TEATRO

‘Ser ator negro nesse país era quase impensável’, diz Lázaro Ramos

Declaração foi durante Prêmio Cesgranrio de Teatro. Homenagem póstuma foi feita para a falecida atriz Ruth de Souza

Declaração foi durante Prêmio Cesgranrio de Teatro. Homenagem póstuma foi feita para a falecida atriz Ruth de Souza (Foto: Reprodução/G1)

Zezé Motta, 75, e Lázaro Ramos, 41, comandaram, na noite desta terça (28), a sétima edição do Prêmio Cesgranrio de Teatro, realizado no hotel Copacabana Palace, na zona sul do Rio. Os atores se emocionaram durante a homenagem póstuma feita para a atriz Ruth de Souza, morta em 28 de julho de 2019, aos 98 anos, e falaram sobre o preconceito com o artista negro.

“Ser ator negro nesse país um tempo atrás era mais do que complicado. Era quase impensável”, disse Lázaro Ramos.

Zezé Motta acrescentou: “Uma vez Ruth disse: acho que sou muito atrevida. E era. Tinha que ser. Para uma negra nascida em 1921 não bastava talento nem vocação. Quem ousou ser a primeira teve que carregar esse compromisso, ter força, valentia, desbravamento. Foi sendo muito atrevida que Ruth mudou a história dos palcos e da TV no Brasil”.

Ramos falou também sobre os momentos que viveu ao lado da homenageada. Recordou a atenção que ela dava aos artistas iniciantes e as tardes que passava na casa dela assistindo filmes.
“Como foi importante ver ela levando seu talento por esse país equivocado… Ruth, foi graças a você que eu entendi que também podia brilhar. Um brilho que ninguém tira de mim e que foi inspirado em você”, disse o ator.

Com mais de 60 peças de teatro no currículo, a atriz Eva Wilma, 86, também foi homenageada e recebeu um buquê de flores das mãos do presidente da Fundação Cesgranrio, Carlos Alberto Serpa, idealizados do prêmio.

“Estou me sentindo como a primeira vez que tive que ir para uma festa do colégio. Muito feliz. É uma oportunidade única de pedir para que as portas dos teatros fiquem abertas, como é o caso do Teatro Casagrande, do Teatro Copacabana, onde trabalhei nos anos 1960”, disse à reportagem. Depois, entoou: “Contra a censura, pela cultura!”.

'Ser ator negro nesse país era quase impensável', diz Lázaro Ramos
sétima edição do Prêmio Cesgranrio de Teatro, realizado no hotel Copacabana Palace, na zona sul do Rio (Foto: Centro Cultural Cesgranrio)

Formada por Carolina Virgüez, Daniel Schenker, Jacqueline Laurence, Lionel Fischer, Macksen Luiz, Rafael Teixeira e Tânia Brandão, a comissão julgadora teve que dar seu veredito em 12 categorias, com seis indicados em cada uma. Os vencedores levaram, além do troféu, um prêmio de 25 mil reais.

De terno e gravata rosa choque, Luis Lobianco fez jus à sua tarefa da noite: entregar o primeiro troféu da noite, relativo à categoria de melhor figurino para Marcelo Marques, pela peça “Cole Porter – Ele Nunca Disse Que Me Amava”.

“Meninos usam rosa também, né?”, disse ele à reportagem minutos antes de subir ao palco. “Abri minha caixinha de gravatas e escolhi uma cor alegre, mais verão”.
O ator pontuou a importância da categoria anunciada por ele: “Às vezes ficamos em busca de um personagem por muito tempo e ele não chega, sabe? Mas quando vem o figurino conseguimos compor aquilo que estamos buscando”.

Idealizador do monólogo Gisberta, inspirado na vida da transexual brasileira brutalmente assassinada em Portugal, em 2006, Lobianco falou também sobre censura. Ele disse que deu uma pausa na peça porque os editais rejeitam a temática abordada. “Tem sido difícil avançar nos editais, que têm filtros ideológicos, então o espetáculo acaba sendo descartado de cara. Mas isso vai passar e vamos continuar”, disse. “Vamos resistir e somos fortes. Nunca foi fácil ser artista.”

A atriz Marieta Severo fez coro ao colega de profissão. “O ano passado foi muito ruim para a cultura e para o teatro. Fomos considerados bandidos, inimigos. Houve uma volta da censura preocupante. Uma tentativa muito grande de dirigir a arte e a cultura do Brasil, e isso é terrível”.

Veterana das telas e dos palcos, Severo diz que considera algo “inesperado” o fato de ter que pensar em resistência mais uma vez, aos 73 anos. “Mas sabemos que as coisas mudam, que elas passam, e que existe uma força que é a verdade, a necessidade do ser humano de ir em frente, progredir, abrir horizontes. Quando há esses movimentos retrógrados, sabemos que as conquistas virão mais pra frente, com mais força ainda.”

Também otimista quanto ao futuro do teatro, Zezé Motta mandou seu recado: “Eu tenho a terrível mania de andar na contramão. Eu gosto disso. E não só eu, mas o tal do teatro também. Então não me venham com essa conversa de que o teatro vai acabar, porque não vai.”

