Crítica

Preacher: o diabo com senso de humor

Todos os fãs ficaram receosos quando uma série baseada em Preacher, quadrinho escrito por Garth…

Todos os fãs ficaram receosos quando uma série baseada em Preacher, quadrinho escrito por Garth Ennis e ilustrado por Steve Dillon, foi anunciado. O programa ia ganhar corpo na AMC, canal que descobriu uma mina de ouro sem fim em The Walking Dead e resolveu cavar mais fundo no criativo mundo das HQs adultas.

O que poderia ser recebido com alegria logo virou receio quando outra série de quadrinhos cult extremamente popular, Hellblazer, estrelada pelo britânico fanfarrão John Constantine, rendeu uma das piores séries do ano.

Detestada por fãs e por leigos, a série acabou cancelada antes da metade da temporada. Conforme o tempo passava, o mesmo destino sinistro parecia estar reservado para Preacher. O programa seria adaptado por Evan Goldberg e Seth Rogen, parceiros conhecidos por fazer comédias besteirol, como Superbad, Vizinhos e É o Fim.

Depois, foram escalados para os três papéis principais atores que não batiam com as características físicas de suas contrapartes desenhadas. Por fim, os produtores anunciaram que a primeira temporada seria 100% original e que a trama das HQs só iria começar em uma possível segunda temporada.

Ou seja, todas as sirenes vermelhas estavam acesas e a internet estava pronta para odiar esta série antes mesmo de sua estreia. A boa notícia é que estávamos todos muito, muito enganados.

A verdade é que, se não fosse pelo sucesso esmagador de Stranger Things, Preacher provavelmente seria a maior estreia do ano. Com dez episódios, a primeira temporada monta e amarra bem seu enredo principal, deixa a quantidade certa de cliffhangers e ainda cumpre o seu principal papel que era apresentar para o grande público nossos heróis Jesse Custer, Tulipa e Cassidy.

A HQ que deu origem à série correu de 1995 a 2000 e teve exatas 66 edições – ao contrário de The Walking Dead, sem planos de acabar – e conta a história do pastor texano Jesse Custer.

A vida dele muda quando ele é possuído pela entidade Gênesis, ou A Voz de Deus, que lhe confere o poder de fazer qualquer coisa obedecê-lo. Ele então se junta à sua ex-namorada Tulipa e ao vampiro irlandês Cassidy e ambos saem em busca de Deus.

A série começa um pouco antes disso. Jesse é possuído pela entidade, mas permanece em sua cidade natal de Annville enquanto tenta usar seu poder – ou maldição – para melhorá-la.

Toda a temporada é sustentada por dois pontos fortes inabaláveis: o roteiro e seu elenco. São dez episódios muito bem escritos e o humor de Rogen e Goldberg é muito bem-vindo.

A série é brutal, hiperviolenta e profundamente perturbadora, mas o humor faz com que ela não tenha um tom sério ou sisudo como, digamos, Breaking Bad. Ao invés disso, toda a parte difícil de engolir é acompanhada por uma merecida dose de puro nonsense e algumas piadas-corrente bobas que são sem sentido, mas muito legais (observe a relação entre os dois mascotes da cidade).

O roteiro não apenas monta uma boa história, mas faz referências geniais ao que está por vir nos quadrinhos e dá indícios e pistas muito bem construídos ao longo de cada episódio. O resultado é que ao final você já tem uma imagem bem clara montada na sua cabeça sobre Annville, seus moradores e os protagonistas.

Mas nada disso daria certo se não fosse o fantástico elenco. Dominic Cooper, Ruth Negga e Joseph Gilgun são, respectivamente, Jesse, Tulipa e Cassidy. Os três são perfeitos para o papel. O desempenho dos atores é tão bom que consegue tornar crível muitas das bizarrices que acontecem ao longo da temporada.

Negga e Cooper, inclusive, fizeram marido e mulher em Warcraft, ambos com um desempenho pífio, canastrão e constrangedor. Existe um Grand Canyon entre a atuação dos dois naquele filme de fantasia e neste seriado. Ambos conseguem, inclusive, serem personagens muito mais gostáveis na série do que nas HQs.

Isso provavelmente é, outra vez, mérito de Goldberg e Rogen que conseguiram cortar parte da acidez nauseante dos trabalhos de Ennis. Já Gilgun conseguiu tornar o personagem favorito dos fãs e alívio cômico das HQs, o vampiro Cassidy, em um dos pontos altos da série. O ator era quem tinha a maior responsabilidade e expectativa dos três e conseguiu se sair bem.

O mesmo vale para o elenco de apoio. Graham MacTavish faz apenas uma participação – provavelmente maior nas próximas temporadas -e que fica na medida certa para provocar fãs e recém-chegados. Lucy Griffiths está excelente como a mãe solteira e estressada Emily e Derek Wilson faz um ótimo capanga burro em Donnie.

Dos coadjuvantes, os maiores destaques são, de longe, Jackie Earle Haley, como o maníaco Odin Quincannon, detestável e igualmente fascinante. Já o jovem Ian Coletti também aguenta a bronca de conseguir ser simpático e perturbador como Eugene Arseface, outro personagem favorito entre os fãs.

Enfim, Preacher teve uma primeira temporada incrível. Seu maior problema é, talvez, o seu próprio conteúdo. Embora ainda não seja tão perturbadora quanto sua contraparte impressa, ela vai chegar lá. Se você se choca facilmente ou é muito religioso, esta série não é pra você.

 

Senão, se prepare e aproveite: são 10 episódios de pura diversão – e algumas execuções sangrentas.