Por quê ainda assistimos ao Big Brother Brasil?
Chegando ao fim da 17ª edição do programa, estudiosos do comportamento humano elencam os pontos que ainda nos prendem em cada Paredão
Nesta quinta-feira (13), chega ao fim a 17ª edição do Big Brother Brasil. Desde 2002 a Rede Globo exibe o reality show anualmente (com exceção deste primeiro ano, que teve duas edições). De lá para cá, apesar da considerável queda de audiência, o programa se mostra persistente no cotidiano do brasileiro, tomando conta de noticiários, conversas de bar e textões de Facebook.
Depois de 15 anos, por que ainda assistimos ao BBB? De acordo com a professora Cosette Castro, pós-Doutora em Comunicação e autora do livro “Por quê os Reality Shows Conquistam as Audiências”, o primeiro ponto a ser discutido é que os brothers estrelam uma telenovela da vida real. “São gente como a gente ali, que podem se machucar, sofrer e sorrir”, explica.
Além disso, há o fator de que são pessoas anônimas – não celebridades -, mais próximas da audiência. “Poderiam ser nossos vizinhos ou nossos familiares”, diz ela. “O ser humano é muito curioso, quer sempre saber da vida do outro. Todos nós olhamos pela janela, outros espiam pelo olho mágico. Esse tipo de programa possibilita que façamos isso sem culpa nenhuma”, continua.
Para o psicólogo Ely Carvalho, além da curiosidade, há a identificação. “As pessoas buscam um modelo sem ter um fator crítico”, sublinha. É como se voltássemos à adolescência e procurássemos um ídolo para nos espelhar. Emilly, Marcos e os demais seriam as Britneys, Justins e Selenas da audiência.
A também psicóloga Marina Magalhães reforça a tese, mas explica que a identificação também serve para a maneira como eles se relacionam no confinamento. “É como se fosse um ‘mini-mundo’ de relações e acabamos nos vendo nos participantes”, ressalta. “Por isso as pessoas, ao comentarem, dizem ‘se fosse comigo, eu faria assim’”.
Há ainda a confirmação de uma aparente normalidade, para Cosette Castro. “Ver uma pessoa cutucando o nariz, ou lidando com conflitos de certa maneira, nos faz perceber que não estamos tão distantes da realidade de outras pessoas”, aponta. Outros elementos que reforçam a teoria são usar expressões similares, ouvir e dançar as mesmas músicas e até mesmo ter certos hábitos.
Extravasando sentimentos
Ainda segundo ela, uma forte ligação subjetiva do público com o Big Brother, é “assassinar” simbolicamente um sentimento. “Você não pode matar ninguém aqui fora, mas quando você vota para eliminar alguém no Paredão é uma maneira inconsciente de eliminar uma raiva contida”, sublinha.
O que acontece dentro da casa é um reflexo do que acontece nas casas do Brasil. Isso o próprio apresentador do reality, Tiago Leifert, reforça em todos os episódios. Como exemplo prático, Cosette cita a agressão de Marcos a Emilly. “Há quantos séculos, na sociedade, a violência doméstica era varrida para debaixo do tapete? Na sociedade atual, com o empoderamento feminino e a recente denúncia ao ator José Mayer, a identificação e a raiva contida em relação aos maus tratos à mulher culminaram”, continua.
As hashtags de apoio a Emilly, bem como os relatos de vivência de um relacionamento abusivo que surgiram depois da expulsão de Marcos da casa são reflexo deste fenômeno social, segundo a pós-Doutora. “As pessoas jogaram no participante a raiva que poderia estar dentro das suas próprias casas, pois viram alguma cena similar dentro de seu ambiente familiar e ficaram com isso marcado, por exemplo”, frisa.
É manipulado?
Ely pontua que outra corrente metafórica da audiência é a edição feita para cada episódio do reality show. Segundo ele, até mesmo pelo estilo de vida da sociedade moderna – corrida e efêmera – é mais fácil acreditar no que já está pronto e mastigado do que ir atrás das próprias conclusões. Há ainda a superexposição e o excesso de publicidade em cima do programa.
Cosette reforça que, diferente do que é mostrado no pay-per-view, o Big Brother transmitido na rede aberta passa por um certo tratamento. “Há um editor de imagem, trilha musical, certos estímulos da produção para formar casais e aumentar a simpatia ou a antipatia popular”, garante. Então, a maneira como o programa é colocado para a audiência, de maneira dramatizada e ligeiramente roteirizada, também pode ser uma influência a mais na sua popularidade.
Mas e as pessoas lá dentro?
Do lado de cá os telespectadores desta novela de “gente como a gente” passam por este caldeirão de comportamentos borbulhando: curiosidade, identificação, válvulas de escape, manipulação da informação. Do lado de lá, todavia, os personagens da “atração” também passam por uma série de mudanças comportamentais.
A troca brusca de habitat, para Ely, é um dos principais fatores para a mudança de comportamento dos brothers. “Essas pessoas saem de seu contexto natural e são colocadas em confinamento; saem de seu estado psíquico ‘normal’ e são forçadas a viver uma outra realidade”, explica. Marina sublinha o mesmo, mas acredita que apenas essa mudança de locação não faria todo o trabalho com os sentimentos dos brothers.
“Há pessoas que facilmente se adaptam a novas experiências, novos lugares e novas pessoas”, analisa. Segundo a psicóloga, a falta de atividades e a obrigatoriedade de relações pessoais também colocam os sentimentos à flor da pele. “Ali, você está o tempo todo sendo obrigado a se relacionar com outras pessoas”, explica.
Marina e Ely concordam em outro ponto: a pressão de os brothers estarem em uma competição o tempo todo. “Ao sair do útero, o bebê já aprende a ser competitivo. Ele sabe que, para ganhar alimento, deve agir de certa forma, por exemplo”, diz ele.
E, como sabemos, “é impossível controlar os sentimentos”, salienta Cosette. Uma lupa é colocada no coração dos competidores e, algo que incomodaria pouco, passa a incomodar muito. “Na casa, não há como espairecer, nem como fugir dos conflitos”, diz.
As máscaras vão cair
Cosette pontua ainda que os participantes criam personagens de si mesmos antes de entrarem na casa. Definem se querem ser vistos com bons, maus, sagazes, ativos ou preguiçosos. Entretanto, à medida que a competição se arrasta, eles não conseguem suportar suas poses por muito tempo. “A pressão de estarem sendo observados o tempo todo, sem nenhum descanso, faz com que eles percam o autocontrole”, diz.
Segundo ela, todos começam contidos nas festas, querendo mostrar seu melhor lado às pessoas. Mas, depois de um tempo, eles têm que lidar com os sentimentos que ficaram ocultos. “Ser bonzinho é muito fácil. A parte sombria de nós mesmos é a mais difícil”, finaliza.