‘Triângulo da Tristeza’: polêmico candidato ao Oscar mostra que ricos têm dinheiro, mas não têm noção
Filme que dividiu o público, entra na onda de obras que vomita a superficialidade humana na cara dos bilionários
Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, ‘Triângulo da Tristeza’ (2022), acaba de chegar ao catálogo do Prime Video. Dirigido pelo sueco Ruben Östlund, o filme conseguiu furar a bolha dos cinéfilos, causando burburinho nas redes sociais e nos festivais mundo afora. O longa, que é desses ‘ame ou odeie’, está disputando três estatuetas no Oscar – Melhor filme, direção e roteiro original. Na principal categoria da premiação, destoa do restante e é disparado o mais polêmico.
Descrito como uma “comédia” de humor satírico, ‘Triângulo da Tristeza’ está longe de arrancar gargalhadas do público. No máximo risos de revolta ou vergonha alheia. Mas isso não é um demérito.
Östlund dividiu sua obra em três atos e usa da escatologia, tiradas espertas e personagens hipócritas para tecer críticas a elite – que nem diante de uma situação extrema é capaz de demonstrar o mínimo de noção.
Será que os ricos também choram?
‘Triângulo da Tristeza’ acompanha viajantes super-ricos num cruzeiro de luxo. Entre outros personagens, temos um casal de idosos que sustenta a indústria mundial de explosivos, o capitão do navio e o irritante casal de modelos interpretados por Harris Dickinson e Charlbi Dean – que faleceu aos 32 anos, antes mesmo do filme estrear. Falar mais que isso entregaria muito (fujam do trailer!).
O diretor e roteirista abusa da ironia e dos excessos para zombar dos bilionários, dos influencens, do mundo da moda e até da alta gastronomia. Östlund se diverte ao expor a superficialidade humana e seus jogos de poder. É a beleza como moeda de troca, o apocalipse do capitalismo.
Os ângulos inclinados devido ao balanço da embarcação corroboram a sensação de desequilíbrio presente (o cruzeiro real é o Christina O, barco de quase 100 metros que pertenceu a Jackie Kennedy Onassis).
Quem quer ser um milionário?
Pioneirismo não é o grande destaque em ‘Triângulo da Tristeza’. Há anos a TV e o cinema coloca os ricos em situações extremas ou vergonhosas, como em meio a um “mar” de vômito – na mais comentada cena do longa. O conflito entre o rico e pobre e a denúncia à desigualdade social estão em obras que vão desde o suspense ao drama épico.
‘Titanic‘ (1997), que recentemente levou multidões aos cinemas mesmo após 25 anos da estreia, mostra a infelicidade de Rose diante do futuro próximo – o casamento com um milionário do qual ela não amava. E claro, todo o comentário do filme sobre a terceira classe, sem esquecer da distribuição dos botes enquanto o maior e mais luxuoso navio de passageiros da época ia direto para o fundo do oceano.
‘Parasita‘ (2019) se tornou o maior expoente da atual onda de obras que ri na cara da elite ao expor o conflito de classes com a história de revolta da família pobre contra a família rica.
O romance ‘Podres de Ricos‘ (2018) – rodado em Singapura, cidade-Estado onde um de cada 35 habitantes é milionário – envolve mansões, herdeiros e fortunas numa trama divertida e com ótimo pano de fundo. Temos ainda os suspenses ‘The Menu‘ (2022), ‘A Caçada‘ (2020) e ‘O Poço’ (2020), além de exemplos mais antigos como ‘Clube da Luta‘ (1999) e ‘Tempos Modernos’ (1936).
Na TV, o sucesso ‘The White Lotus’ (2021-) exibiu na primeira temporada o conflito novelesco entre hóspedes e funcionários de um resort, usando dessa relação para exemplificar o abismo criado pelo dinheiro.
Os pobres vão à praia
Se ‘Triângulo da Tristeza‘ é divisivo, o terceiro ato nem se fala. Aqui ocorre uma inusitada inversão social e cada personagem é reduzido à sua essência. Mesmo com uma mudança abrupta de estrutura e ritmo, fica a sensação de que uns 20 minutos do longa poderiam ser cortados.
A citada escatologia e outros absurdos podem assustar, mas uma certeza é que ninguém fica indiferente diante do filme. A última cena gera debates, para o bem ou para o mal.
Apesar do ritmo irregular, ‘Triângulo da Tristeza‘ permanece por dias na mente do espectador e merece todos os holofotes que vem recebendo. É preciso comprar a proposta de Östlund para ser recompensado. Uma rica experiência cinematográfica.
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