Em protesto contra racismo, jogadores da NBA ameaçam cruzar os braços
Ameaça de boicote aos jogos da NBA mostra que protestos antirracismo na liga não serão passageiros
Às vésperas das semifinais da Conferência Leste da NBA, o Toronto Raptors deveria estar preocupado em como parar o Boston Celtics, na recuperação de Kyle Lowry ou comemorando o prêmio de melhor técnico do ano para Nick Nurse. Mas pelas entrevistas antes da nova série dos playoffs da liga — retomada há um mês em uma espécie de ‘bolha’ anti-Covid-19, em Orlando —, o sentimento que impera nos atuais campeões não diz respeito ao jogo: é um clima de frustração.
A angústia é pela cena ocorrida na noite de domingo, em Kenosha, no estado americano de Wisconsin: o negro Jacob Blake, de 29 anos, foi baleado com sete tiros à queima-roupa pelas costas por policiais brancos, cena filmada e compartilhada nas redes sociais gerando revoltas. Segundo familiares, Blake está paralisado da cintura para baixo. Wisconsin declarou emergência, depois de prédios e carros serem incendiados.
O caso foi um novo rastilho de pólvora para reaquecer o debate entre atletas, que elevaram o tom.
— Eu estava muito animado, então todos nós assistimos Jacob Blake levar um tiro. Isso muda o tom das coisas — disse o ala Fred VanVleet, dos Raptors. — Está começando a parecer que tudo o que estamos fazendo é apenas seguir os procedimentos e nada está mudando de verdade. E aqui estamos nós novamente com outro incidente infeliz.
Raptors e Celtics se enfrentam nesta quinta-feira, às 19h30 (de Brasília), no primeiro jogo da série melhor de sete. Esse pensamento de que apenas as mensagens nas camisas e os gestos não têm sido suficientes foi compartilhado por outros jogadores e levantou a discussão sobre não entrar em quadra. VanVleet afirmou que o debate sobre “jogar ou não jogar coloca a pressão sobre alguém”. Ao ser questionado sobre a possibilidade de boicote às partidas, Norman Powell, também dos Raptors, disse que o assunto “tem sido falado”.
— Há muitas coisas sendo faladas sobre esta questão delicada. Todo mundo pode vir aqui e falar ‘Black Lives Matter’ (‘vidas negras importam’), fazer discussões em chamadas de vídeo, colocar camisas, mas isso não vai resolver. Ajoelhar durante o hino… isso não vai resolver. Está começando a ficar apagado — disse.
Passos inéditos
Embora tenha ganhado força nos últimos meses, a discussão racial sempre foi sensível a uma liga alicerçada no talento de jogadores negros, vindos de áreas periféricas dos Estados Unidos ou de outras partes do mundo. Eles sofreram discriminação nas primeiras décadas da liga, criada em 1946, sendo desencorajados a pontuar e usando banheiros e quartos separados. Mesmo os primeiros grandes astros negros, como Oscar Robertson e Bill Russell, não escapavam da hostilidade.
Nesta retomada de uma temporada totalmente atípica, a NBA deu passos inéditos ao estampar mensagens antirracismo e a favor de justiça social em seus espaços mais nobres: as camisas dos jogadores e a quadra de jogo. Os jogadores dos 22 times receberam uma lista com 29 opções de frases para serem usadas na parte de trás do uniforme, em diferentes idiomas: mensagens como Black Lives Matter, Say Their Names (diga seus nomes), I Can’t Breathe (eu não consigo respirar), Justice (justiça), Peace (paz), Equality (igualdade), Freedom (liberdade).
O movimento Black Lives Matter ganhou força depois da morte de George Floyd, homem negro assassinado por um policial branco em maio, em Minneapolis, quando a liga estava paralisada por causa da pandemia. Levar a discussão sobre racismo para a bolha de Orlando foi condição dos jogadores para a volta da temporada – alguns cogitavam nem viajar à Flórida.
‘Estamos aterrorizados’
Principal astro, LeBron James é um dos esportistas que passaram a usar redes sociais e entrevistas para tratar o tema.
— Eu sei que as pessoas se cansam de me ouvir dizer isso, mas nós estamos com medo como negros nos Estados Unidos. Homens negros, mulheres negras, crianças negras, estamos aterrorizados — disse LeBron, após vitória do Los Angeles Lakers sobre o Portland Trail Blazers, segunda-feira. Donovan Mitchell, do Utah Jazz, desabafou com um “fod*** os jogos e os playoffs, queremos justiça” e George Hill, do Milwaukee Bucks — único time do estado de Wisconsin na liga — afirmou que “nós nem deveríamos ter vindo a esse maldito lugar”.
Os posicionamentos mostram que a discussão racial não é passageira na liga e o maior astro do basquete mundial da atualidade não está disposto a deixar os casos de Floyd e Blake caírem no ostracismo:
— Ainda tenho um trabalho a fazer porque estou aqui. Porque me comprometi. E quando me comprometo com algo, sinto que tenho que cumprir. Isso é quem eu sou.