FUTEBOL

Conmebol pune com mais rigor infrações de marketing do que o racismo

Dias antes da final da Copa Libertadores 2021, a Conmebol lançou uma campanha com título…

Dias antes da final da Copa Libertadores 2021, a Conmebol lançou uma campanha com título “A falta mais grave é o racismo”. Mas pelo valor básico da multa prevista no Código Disciplinar da entidade para atos discriminatórios, não é bem assim.

Desrespeitar um dos itens do regulamento de marketing resulta em punição mais pesada aos clubes do que injúrias raciais, como a que foi feita por um torcedor do Boca Juniors durante a partida contra o Corinthians.

O artigo 17 do código, que trata da discriminação, prevê que a multa mínima será de pelo menos US$ 30 mil (cerca de R$ 149 mil). Os membros do Comitê Disciplinar podem, de acordo com a circunstância, estipular valor maior. O Olimpia, por exemplo, levou multa de US$ 45 mil (R$ 223,4 mil), depois de um torcedor imitar um macaco durante o jogo contra o Fluminense, na terceira fase. Neste ano, houve um episódio semelhante no River Plate x Fortaleza, que ainda não foi a julgamento -o clube argentino identificou o torcedor, que atirou uma banana em direção aos brasileiros, e disse que o suspendeu dos estádios por seis meses.

Se o Olimpia tivesse cometido um desrespeito ao regulamento da Libertadores relacionado à parte comercial -como permitir que marcas de não patrocinadores da Conembol ficassem expostas no estádio durante os jogos (marketing de emboscada)-, a multa seria de US$ 50 mil (R$ 248,2 mil). Na mesma semana em que o clube paraguaio foi punido pelos gestos racistas, Estudiantes e Millionários levaram muitas maiores por causa da questão ligada ao marketing. Em caso de reincidência na fase de grupos, a multa mínima pelo marketing de emboscada passa dos US$ 50 mil para US$ 100 mil (R$ 496,50 mil).

Se um clube descumprir a entrega de ingressos VIP ou não oferecer uma localização para os convidados conforme o regulamento, a multa mínima é de US$ 150 mil (R$ 744,75 mil), cinco vezes mais do que o ponto de partida para o racismo.

A Conmebol também é implacável, com razão, com técnicos que geram atraso nas partidas. São eles os responsabilizados quando os times não aparecem no campo na hora marcada na fase de grupos. A reincidência para esse tipo de infração traz uma multa de US$ 50 mil, que também é superior à sanção inicial para os atos discriminatórios.

Ao mesmo tempo, é verdade que o código permite aos julgadores aplicar “sanções adicionais” a clubes, jogadores ou quem cometer/assumir a responsabilidade solidária pelos atos de racismo. Como os torcedores não são diretamente submetidos ao código, a punição de suspensão em caso de racismo ou qualquer outro tipo de discriminação – suspensão mínima de dois meses – acaba ficando restrita a jogadores ou dirigentes.

A VISÃO DA ENTIDADE

O entendimento na Conmebol é que, no caso dos desvios relacionados ao marketing, por exemplo, houve uma ação direta dos clubes. Por isso, a multa acaba sendo maior. Nos casos de discriminação por parte dos torcedores, a ação acaba sendo indireta. A Conmebol entende que o racismo pode ser coibido com a interrupção da partida, caso seja um manifestação mais ampla e grave, para além de indivíduos que fazem sinal a outros torcedores.

“Na Conmebol, buscamos consolidar espaços livres de qualquer tipo de violência. Com essa visão, surgiu a campanha que espera sensibilizar sobre a importância de respeitar as diferenças que existem e que o futebol seja uma ponte entre as pessoas”, afirmou Alejandro Domínguez, presidente da Conmebol, em novembro de 2021.

Em todos os processos disciplinares, as multas são descontadas do valor que os clubes têm a receber pelas cotas de participação na competição. A verba é oriunda dos contratos de direitos de transmissão. Na fase de grupos, cada clube ganha US$ 3 milhões (cerca de R$ 14,9 milhões).

COMPARAÇÃO COM OUTRAS ENTIDADES

Curioso é que, olhando de um modo mais amplo à forma com a qual o futebol se propõe a punir atos discriminatórios, a Conmebol parece até mais rígida que outras entidades.

“Ao compararmos as penas mínimas de multa em casos de racismo nos códigos disciplinares de Fifa, Uefa e Conmebol, concluiremos que, ainda que brandas, as multas mínimas aplicadas pela entidade sul-americana ainda são maiores do que as multas mínimas aplicadas pela Fifa [20 mil francos suíços, ou R$ 102,39 mil]”, pontua Rodrigo Marrubia, advogado especializado em direito desportivo e sócio do Carlezzo Advogados, acrescentando: “No caso da Uefa, não há previsão inicial de pena de multa em caso de racismo, mas apenas o fechamento parcial do estádio. As multas passam a ser aplicadas apenas em caso de reincidência e iniciam a partir de 50 mil francos suíços [R$ 255,98 mil].”

O DEBATE BRASILEIRO

Uma discussão no meio jurídico é se agravar as punições aos clubes é ou não o melhor caminho para extinguir o racismo nos estádios. Esse debate voltou à tona no futebol brasileiro por ocasião do julgamento do Brusque, após o presidente do Conselho Deliberativo dizer ao meia Celsinho, do Londrina: “Vai cortar esse cabelo, seu cachopa de abelha”. Celsinho ainda disse ter sido chamado de “macaco” por alguém na arquibancada e registrou Boletim de Ocorrência.

O caso foi parar o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). O clube catarinense chegou a perder três pontos em primeira instância, mas, ao fim do caso, perdeu um mando de campo e foi multado em R$ 60 mil. O dirigente levou multa de R$ 30 mil e aplicou suspensão de 360 dias.

“Temos que respeitar o sistema desportivo e a graduação da pena. A grande premissa que o sistema desportivo prega mundialmente. A jurisprudência é que em último caso se exclua ou tire pontos. Dentro desse sistema temos que quem tem a competência exclusiva de reprimir é o governo e que pune o indivíduo. Nós temos a função acessória e punir com a perda de pontos pune todos em volta. Entendendo o infrator como dirigente”, disse Felipe Bevilacqua, vice-presidente do STJD, durante o julgamento do caso, em novembro de 2021.

Pelo artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), atos discriminatórios podem render multas de até R$ 100 mil. O parágrafo terceiro estabelece ainda que, “quando a infração for considerada de extrema gravidade, o órgão judicante poderá tirar pontos, determinar perda de mando ou até excluir um clube do campeonato.

Até hoje, o clube que recebeu pena mais pesada por injúria racial de torcedor foi o Grêmio. Em 2014, a sanção no STJD foi a perda de pontos na Copa do Brasil. Como era competição mata-mata e o time tinha perdido o primeiro jogo do duelo com o Santos, o efeito prático foi a eliminação, depois de uma torcedora ser flagrada chamando o goleiro Aranha de macaco.

O CBJD está prestes a ser reformulado, como prevê um projeto de lei que tramita no Congresso e vai atualizar a Lei Pelé. O mesmo texto, segundo o substitutivo que está em formulação na Câmara, ainda vai mexer no Estatuto do Torcedor para que penas por casos de racismo sejam aplicadas de forma dobrada a dirigentes ligadas ao esporte.