Vencedores da sétima edição do Prêmio Cesgranrio de Teatro:

MELHOR FIGURINO 
João Pimenta por “Ao Som de Raul Seixas ‘Merlin e Arthur, Um Sonho de Liberdade'”
Marcelo Marques por “Cole Porter – Ele Nunca Disse Que Me Amava” – VENCEDOR
Marcelo Marques por “O Despertar da Primavera”
Ney Madeira e Dani Vidal por “A Cor Púrpura – O Musical”
Ronaldo Fraga por “Nastácia”
Tiago Ribeiro por “Interior”

MELHOR CENOGRAFIA 
André Cortez por “Sísifo”
Bia Junqueira por “Eu, Moby Dick” – VENCEDORA
Natália Lana por “A Cor Púrpura – O Musical”
Rodrigo Portella e Julia Deccache por “As Crianças”
Ronaldo Fraga por “Nastácia”
Stephane Brodt por “Jogo de Damas”

MELHOR ILUMINAÇÃO 
Paulo César Medeiros por “As Crianças”
Paulo César Medeiros por “O Despertar da Primavera”
Renato Machado por “3 Maneiras de Tocar no Assunto”
Renato Machado por “Eu, Moby Dick”
Renato Machado por “Jogo de Damas”
Rogério Wiltgen por “A Cor Púrpura – O Musical” – VENCEDOR

MELHOR ATOR
Caio Scot por “Como Se Um Trem Passasse”
Kiko Mascarenhas por “Todas as Coisas Maravilhosas”
Leonardo Netto por “3 Maneiras de Tocar no Assunto” – VENCEDOR
Mario Borges por “As Crianças”
Odilon Esteves por “Nastácia”
Thelmo Fernandes por “Diário do Farol – Uma Peça Sobre a Maldade”

MELHOR ATOR EM TEATRO MUSICAL 
Alan Rocha por “A Cor Púrpura – O Musical”
Patrick Amstalden por “Ao Som de Raul Seixas ‘Merlin e Arthur, Um Sonho de Liberdade'” – VENCEDOR
Saulo Segreto por “Ao Som de Raul Seixas ‘Merlin e Arthur, Um Sonho de Liberdade'”

CATEGORIA ESPECIAL 
Anna Turra, Camila Schmidt e Rogério Velloso pelo Set Design, videodesign, cenografia e iluminação de “Ao Som de Raul Seixas ‘Merlin e Arthur, Um Sonho de Liberdade'”
Bel Kutner pela direção artística da Cidade das Artes – VENCEDORA (EMPATE)
Marcia Rubim pela direção de movimento de “3 Maneiras de Tocar no Assunto” – VENCEDORA (EMPATE)
Celina Sodré pelos 10 anos de atividades do Instituto do Ator
Diego Teza pelas traduções de “As Crianças”, ”Todas as Coisas Maravilhosas” e “Meninas e Meninos”
Valéria Monã pela direção de movimento de “Oboró – Masculinidades Negras”

MELHOR ATRIZ 
Ana Beatriz Nogueira por “Relâmpago Cifrado”
Analu Prestes por “As Crianças” – VENCEDORA
Claudia Ventura por “A Verdade”
Flávia Pyramopor “Nastácia”
Jéssika Menkel por “Cálculo Ilógico”

MELHOR ATRIZ EM MUSICAL 
Bel Lima por “Cole Porter – Ele Nunca Disse Que Me Amava”
Evelyn Castro por “Quebrando Regras – O Musical – Um Tributo a Tina Turner”
Flavia Santana por “A Cor Púrpura – O Musical”
Kacau Gomes por “Ao Som de Raul Seixas ‘Merlin e Arthur, Um Sonho de Liberdade'”
Letícia Soares por “A Cor Púrpura – O Musical” – VENCEDORA

MELHOR DIREÇÃO
Daniel Herz por “Cálculo Ilógico”
Fabiano de Freitas por “3 Maneiras de Tocar no Assunto”
Felipe Hirsch por “Antes que a Definitiva Noite se Espalhe em Latino América”
Marcio Abreu por “Por que não vivemos?”
Miwa Yanagizawa por “Nastácia”
Rodrigo Portella por “As Crianças” – VENCEDOR

MELHOR DIREÇÃO MUSICAL
Claudio Botelho por “Cole Porter – Ele Nunca Disse Que Me Amava”
Fabio Cardia e Jules Vandystadt por “Ao Som de Raul Seixas ‘Merlin e Arthur, Um Sonho de Liberdade'”
Marcelo Castro por “O Despertar da Primavera”
Tony Lucchesi por “A Cor Púrpura – O Musical” – VENCEDOR
Tony Lucchesi por “Quebrando Regras – O Musical – Um Tributo a Tina Turner”

MELHOR TEXTO NACIONAL INÉDITO 
Jéssika Menkel por “Cálculo Ilógico”
Leonardo Netto por “3 Maneiras de Tocar no Assunto” – VENCEDOR
Luciana Pessanha por “Os Desajustados”
Márcia Zanelatto por “Ao Som de Raul Seixas ‘Merlin e Arthur, Um Sonho de Liberdade'”
Miriam Halfim por “Freud & Mahler”

MELHOR ESPETÁCULO 
“3 Maneiras de Tocar no Assunto”
“A Cor Púrpura – O Musical”
“Diário do Farol – Uma Peça Sobre a Maldade”
“As Crianças” – VENCEDOR
“Cálculo Ilógico”
“Todas As Coisas Maravilhosas”