Literatura

Trabalho Honesto: escritor lança romance cyberpunk misturado com folclore brasileiro

E-book é fruto do trabalho de Rodrigo van Kampen, criador da revista Trasgo de fantasia nacional

Rhalfe é um lobisomem. Como se isso não fosse ruim o bastante, o único trabalho que ele arranja é como capanga de um chefão local na cidade de Campinas, interior paulista. O que já era ruim acaba piorando quando ele acaba enredado em uma trama de crime e traição.

Essa é apenas a premissa inicial de Trabalho Honesto, livro auto-publicado por Rodrigo van Kampen, idealizador da revista digital de fantasia Trasgo. Há anos na luta no mercado editorial independente brasileiro, Kampen conhece bem os desafios de se fazer literatura de gênero em um mercado que é, ao mesmo tempo, saturado e que lê pouco.

Trabalho Honesto é uma grande mistureira: num futuro próximo, criaturas folclóricas brasileiras como cucas e sacis lutam para se integrar em uma sociedade brasileira cada vez mais racista e injusta. Há traços marcantes do cyberpunk no cenário além de ecos do RPG Shadowrun.

Além de Trabalho Honesto, Kampen possui outro livro pronto, mas está lutando com agentes e editoras para tentar publicá-lo de uma forma convencional. “Tenho mais material pronto, e Trabalho Honesto era um deles.  A questão é que ele é um livro que não ‘tem cara’ de editora. É um livro com um humor mais pastiche, uma novela de máfia, ficção científica futurista com sacis, cucas, lobisomens… É um estilo de trabalho que não costuma chamar a atenção de editoras, tem pouco potencial comercial. Por isso a autopublicação”.

O livro está à venda pelo site do autor, mas também na Amazon. Segundo ele, a grande loja de livros eletrônicos é uma faca de dois gumes: “Eu autopubliquei, o livro está à venda em meu site. Também coloquei à venda na Amazon, pelo seu grande alcance, mas sempre prefiro indicar que comprem diretamente comigo. Acho que a Amazon tem praticamente o monopólio do comércio de ebooks no mundo, o que é muito ruim para o mercado, para os escritores, e, a longo prazo, para os leitores. Quem ganha é só a empresa. Sem falar que quando vendo um livro pela Amazon ganho 30% do valor de capa dele. Quando vendo pessoalmente, a fatia é próxima aos 90%, dependendo da modalidade de pagamento”.

Segundo o autor, o caminho para a autopublicação foi fácil, em grande parte, graças ao trabalho constante coma  Trasgo: “Eu trabalho com editoração de ebooks, faço freelas para autores independentes e editoras, então sim, fui eu quem fiz toda a parte interna do livro”. Para a divulgação, ele adotou uma espécie de boca-a-boca digital ao invés de investir em posts patrocinados, por exemplo: “O livro teve uma estratégia de lançamento diferente: foi enviado gratuitamente por e-mail aos interessados que se cadastraram em um mailing. A ideia era conquistar os leitores, depois vender o ebook aos interessados e pedir ajuda na divulgação”.

Trabalho Honesto possui uma certa influência de histórias clássicas noir e de detetive misturadas com a fantasia e a ficção-científica: “O livro é uma história única, porém episódica, contada em seis contos. Eu tenho um cenário no qual as nossas criaturas folclóricas sempre existiram, mas em dimensões paralelas às nossas (volta e meia algumas criaturas acabavam escapando para cá em raríssimos portais naturais). Em determinado momento a ciência foi capaz de abrir os portais artificiais para essas dimensões, criando uma certa ‘imigração’ dessas criaturas para cá. O preconceito contra imigrantes é o mesmo de sempre”. Já toda a parte, digamos, policial recai sobre o protagonista: “Nós acompanhamos Rhalfe, um lobisomem que não quer exatamente trabalhar para o Senhor Sombrera, mas é o que tem para fazer. Ele recebe uma promoção e passa a atuar em casos mais complexos, sempre envolvendo seres de outras dimensões, já que a polícia não quer se envolver nisso. E meio sem querer acaba no meio de uma guerra entre facções”.

Sobre a falta de autores nacionais, especialmente escrevendo sobre fantasia e ficção, Kampen tem uma resposta ácida. Para ele, o problema não é inteiramente das editoras: “A resposta para essa pergunta daria um artigo inteiro. Mas vou dizer duas coisas: acredito que as editoras estão procurando nomes brasileiros para publicar dentro do gênero, mas não temos tantos bons escritores assim. Há um mar de escritores medianos. Para lançar FC comercialmente, precisa ser alguém muito além da curva”.

Além de Trabalho Honesto, o autor conta que está cheio de projetos: “Tenho várias coisas na manga. Um romance infantil que estou negociando a publicação, um romance infanto-juvenil que estou enviando para agências e editoras, estou terminando um romance adulto (ou jovem adulto, descobriremos na reescrita). Tenho alguns contos prontos, pensando o que faço com eles, e devo lançar um conto muito em breve por um projeto sensacional que está sendo criado aqui nos bastidores”.

Mas e a Trasgo impressa? “Ainda está acontecendo, então é difícil responder. De modo geral, estou muito feliz com o feedback do público”.