militar da Ponte de Flecha. Pelo final, há indícios de que a origem do nevoeiro e o envolvimento da Ponta de Flecha terão um papel maior no futuro. Isso seria interessante de ver.

Existem muitos sub-plots na temporada, cada um focado em um grupo de personagens e não vou entrar em detalhes sobre eles. Temos um soldado sem memória que pode estar ligado à névoa; uma viciada que para sobreviver terá que superar seu vício e descobrir a heroína em si mesma; um psicopata estuprador escondido como um lobo em pele de cordeiro; uma mulher pacífica que logo se torna a líder violenta de um culto; um policial babaca que logo deixa sua máscara cair para tentar se tornar uma pessoa melhor. Enfim, há muito com que se trabalhar aqui.

Todos são interessantes à sua maneira, porém não escapam dos problemas que se espalham por toda a série.

O ruim

Lendo os parágrafos acima, O Nevoeiro parece uma série bem sólida, mas na real acaba tão translúcida quanto o seu nome. Isso se deve a uma sequência de problemas de execução que são dificilmente ignorados por uma audiência mais exigente.

O primeiro grande problema é ritmo. Os episódios se arrastam, mesmo sendo apenas 10, e alguns são puro filler. Isso foi uma grande decepção, especialmente porque um passo acelerado era fundamental para manter a série envolvente.

O segundo problema é o roteiro. Mal escrito, ele não faz sentido em alguns momentos e, em várias ocasiões, possui diálogos verdadeiramente terríveis e situações e conversas muito forçadas que quebram completamente a imersão quando você se pega pensando “ninguém nunca conversaria assim”.

O que não ajuda é o elenco. Existem algumas atuações muito ruins em O Nevoeiro e atores que deixam muito a desejar na hora de entregar as suas performances cheias de terror e trauma. O que mais chama atenção negativamente é o protagonista, Kevin Copeland, vivido por Morgan Spector. Esse cara devia ser o Rick de O Nevoeiro e carregar a audiência com ele, mas logo você se vê querendo ele morto.

Damos um desconto: se espera muito desse personagem, pois ele é o único pluridimensional da trama. Infelizmente, Spector não consegue fazer isto e logo Kevin se torna um estorvo.

E o mesmo vale para o resto da família Copeland: Alyssa Sutherland, de Vikings, faz sua esposa, Eve, e Gus Birney sua filha, Alex. Apesar de uma premissa interessante envolvendo as duas, as personagens praticamente não saem do lugar ao longo dos 10 episódios.

Estes problemas de personagem são mais sentidos nos três, mas se estendem para todo o elenco que trabalha com personagens ruins, roteiros ruins e atuações ruins. O resultado é que o público para de se importar como qualquer uma dessas pessoas muito rapidamente. O fulano morreu? Foi tarde.

Por fim temos o terror psicológico. Como disse anteriormente, a premissa é boa, mas mal executada. Fica óbvio muito rapidamente que os produtores não queriam um terror estilo Stephen King, mas que queriam fazer de tudo para se aproximar de The Walking Dead. Os monstros não estão lá fora, nós somos os monstros, sabe? Não deu certo.

Em boa parte, a razão para isso está ligada ao mesmo motivo pelo qual as temporadas iniciais de The Walking Dead são as mais fracas do seriado de zumbi: as pessoas viram loucas varridas e sanguinárias muito rapidamente e por motivações estúpidas; o drama e a tensão logo se dissolvem em melodrama e picuinha, fazendo o conflito parecer a novela das oito e não um filme de terror.

Lembra de como ninguém aguentava mais o Carl e todo mundo queria ver a Lori morta no começo de The Walking Dead assim como não suportávamos mais o Rick sendo um banana e estávamos loucos pra sair da fazenda? É o mesmo sentimento.

O veredito

Parece que O Nevoeiro é mais uma série com muito potencial, mas que sucumbiu sob o peso das próprias expectativas depositadas pelos produtores. Eles quiseram muito e muito rápido, resultando em uma primeira temporada esburacada, incongruente e com problemas técnicos em quase todos os frontes.

Uma renovação para a segunda temporada parece improvável a esta altura já que, segundo o Rotten Tomatoes, a audiência não curtiu nem um pouco, avaliando a série em 42/100. A crítica também não curtiu muito, mas se recuperou perto do final: no site a temporada encerrou em 62/100.

Novamente, o cenário e premissa de O Nevoeiro continuam excelentes além de ter a possibilidade de incluir novos personagens e locais sombrios. Se a série for renovada, fica nossa esperança de que os roteiristas levem as coisas com mais calma e tenham mais foco para executar e aparar as arestas.