Literatura

Valter Hugo Mãe ambienta novo romance no Japão para tratar de relacionamentos

Desde que participou da Flip de 2011, o escritor português Valter Hugo Mãe tornou-se adorado…

Desde que participou da Flip de 2011, o escritor português Valter Hugo Mãe tornou-se adorado em terras brasileiras. As frases poéticas que habitualmente constroem seus romances exercem um fascínio indescritível, chegando a vender 50 mil exemplares. A prova da popularidade será exibida na quinta-feira 3, quando ele conversa com o público na Livraria Cultura do Conjunto Nacional. O tema será seu mais recente romance, o sétimo, Homens Imprudentemente Poéticos, lançado pela editora Globo.

Se, em Desumanização, a trama se passava na Islândia, agora o Japão é cenário da história do artesão Itaro e do oleiro Saburo, vizinhos cuja inimizade avança e recua na mesma medida em que varia o ódio e o encanto que cada um sente pelo outro. Eles vivem em uma aldeia ao pé de uma montanha frequentada por suicidas, um ato extremo que, na cultura japonesa, não transparece desespero. Ponto de partida para Hugo Mãe, amparado por lendas e tradições, retratar um pequeno território no qual, de uma certa forma, habitam todos os humanos da Terra. A seguir, tópicos da conversa.

Fascínio pela transcendência

Cresci num universo católico. Fui muito crente em menino e rodeado de figuras intensas. A senhoria da casa em que vivíamos havia sido amiga de infância de uma santa popular. Uma santa cuja estátua estava no meio da praça da nossa vila. Eu não teria como me poupar ao assombro. Cresci maravilhado, e apavorado, com essa suspeita de uma transcendência olhando para nós. E creio que precisei de amadurecer rejeitando e, depois, espiritualizando tudo ao meu jeito, sobretudo retirando da equação uma obrigação de culpa e de tristeza. Hoje, espiritualidade para mim só serve se for um exercício para a alegria. Se for para me acusar ou diminuir, estou fora disso. Prefiro ficar só como bicho sem qualquer bênção.

Interesse pelo Japão

Há algo de histórico nessa atração, quero dizer, Portugal nunca escondeu, na época das navegações, sua curiosidade por aquele país. O Japão é uma maravilha para o mundo. Os portugueses terão sido o primeiro “povo bárbaro” a conseguir a “amizade” japonesa, mas não me abeirei do país pelo passado português. Muito ao contrário. O que me entusiasma não é fazer um retrato de qualquer traço histórico. Procuro uma certa mentalidade, um enfoque perante a vida, como um modo de ser que, mais do que validado antropologicamente, me sirva de meditação profunda para a vida de hoje. É importante entender que, correspondendo a linhas de base que poderão ser reconhecidas como características do Japão, a minha intenção é sobretudo criar uma linguagem própria, uma espécie de transformação do Japão num país pessoal. Na verdade, sobretudo para a Literatura, sempre existimos com visões íntimas das coisas até mais evidentes. Quando pensamos algo como o modo de ser, o fino traço da cultura, então ainda mais pessoais e íntimas se tornam as expressões. Gosto da ideia de tudo ser pessoal.

Islândia e Japão, duas ilhas

Sempre defino a humanidade como um coletivo que não pode comunicar em absoluto. Há uma solidão contingente que nos impede de, no mais profundo de nós, comunicar. Somos únicos, isso também quer dizer que somos sós. As ilhas fascinam-me por induzirem ao recorte físico, como se impusessem essa definição de solidão. São lugares sós onde gente fica ainda mais só.

Separar ações e personagens

Neste romance, quis acentuar esse efeito. Cada texto como uma outra ilha. Também porque, à semelhança do teatro cabúqui, quis apresentar as personagens individualmente. Só depois a trama se expõe. Agrada-me a possibilidade de fazer com que cada capítulo valha como um texto autônomo. Isso problematiza a ideia de saber se valeríamos em solidão ou se apenas numa pluralidade adquirimos sentido.

Interioridade

Não sou um autor de aventuras clássicas. Quero estudar modos de ser, quero estudar o pensamento e a personalidade. O que acontece é sempre meio secundário. Importa para mentes demasiado pragmáticas. Livros policiais não me são naturais. Lido com a subjetivação pura. É um jeito meu.

Violência brutal

Sinto horror. Escrevo coisas que me assustam. Mas a Literatura não pode ser mediana. Tem de ser coragem. Tem de ser força. Para escrever ameno, não valeria a pena escrever.

Linguagem poética

Vivo obstinado com a poeticidade. Quero que as palavras curem o mundo, o meu mundo. Sempre espero que elas expliquem meu amor, minha alegria, minha tristeza. Quero que expliquem e que, por me fazerem entender, tanto quanto possível, melhorem minha vida. Vivo transformando coisas em linguagem. Observo e penso como dizer o que observo. Fico horas até encontrar uma expressão que me sirva para guardar uma impressão inequívoca, mas que não tem nome. Cresci com pouco. As palavras foram tudo para mim. Foram pessoas. As companhias mais permanentes.

 

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.