A ascensão meteórica de Gabriel Bandeira, o 1º ouro do Brasil na Paralimpíada
Desde que estreou em fevereiro do ano passado nas disputas paralímpicas, o nadador Gabriel Bandeira,…
“Foi uma prova que dei o meu melhor e deu tudo certo. Acabei ficando um período a mais em isolamento no Japão, mas estava me sentindo bem e fiquei muito feliz pela prova e por começar a competição com uma medalha de ouro”, afirmou o atleta que deixou para trás o inglês Reece Dunn e o australiano Bem Hance.
Embora já nadasse desde os 10 anos, o dono da primeira medalha de ouro do Brasil na Paralimpíada de Tóquio entrou no circuito de competições paralímpicas somente em 2020. Se tornar um atleta com deficiência aconteceu depois que Gabriel Bandeira realizou exames neurológicos que o diagnosticaram com uma deficiência intelectual, o tornando elegível para as disputas de natação paralímpica na classe S14.
Por não saber da deficiência, as primeiras braçadas de Gabriel na infância foram na natação convencional, na academia do Taquaral, em Indaiatuba, interior de São Paulo. A rápida evolução levou o garoto a treinar pela equipe de natação da cidade, sustentada pela Prefeitura do município.
Aos 15 anos, tornou-se o primeiro atleta de base de Indaiatuba a ser medalhista em Jogos Regionais e Jogos Abertos. Porém, “a cidade não tinha estrutura para o esporte de alto rendimento”, afirma Dona Carmem, avó com quem Gabriel mora e foi criado. “Foi então que ele fez um teste e foi selecionado para nadar pelo Minas Tênis, em Belo Horizonte”, conta.
Na capital mineira, onde nadou por três anos e dividiu a piscina com Bruno Fratus e Kaio Márcio, Gabriel chegou a ser medalhista de competições nacionais. Com o tempo, contudo, começou a apresentar dificuldades nos treinos para assimilar os exercícios que eram passados pelo treinador. “Foi quando ele começou a sentir os efeitos da deficiência. No troféu Maria Lenk, já dava pra notar que ele estava com dificuldade de memorização,” lembra Dona Carmem.
Na infância, Gabriel já demonstrava dificuldade na alfabetização e chegou a repetir de ano por quatro vezes. Era inquieto e não conseguia ficar parado. Ele percebia que concentrar-se na aula e reter as informações na memória era uma tarefa mais difícil para ele do que para os colegas. Ainda em Indaiatuba, o treinador na época, Luiz Cândido, já cogitava a possibilidade de Gabriel ter deficiência intelectual. Mas quando sugeriu ao atleta realizar o exame pelo primeira vez, o convite não foi aceito.
Anos depois, o já ex-treinador continuou acompanhando o pupilo à distância. E percebeu que o tempo que ele atingia nas competições era o suficiente para ser um medalhista paralímpico. Foi a deixa para, mais uma vez, Cândido sugerir que Gabriel fizesse o exame de inteligência. O nadador, então com 19 anos, dessa vez aceitou. E, para a sua surpresa, descobriu que tinha deficiência intelectual por apresentar um QI (Quociente de Inteligência) abaixo de 75. “É importante que as pessoas saibam que o Gabriel não teve dificuldades na escola por conta de TDAH, mas sim por conta da sua deficiência intelectual”, alerta Dona Carmen.
Ela lembra que, no começo, o neto se sentiu inseguro em relação aos amigos e com medo do que achariam por ele ser deficiente . “Mas todos foram incríveis e deram muito apoio”, afirma Dona Carmem, que se aposentou da Caixa Econômica Federal, onde trabalhava há 30 anos, para ajudar a cuidar do neto.
ESTREIA EM COMPETIÇÕES PARALÍMPICAS – A mudança das competições convencionais para as provas disputadas por atletas com deficiência foi rápida. Depois de descobrir que era deficiente intelectual, Gabriel recebeu um convite para treinar no Praia Clube, de Uberlândia, onde conheceu o atual treinador Alexandre Garcia.
Representando o clube mineiro, o nadador estreou em provas paralímpicas de natação na etapa Regional Centro-Leste do Circuito Loterias Caixa, em Brasília, em fevereiro de 2020, pouco depois de fazer o teste. Gabriel se destacou na competição com seis medalhas de ouro (100m e 200m livre, 100m costas, 100m peito, 100m borboleta e 200m medley), quebrando quatro recordes brasileiros.
Empolgado com o rendimento do nadador, Alberto Martins, diretor-técnico do Comitê Paralímpico Brasileiro, disse ao Estadão na época que Gabriel era atleta para trazer três medalhas paralímpicas para o Brasil. “Ele não é conhecido ainda, mas surpreendeu a todos na estreia em Brasília”.
O ADIAMENTO DOS JOGOS – As expectativas para estar em Tóquio meses depois, tanto de Gabriel como de Martins, foram por água abaixo. A pandemia da covid-19 paralisou as competições e fez com que o Comitê Olímpico Internacional e o Comitê Paralímpico Internacional adiassem os jogos que organizam para 2021. O nadador ficou parado durante sete meses. Longe dos treinos, chegou a ganhar peso e até a ficar abalado emocionalmente, como lembra Dona Carmen.
As suspensões, contudo, não atrapalharam o ânimo do brasileiro. Os treinos voltaram e, com a ajuda do treinador Alexandre, fisioterapeutas e nutricionista, ele voltou a entrar em ritmo de competição.
Em maio deste ano, 13 kg mais magro do que em 2020, Gabriel caiu pela primeira vez em águas internacionais na carreira para disputar o Campeonato Europeu da Ilha da Madeira, em Portugal. O brasileiro, mais uma vez, foi soberano nas piscinas e terminou a competição vencendo todas as seis provas que disputou – 100m livres, 200m Medley, 100m peito, 100m costas e 200m livres – e quebrando seis recordes das Américas.
Os resultados em Portugal garantiram a Gabriel um lugar em Tóquio, onde um de seus ídolos, o também nadador Caleb Dressel, foi dominante na competição olímpica com a conquista de cinco ouros. Com mais cinco provas para disputar nos Jogos Paralímpicos, Gabriel terá a chance de ultrapassar o norte-americano e levar para casa seis medalhas douradas. A primeira ele já conseguiu.