ENTRETÊ

TV brasileira entra em fase decisiva de reformulações na pandemia

A TV brasileira inaugura nesta segunda-feira uma nova fase. Se tudo correr como o previsto,…

A TV brasileira inaugura nesta segunda-feira uma nova fase. Se tudo correr como o previsto, as equipes de “Amor de mãe” e “Salve-se quem puder” pisam nos Estúdios Globo pela primeira vez após cinco meses de pausa forçada — coincidentemente, a Record também retoma na segunda as gravações de “Amor sem igual”.

Além do desafio de dar liga a histórias interrompidas há tanto tempo, as novelas serão as primeiras produções de fôlego a encarar os novos protocolos de segurança da Covid-19.

O drama de Lurdes (Regina Casé) e companhia, porém, só termina em 2021. Hoje, especialista algum consegue prever o tempo que se levará para gravar e finalizar um capítulo de novela seguindo as tais novas normas.

Some à trabalheira-padrão uma equipe que precisa vestir roupas de proteção, pausas constantes para desinfetar cenários e muitos efeitos posteriores para que atores pareçam contracenar sem sequer estar juntos (até beijo será criado assim). Mesmo que ninguém adoeça no percurso, o cronograma é um mistério.

Por isso, os novos capítulos só serão exibidos quando toda a história estiver na mão. Ninguém quer correr o risco de voltar e ser obrigado a sair do ar de novo. Daí as reprises seguirem até o fim do ano.

As novelas são o caso mais emblemático das reformulações que a pandemia impôs à TV. No dia 13 de março, quando o governador Wilson Witzel decretou o fechamento de escolas, teatros, cinemas e casas de shows no Rio por causa da Covid-19, a Globo já sabia que sua grade de programação estava com os dias contados.

Era uma sexta-feira e concluiu-se ali que seria preciso interromper as gravações para evitar a propagação do vírus.

Quando a televisão parou

Na segunda-feira seguinte, após um fim de semana de horas de reuniões por vídeo, a emissora criou uma nova grade, anunciou as mudanças e concluiu: “Não há novelas sem abraços, apertos de mãos, beijos, festas, cenas de briga, cenas de amor, cenas de carinho, tudo aquilo que reflete a vida real, mas que, hoje, não pode ser encenado em segurança”.

A partir dali, o jornalismo cresceu ainda mais, chegando a 11 horas diárias ao vivo, alguns programas foram suspensos ou encurtados, novelas seguiram enquanto havia capítulos inéditos e, depois, entraram em cena as reprises, em versões reeditadas. Logo, todos os programas de variedades seriam suspensos ou adaptados. E, por fim, sumiria o futebol, já que sumiriam os próprios jogos. Reprogramar virou o verbo da vez.

— No dia 13 de março, fiquei sabendo que os estúdios iam parar. Estúdio parando, a gente fica sem novela, sem série, sem programa de variedades e auditório — conta o diretor do Canal TV Globo, Amauri Soares.

— Ao mesmo tempo, a gente tinha uma enorme oportunidade. Nós sabíamos que a quarentena ia levar maciçamente as pessoas para dentro de casa. Nossos filhos estavam ficando sem aula, home offices estavam sendo instalados. Então, procuramos pensar numa programação para essa realidade, das famílias em casa.

Por isso, além de mais jornalismo, entraram em cena reprises como as de “Fina estampa” (“novelona clássica, com um núcleo de humor sempre presente”) e “Totalmente demais” (“uma história de Cinderela”, como define Soares).

Com todo mundo que pôde se isolar trancado em casa, a audiência respondeu. “Totalmente…” bateu 33 pontos em São Paulo e 32 no Rio, e “Fina estampa” chegou a 37 em São Paulo e 35 no Rio.

— O número de pessoas vendo TV em casa, que a gente chama de total de ligados (total de aparelhos ligados), explodiu. Foi o maior índice da História — lembra o executivo.

Isso se refletiu no jornalismo, nas novelas, em outros programas (lembra o 1,5 bilhão de votos naquele paredão do “BBB 20”, no fim de março?) e também nos filmes.

90% viram filme na Globo

Quando o futebol parou, abrindo um buraco de duas horas na programação de quarta e domingo, a solução foi apostar mais em longas-metragens. Com catálogo renovado após uma longa negociação com Disney, Warner e Universal, nos últimos dois anos, os filmes na TV saltaram para 34 horas de por semana, em dez sessões.

Desde janeiro, 90% da população brasileira (189 milhões de indivíduos) viram pelo menos um filme na Globo, segundo dados do Painel Nacional de Televisão, feito pela Kantar Ibope Media.

— Da classe A à classe E, todo mundo assiste. E por razões diferentes — aposta Soares. — Quem não tem renda para assinar TV paga ou ter streaming, assiste na TV aberta porque a gente oferece um grande volume, bom e de graça.

O perfil de cada sessão

Quem tem outras opções, ele diz, vê filme na Globo também por conta da curadoria. Diante de tanta oferta a zapear, o espectador preferiria o conforto de saber o que achar, no horário que já conhece. Uma espécie de comfort TV.

— As pessoas sabem que no Supercine tem filme mais complexo, com histórias fortes, sabem que no Corujão tem filme de diretor, filme de arte. Sabem que a Sessão da Tarde é para a família, é relaxamento, comédia romântica, aventura… — dá exemplos.

Nas pesquisas da emissora, homens preferem o Cinemaço, e mulheres gostam mais da Sessão da Tarde, que também concentra o público mais novo, enquanto a Temperatura Máxima faz sucesso com gente acima dos 50. O Domingo Maior é o campeão entre as classes A-B, e o Corujão, entre as classes C2-D-E. Quanto a volume, a Tela Quente, sozinha, é a sessão de maior alcance. Atrai 40 milhões de pessoas por semana.

Os filmes costumam chegar à TV aberta entre 18 e 22 meses depois de estrearem nos cinemas e passarem por diferentes janelas, de serviços sob demanda premium a TVs por assinatura.

Ainda neste semestre, desembarcam na Globo produções nacionais como “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, e “Benzinho”, de Gustavo Pizzi, além de blockbusters internacionais como “Pantera Negra”, “Nasce uma estrela” e “Liga da Justiça”. Até o fim do ano, terão sido exibidos cerca de 1.040 longas (50 a mais do que em 2019, por enquanto).

— Talvez falte filme mais adiante, e a gente tenha que pegar mais. Mas temos bons acordos — diz Soares.

Tradicionalmente, o mercado de venda de filmes funciona assim: uma emissora tem que comprar x produtos, pode escolher alguns tantos, mas, para levar os grandes lançamentos, precisa carregar também longas de menor “saída”.

— Há um tempo chamamos os estúdios um por um e explicamos: nossa programação é formada de dramaturgia própria, que são nossas novelas e séries, jornalismo e esportes. Filme é complemento, mas é um complemento importante — conta o executivo. — Não podemos aceitar imposição de compra, porque quem entende o que nosso espectador quer somos nós. Conseguimos isso com uns, com outros não. Também tínhamos preferências. Então, fizemos trocas. Hoje, temos tudo de super-heróis, grandes títulos e elencos, da Disney, Marvel e Universal. O que falta, a gente compra no varejo.