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Roteiristas revelam como o coronavírus vai impactar séries médicas

Nunca faltaram dramas humanos nas séries médicas. Mas a crise do coronavírus tem feito com…

Nunca faltaram dramas humanos nas séries médicas. Mas a crise do coronavírus tem feito com que roteiristas em quarentena repensem suas tramas para representar este “novo normal” na ficção. É o desafio que se impôs ao roteirista David Renaud, de “The good doctor”, sucesso da americana ABC exibido no Brasil pelo Globoplay, e a Lucas Paraizo, redator-final de “Sob pressão”, da Globo.

Os dois participam nesta segunda-feira, às 14h, de painel no Rio2C @LIVE, conferência virtual que reúne mais de 100 palestrantes de áreas como audiovisual, música e inovação até a próxima sexta-feira.

— Uma parte minha pensa que será como o fim de uma guerra — conta, por telefone, de sua casa na Califórnia, David Renaud — É sempre uma aposta, mas acho que as pessoas vão querer rir, fugir da dor depois de tanto drama — especula o roteirista sobre o panorama da TV pós-pandemia.

Renaud diz que ele e sua equipe estudam como abordar a Covid-19 na quarta temporada de “The good doctor”. Nos Estados Unidos, a terceira temporada chegou ao fim em março, já no contexto da pandemia. No Brasil, a terceira temporada chega ao Globoplay na próxima sexta-feira (8).

— Uma coisa que temos que ter em mente é o quanto as pessoas querem pensar sobre a crise da Covid-19 enquanto veem TV. Mas temos também a oportunidade de celebrar tudo que os médicos e enfermeiros estão fazendo agora. Queremos homenageá-los.

Renaud tem lugar de fala. Médico e cadeirante, ele esteve na linha de frente contra a epidemia de 2003 da Sars, outro vírus que se espalhou rapidamente pelo mundo, quando trabalhava em um hospital em Toronto, no Canadá. A experiência foi transportada para as telas em um episódio da segunda temporada de “The good doctor”.

— Naquela época,  pensava se iria morrer e em como manteria meus pacientes vivos. A Sars era mais fatal, mas também era mais fácil de conter, porque todo mundo que pegava ficava doente. Agora, percebemos que todos nós vivemos num mesmo lugar. Estou acompanhando os números do Brasil e vejo que vocês estão aonde nós (nos EUA) estávamos há duas ou três semanas atrás.

Baseada em uma série sul-coreana, “The good doctor” foi lançada nos Estados Unidos graças a insistência do ator Daniel Dae Kim, mais conhecido no Brasil por sua participação em “Lost”. A trama gira em torno de Shaun Murphy (Freddie Highmore), um jovem médico autista e com síndrome de Savant. Rapidamente, a produção se transformou em um fenômeno global.

— Há várias razões para o sucesso da série, mas uma delas é que o autismo é tão comum. Não há fronteiras quando se fala de doenças e transtornos. Todos nós gostamos de uma história de alguém que não se encaixa,  e é inspirador ver alguém  trabalhar lutando contra essas forças — acredita Renaud.

‘Novas utopias’

Seguir trabalhando mesmo contra a corrente é algo que faz parte das rotinas dos profissionais de saúde brasileiros que atuam no sistema público. Essa é justamente uma das premissas de “Sob pressão”, série da Globo que estreou em 2017 na TV, e agora se encaminha para uma quarta temporada.

Estrelada por Júlio Andrade e Marjorie Estiano, a produção é derivada do filme de 2016 de  Andrucha Waddington, que por sua vez adaptou o livro “Sob pressão: A rotina de guerra de um médico brasileiro”, do cirurgião Marcio Maranhão.

— Fizemos muita pesquisa até entender como a saúde pública se transforma num personagem também. Uma das nossas premissas é de que a saúde está doente — diz Lucas Paraizo, redator-final de “Sob pressão”.

Se a situação da saúde pública no Rio de Janeiro já era alarmante, a crise ganhou uma nova dimensão com a chegada da pandemia. Junto com sua equipe, Paraizo atualmente reflete sobre como incluir o coronavírus na trama da quarta temporada.

— Agora, o sistema colapsou finalmente. A gente já vinha alertando que isso podia acontecer. Temos ideias de como falar da pandemia, mas não tomamos ainda nenhuma decisão porque precisamos entender como a médio e longo prazo isso impacta a vida das pessoas. Mas é inevitável não incorporar, não existe série de saúde que não vai abordar o assunto — diz ele, que assim como Renaud, percebe agora como missão das séries do gênero homenagear os profissionais da vida real, além de trazer esperança.

— A quarta temporada vem trazer alento. Se a gente não consegue resolver na vida real, que pelo menos façamos na ficção. Agora que a distopia virou realidade, o que a dramaturgia pode fazer é  trazer novas utopias. Não podemos deixar de ser críticos, mas podemos promover uma revisão de valores, fazer o telespectador repensar o que é fundamental na vida dele — encerra.