Xuxa volta aos cinemas após 14 anos imitando Angélica e rindo de si mesma
'Uma Fada Veio me Visitar' é adaptação de best-seller de Thalita Rebouças e traz a apresentadora revivendo os anos 1980
Já faz 14 anos desde que Xuxa Meneghel fez seu último papel no cinema, em “O Mistério de Feiurinha”. Responsável por levar ao menos 22 milhões de espectadores às salas só com a dúzia de filmes em que foi a grande estrela, a apresentadora retorna insistindo que não é atriz.
Foi nessa tecla que ela bateu durante o evento de lançamento de “Uma Fada Veio me Visitar“, na semana passada, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. O longa-metragem, uma adaptação do livro homônimo de Thalita Rebouças, marca seu retorno às telonas num momento de fragilidade do cinema nacional, que espera uma presumida, mas ainda distante, recuperação pós-pandemia.
“Eu não tinha achado, nesse meio-tempo, um filme para fazer um best-seller ou um bom roteiro para toda a família. E esse caminho de fazer um filme através de um livro brasileiro é bacana, porque dá força para a leitura e força para o cinema”, diz Xuxa com sua cachorrinha Doralice, da qual é inseparável, no colo. “Hoje está difícil agradar ao público.”
Seu histórico de bilheteria, no entanto, é o de alguém que já agradou muito, em obras como “Super Xuxa Contra Baixo Astral” e “Xuxa e os Duendes”, que ganhou até uma continuação. É nesse sucesso que seus colegas de elenco se ancoram para defender a verve teatral da loira, por mais que ela diga que não consegue nem decorar falas.
Fato é que Xuxa, aos 60 anos, é uma figura inescapável do audiovisual brasileiro. Tanto que o filme que estreia nesta semana foi moldado para acomodar a apresentadora. Apesar de o livro já existir, a história passou por uma reformulação da própria Rebouças, dando ao espectador a impressão de que foi feita sob medida para a Rainha dos Baixinhos.
“Uma Fada Veio me Visitar” é como um mergulho em sua carreira, com referências que vão das suas músicas e programas televisivos a memes compartilhados à exaustão nas redes sociais. “Senta lá, Cláudia. Quer dizer, Luna”, diz sua personagem em determinado momento, numa troca de nomes que só existe para acomodar a piada.
Em outro, ela imita a amiga e colega de programação infantil Angélica, num caldeirão de referências oitentistas que ainda a vestiu de Madonna, Cyndi Lauper, Boy George e She-Ra, personagem que teve sua música-tema gravada para o álbum “Xou da Xuxa”. “Me pergunta como eu vou? Vou de táxi!”, exclama a personagem em mais uma gracinha nostálgica.
“Uma Fada Veio me Visitar” traz a apresentadora no papel de uma fada desengonçada, que passou os últimos 35 anos dormindo e agora precisa provar seu valor ao ajudar uma adolescente que vive dilemas clássicos dessa fase da vida, das intrigas com garotas populares aos primeiros amores.
O filme vem num momento de superexposição, na esteira de um documentário sobre a vida de Xuxa no Globoplay e de uma participação no Criança Esperança que abalou as estruturas dos millennials na internet. Não que os holofotes sejam estranhos para a apresentadora, mas ela vê diferenças entre a atenção que recebe agora e a lá de trás.
“Hoje as pessoas me cobram mais. Com a idade que tenho, as pessoas falam que estou velha, reparam no meu corpo, dizem que já não estou boa para fazer isso ou aquilo. E tem a internet, que é um pouquinho cruel com todas as pessoas que se expõem. Não é diferente para mim”, diz.
“Mas tem muita gente também que tem um respeito muito grande pela minha trajetória, então é bacana chegar nessa idade assim, principalmente num país em que ficar velho é sinônimo de algo não legal. É um privilégio ser valorizada. Sou um pouco fora da curva nesse sentido, porque há muitos artistas de peso que são aposentados pelos outros, e isso é algo que sinto que está longe de acontecer comigo.”
O medo de envelhecer, diz ela, é algo normal. O próprio filme dedica boas falas ao assunto, com Xuxa fazendo um discurso contra o etarismo ainda no início, por ela não ter a idade que se espera de uma fada. Essa é uma das causas que a apresentadora abraçou nos últimos anos, junto com a defesa dos animais e o veganismo.
São temas que também aparecem em “Uma Fada Veio me Visitar”, comprovando que o filme de agora foi feito à imagem de Xuxa. Até porque uma outra versão para as telas já havia sido gravada há sete anos, com Kéfera Buchmann como protagonista, mas não agradou a Rebouças.
“Em ‘É Fada!’, pegaram a ideia e pronto. O resto do livro eles rasgaram e fizeram uma história que não me representa, que ficou aquém das minhas expectativas”, afirma a autora, que agora se diz realizada ao ver sua rainha de infância encarnando a única personagem fantástica de sua bibliografia.
“Mas eu sou muito grata, porque foi por causa daquele filme que eu notei que tinha que fazer roteiro para ser respeitada”, afirma. “Sabe quando você se sente mutilada? Eu queria que todo mundo ‘desvisse’ o ‘É Fada!’.”
Agora, a autora não viu problema em reformular pontos-chave da obra. Alterou, por exemplo, as referências aos anos 1960 para os 1980 e, mesmo sem Xuxa em cena, fez acenos a Angélica e Eliana. Santíssima trindade da televisão juvenil, as apresentadoras apareceram juntas no último Criança Esperança para cantar a música-tema do mais conhecido filme de Xuxa, “Lua de Cristal”. Deram as mãos, fizeram um discurso sobre sororidade e viralizaram.
Para a apresentadora, é importante reforçar, sempre que pode, que nunca existiu rixa entre as três. Ela faz alusão à polêmica levantada por Mara Maravilha, de quem não é próxima e que a criticou por não ter sido convidada para o reencontro no programa de arrecadação da Globo.
“Eu gostaria que essa união existisse com todos os ícones que trabalharam com crianças na nossa época, mas infelizmente nem todo mundo pensa como a gente, então respeitamos e fica assim”, afirma.
“O lado ruim que querem destacar, de não ter uma negra na parada, é bom para lembrar às pessoas que foram elas que puseram a gente nesse lugar. Se não tinha uma negra naquela época não foi por culpa nossa. Foi porque as pessoas desejaram aquelas figuras naquela época. Hoje é bacana a gente estar juntas e falar sobre isso, porque os tempos mudaram”, diz, semanas depois de Mara insinuar que não faz parte do grupo por racismo.
“Precisamos falar que as mudanças precisam ocorrer, e quando a gente se une é uma maneira de lembrar disso. Eu sou fã de quando a gente se junta e gostaria de fazer muita coisa junto ainda, porque temos muito a oferecer.”