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Rosalía exibe seu potencial em SP com declaração a Elis Regina e palco minimalista

Uma legião de fãs berrava “Motomami”, nome do mais recente disco da cantora Rosalía, conforme ela apresentava a…

Uma legião de fãs berrava “Motomami”, nome do mais recente disco da cantora Rosalía, conforme ela apresentava a faixa-título do álbum em São Paulo, montada numa espécie de motocicleta humana, performada por seus dançarinos. Muito aguardada pelo público brasileiro, a espanhola fez sua apresentação de estreia no país no Espaço Unimed, na noite desta segunda-feira, em um show à altura da devoção à artista.

Para se ter uma ideia, a proibição da entrada do público com capacetes na casa foi motivo de polêmica horas antes do show. Os fãs brasileiros de Rosalía queriam honrar o universo imagético criado pela cantora este ano, quando subiu alguns degraus em importância no mundo pop ao lançar o álbum que hoje é também sua alcunha.

Foi um show que teve um pouco de tudo —choro, dança, frases em português, declaração a Elis Regina, citação a pão de queijo e diversos presentes da plateia. Além de, claro, performances vocais tecnicamente impecáveis que são apenas um dos atrativos de uma apresentação que faz jus à aura provocadora e multicultural de sua protagonista.

Logo de cara, ela emendou faixas de “Motomami”, como “Saoko”, “Candy”, “Bizcochito” e “La Fama”, celebradas com euforia pelo público. Foi quando ela pegou a guitarra para cantar o single “Dolerme”, de 2020, não sem antes saudar os brasileiros.

“Estou muito feliz de estar aqui. É a primeira vez que estou no Brasil. Obrigada por me dar tanto amor. A ‘motomami’ fala português”, disse Rosalía, sem poupar o português.

Ela continuou falando, se declarando a Elis Regina. “Eu amo Elis Regina. Amo ela. É uma inspiração para mim. Me lembro de ‘ Águas de Março’, em Barcelona, eu cantava [essa música]. É a minha música favorita.”
Rosalía então puxou, a capella, um trecho da canção composta por Tom Jobim. Em seguida, cantou um pedaço de “Você Vai Ver”, outra faixa de Jobim, esta gravada por Miúcha.

No palco, Rosalía não é acompanhada por uma banda, apenas um DJ. Seu palco é minimalista, com um telão estreito logo atrás da cantora, e uma pessoa andando em meio aos dançarinos, filmando com uma riqueza de detalhes o que acontece.

É possível dizer até que a banda de Rosalía são seus dançarinos, que vão muito além do passinho de TikTok e acompanham as performances como se fizessem parte delas —em alguns momentos, eles também filmaram o que acontecia no palco, assim como a própria cantora.

O repertório foi baseado em “Motomami”, com algumas faixas de outras fases de sua carreira e também trechos, quase citações, de clássicos do reggaeton, como “Perdóname”, do duo panamenho La Factoria, de 2006, e “Gasolina”, hit do porto-riquenho Daddy Yankee, de 2004.

O ritmo latino é uma das bases da estética de Rosalía, o que ao mesmo tempo lhe confere frescor e apelo junto do público latino, além de colocar a estrela na mira de quem a acusa de apropriação cultural.

Independentemente das discussões éticas, Rosalía injeta o reggaeton em faixas que bebem das produções de rap de Kanye West até o flamenco, gênero espanhol da qual é especialista e iniciou sua carreira.

Ao cantar “De Plata”, de seu primeiro álbum –”Los Ángeles”, de 2017, dedicado ao flamenco–, ela se emocionou e chegou a chorar. Também se comoveu com os presentes que recebeu do público brasileiro, incluindo bandeiras, um chapéu e um boné, elogiados por ela pela criatividade com que foram feitos.

Ela falou com um fã de nome Luis, quem ela chamou de “motopapi”, disse que pintou as unhas de verde em homenagem ao país e disse que, “se Deus quiser”, em português mesmo, volta em breve a cantar no Brasil.

Passeando pelas faixas de “Motomami” e algumas de “El Mal Querer” –disco de 2018 que a alçou à fama mundial–, ela vai da delicadeza à euforia naturalmente, em questão de segundos. Foi assim a sequência com a balada “G3 N15” e a dançante, puxada pelo grave, “Linda”.

Quando puxou “Abcdefg”, de “Motomami”, em que faz uma espécie de abecedário da Xuxa, o público prontamente respondeu a espanhola, mas modificando algumas partes. “F”, por exemplo, virou “fora, Bolsonaro” para alguns; “P”, segundo a cantora, era de pão de queijo, e “S” de São Paulo.

Entre outros acenos aos brasileiros, Rosalía ainda colocou o microfone na boca da plateia em “La Noche de Anoche”, parceria dela com Bad Bunny, e disse “abafa” depois de um verso que fala “sempre que me coloca à frente desta puta”, da balada “Hentai” —que ela cantou tocando piano. Não faltou Brasil no palco da europeia.

Ela cantou o single recente Despechá“, sua versão do bolero “Delirio de Grandeza” e o reggaeton “Con Altura”, parceria com J Balvin, antes da sequência final —com “Chicken Teriyaki”, “Sakura” e “CUUUUuuuuuute”, todas de “Motomami”. Um de seus dançarinos, o carioca Eddy Soares, ainda levou o público aos gritos, fazendo um “L”, provavelmente em referência ao ex-presidente Lula.

Foi um show que quebrou alguns paradigmas, como o de que artistas que cantam em espanhol não fazem sucesso no Brasil –porque o público cantou com ela do começo ao fim. Também de que não é possível ser tecnicamente imponente sem instrumentistas —a técnica estava lá, nos dançarinos e na voz potente da cantora. Uma estreia de gala, à altura da potência e frescor de Rosalía, uma estrela em franca ascensão.