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Porta dos Fundos troca Jesus por Papai Noel em especial de Natal sanguinolento

Tradição natalina deixa de lado a religião e investe no terror

Luz, câmera, ação. Mais um take de uma das primeiras cenas do especial de Natal do Porta dos Fundos, que mostra a chegada de uma trupe de amigos que odeia a data a uma casa de campo, onde pretendem se isolar durante o período.

Conversa vai, conversa vem, cada qual dos presentes se lembra dos horrores dos natais passados. Desde a uva passa até as brincadeirinhas dos primos. Corta!

“Será que essa piada não vai levar a um novo cancelamento?”, pergunta o diretor Rodrigo Van Der Put, ganhador do Emmy . Após analisar a cena algumas vezes, a piada fica.

Terminadas as filmagens matutinas, o diretor explica sua tensão. “Me preocupo com uma interpretação que possa causar ruído [por parte do público]. Sofri muito.”

O sofrimento é em referência ao atentado à sede da produtora em dezembro de 2019, ano do especial “A Primeira Tentação de Cristo”. Exibido pela Netflix, o filme conta a história de um regresso de Jesus Cristo, papel de Gregorio Duvivier, para seu aniversário de 30 anos após 40 dias no deserto, levando para a casa dos pais, José e Maria, um suposto namorado, interpretado por Fábio Porchat.

O filme sobre o Jesus gay os levou também a ser processados pelo Centro Dom Bosco, grupo de radicais católicos de extrema direita que tem a atriz Cássia Kis como espécie de garota-propaganda que pediu a retirada do filme do ar. A decisão foi revertida pelo STF.

À época, Van Der Put chegou a ficar um período fora do país. O Porta dos Fundos e a Netflix sofreram outras ações do Centro Dom Bosco, mas acabaram vitoriosos. O economista Eduardo Fauzi, acusado de participar do atentado, passou um tempo foragido e foi preso em março deste ano. Apesar de todo sofrimento, o diretor afirma não se censurar. “O importante é estar engraçado.”

Em “O Espírito do Natal”, o especial de 2022 —o segundo a ser exibido pela Paramount+— o grupo deixa de lado a blague religiosa, mas nega, no entanto, que a decisão tenha sido tomada em decorrência desses eventos do passado.

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Segundo Porchat, o grupo continua fazendo esse tipo de humor no YouTube. Mas quis inovar no especial. “A gente nunca tinha feito nada com o Papai Noel. Por que não matar o Papai Noel?”, diz o ator, que assina o roteiro com Jhonatan Marques. Não se deve, porém, confundir realidade e ficção. “Adoro o Natal“, diz ele.

O novo filme da trupe humorística, que completa dez anos em 2022, não só deixa de lado a sátira, como também o humor em boa parte do conteúdo. Como fazem cineastas como Alfred Hitchcock, o filme parte da comédia para se tornar paulatinamente uma história de terror.

Não é uma alegoria dos filmes do gênero. “Esse aqui tem que ser um filme que causa medo. As mortes são bem violentas”, diz o diretor, que se inspirou não no mestre do suspense, mas em clássicos do terror, como “Sexta-Feira 13”.

Mas não há nenhum objetivo de fazer uma metáfora em relação ao Brasil. Ao menos não de maneira consciente. O filme é tão ficcional quanto os da velha Hollywood, com o cenário criado todo em estúdio —a reconstituição de uma casa de campo, com móveis de madeira, penteadeira e beliches— e quase todas as locações internas.

Tudo começa quando essa trupe de amigos, reunida em uma casinha na serra para fugir do Natal, tem seu exílio voluntário interrompido pela chegada do Papai Noel, que acaba assassinado. A partir daí, uma série de personagens natalinos surgem em versões horrendas para se vingar. De duendes à Mamãe Noel.

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Na trama, Porchat e Antonio Tabet interpretam um casal de namorados. O personagem de Tabet abre a geladeira e sente um profundo alívio ao ver tudo vazio, sem nenhuma comida natalina. Já o de Porchat viu o pai e a tia se agarrando num Natal. “Essa história é boa”, o personagem diz.

O elenco é formado ainda por Orã Figueiredo, que interpreta o Papai Noel, e Sura Berditchevsky, que faz o papel da mulher assassina do —nem tão— bom velhinho. E há Raphael Logam, Thati Lopes, Evelyn Castro e Rafael Portugal —cujo personagem entra em cena carregando lenha. Nos bastidores, o humorista fez piada com a situação. “Estou cheio de farpa. Cinema nacional”, disse, inspirando risadas dos colegas.