Efeitos do Conflito

Como a Guerra na Ucrânia aposentou o atacante brasileiro Júnior Moraes

Ex-jogador de 37 anos pretende agenciar a carreira de atletas

Junior Moraes pelo Shakhtar Donetsk, da Ucrânia. Foto: Divulgação/Shakhtar Donetsk

A hora de pendurar as chuteiras chega para todos. Pode ser por uma lesão grave, pelo físico cansado após anos de dedicação ou simplesmente pela idade avançada para o alto rendimento. Um trauma de guerra não costuma aparecer entre os motivos para a aposentadoria de jogadores de futebol. Mas esse foi o caso do atacante brasileiro Júnior Moraes, de 37 anos, que carrega na alma e no corpo as marcas deixadas pelo conflito na Ucrânia, invadida pelos russos em fevereiro de 2022. Sem alarde, ele abandonou os gramados ao perceber que os músculos, apesar de fortes, não respondiam tão bem à mente abalada. Há alguns meses, decidiu se dedicar à família, à ajuda humanitária e ao desenvolvimento pessoal de atuais e futuros jogadores.

Quase dois anos após a invasão do território ucraniano, Moraes continua a conviver com a angústia de não saber o destino de alguns conhecidos. O ex-jogador viveu por 10 anos no país, onde se tornou um dos grandes nomes do Shakhtar Donetsk. Seus dois filhos, Lucas, de 9 anos, e Julia, de 7, têm fortes laços por lá. O sentimento de desamparo também atinge as crianças, que não conseguem elaborar um mundo em guerra.

“Fui obrigado a sair do país ao qual estava adaptado. Um impacto grande para minha família, para meus filhos, que começaram a ter questões de comportamento na escola. Se fosse uma simples mudança de país… O problema é responder ao meu filho quando ele me questiona onde será que está o amiguinho da escola. “Será que está vivo? Você não tem contato com ele? Como eu faço para saber dele? Será que morreu?”. Não é fácil”, conta Moraes, que saiu do Brasil aos 19 anos para jogar na Romênia. “Estamos acostumados a mudanças, é a vida do jogador. Mas essa veio com o trauma da guerra. Minha vida mudou completamente, e eles foram afetados”, disse.

Febres e alergias sem explicação
Junto a outros jogadores brasileiros, Moraes pôde sair do país tão logo começou o conflito. A Fifa permitiu que atletas estrangeiros suspendessem unilateralmente seus contratos com clubes ucranianos e russos. Revelado pelo Santos, ele retornou ao país para o Corinthians, em 2022. Foram 21 jogos, um gol e uma rescisão após um ano e meio — e a descoberta da depressão.

Até Moraes dar voz a tudo isso, foi seu corpo que “gritou” por socorro: inúmeras febres sem explicação; episódios de alergia que inchavam seu rosto e seus joelhos, impedindo-o de treinar e jogar partidas importantes — como a final da Copa do Brasil; e muitos analgésicos e corticoides para mascarar as dores física e psíquica.

A sensação de fracasso a cada recuperação malsucedida dentro de campo também influenciou na relação de Moraes com os filhos. Era mais um indício de que a família precisava dele bem, e talvez isso só fosse possível fora das quatro linhas.

“Passei por várias dificuldades na carreira e sempre as superei. Achava que seria assim também. E ficava nesse ciclo. O corpo gritava, eu me recuperava e achava: “Agora vai!”. Mas não ia. Até que chegou o momento em que entendi que precisava cuidar de mim. Eu chegava em casa, meu filho me esperando para brincar de bola, e eu não tinha condições. Ia deitar. Isso afetou nossa relação. Eu entendi que não era um super-herói, que não viveria mais uma história bonita de superação. Era o momento de levantar o braço e falar: “Preciso parar”, reflete o ex-jogador, que manteve a forma por alguns meses no Santos até encerrar a carreira profissional de 17 anos e que faz acompanhamento psicológico.

Agora em São Paulo, ele segue em contato com amigos próximos que permaneceram na Ucrânia e ajuda algumas instituições beneficentes do país. Além do trabalho humanitário, pretende gerenciar carreiras de jogadores em todos os âmbitos, da formação à transição após a aposentadoria. É um jeito de evitar que talentos se percam pelo caminho e de permitir que eles vivenciem o futuro sem a bola.

Mas o sonho do cidadão brasileiro e ucraniano é apenas um: o fim da guerra.

“Meus filhos oram todos os dias para que a guerra acabe, e eles pedem para voltar à Ucrânia e rever as pessoas. Vai ser o dia mais feliz da minha vida — vislumbra Moraes. — As pessoas vão me ver correndo e gritando pela rua e não entender nada. Mas vai ser o dia mais feliz, porque vai parar de morrer gente diariamente”, disse.

Por Tatiana Furtado — O Globo/Rio de Janeiro