Empresas de apostas bancam clubes do Brasileirão, mas não podem operar no País
A falta de uma regulamentação não permite que essas empresas operem no País
O setor de apostas esportivas no Brasil vive uma verdadeira dualidade. Ao mesmo tempo em que já patrocina 85% dos clubes brasileiros da primeira divisão e representa uma fatia importante das propagandas tanto na televisão aberta quanto na paga, os sites não podem operar em solo brasileiro. Apesar da operação ter sido legalizada no fim de 2018, por meio do projeto de lei 13.758, a falta de uma regulamentação não permite que essas empresas operem no País. A saída, portanto, é oferecer os serviços por meio de suas bases no exterior.
Portanto, o jogo no Brasil continua ilegal, salvo as operações comandadas pelo próprio Estado, por meio da Loteria Federal. Mas as empresas estão de olho no andamento da regulação e querem se tornar reconhecidas pelos brasileiros para largar na frente assim que a regulamentação acontecer.
Mesmo assim, esse setor já movimenta bilhões de reais no País. Segundo estimativa feita pela consultoria Sports Value, os brasileiros movimentam algo em torno de R$ 4 bilhões em apostas esportivas por ano. Para completar, no primeiro trimestre de 2021, o total de investimento em propaganda por essas empresas chegou a R$ 140 milhões, três vezes mais do que o visto no mesmo período do ano passado.
As empresas que operam pelo País demonstram interesse em passar a operar no Brasil – e pagar os impostos – caso a regulamentação seja aprovada.
Uma delas é a Betsson. A companhia já opera no Brasil um “fantasy game”, que consiste na escalação de um time imaginário e que a pontuação ocorre de acordo com o desempenho do jogador de futebol na vida real. É o mesmo estilo que o Cartola, da Globo, explora há alguns anos. No caso da Betsson, há pagamentos em dinheiro que chegam a até R$ 10 mil por rodada, algo que já é permitido.
Porém, a marca também tem um site de apostas funcionando. Mas como a regulamentação ainda não ocorreu, o site é operado pela companhia que tem licença em Malta.
“Somos a exceção no Brasil, uma mosca branca, mas também queremos trazer a operação do site de apostas para cá quando o negócio for regulamentado”, diz Andre Gelfi, diretor geral da Betsson no Brasil. A empresa também aposta em patrocínios para ser mais conhecida: decidiu dar o maior valor da história do time pernambucano Ibis, conhecido como o “pior time do mundo”.
Outras marcas, no entanto, já estão apostando em times bem maiores. Recentemente, a SportsBet.io anunciou o maior patrocínio da história do São Paulo para ocupar o espaço principal em sua camisa. Os valores não foram divulgados, mas a Sports Value enxerga que, no mínimo, foi pago R$ 17 milhões pelo espaço, que ficará com a marca da empresa até 2024.
“Os sites de apostas também aproveitaram um momento de crise, em que há menos interessados em patrocinar o futebol por causa da pandemia, para conseguir maior exposição”, diz Amir Somoggi, sócio da Sports Value.
A Betsul é a empresa que tem mais times patrocinados: Internacional, Grêmio, Fortaleza, Chapecoense e Ceará. No caso do colorado e do tricolor, além do valor de patrocínio, a empresa também ofereceu a possibilidade de ambos terem lojas com os seus nomes e que funcionarão como uma lotérica – a empresa está de olho na exploração das loterias do Rio Grande do Sul. Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal liberou a exploração do serviço público de loterias diretamente pelos Estados, mas ainda falta uma legislação para definir como essa exploração funcionará.
“Fomos procurados há cerca de um mês e meio com essa proposta e vimos que se trata de um caminho sem volta. E, além da participação no valor das apostas, também vamos poder fazer diversas ações”, afirma Jorge Avancini, vice-presidente de marketing do Internacional.
O movimento está acelerado. A Galerabet, por exemplo, sequer estreou o seu site no Brasil (mas com servidores em Israel e no Chipre, além da licença ser de Malta). Mesmo assim, já é patrocinador do Corinthians, do Sport e do Cruzeiro. Com a entrega prevista para agosto, a companhia, que a PlayTech, empresa com capital aberto na Bolsa de Londres, como um de seus investidores, enxerga um grande potencial no mercado com a regulação e na geração de empregos.
“Não faz sentido operar no Brasil com um atendente paquistanês ou indiano. Queremos gerar emprego e gerar mercado no País”, diz Ricardo Rosado, vice-presidente de desenvolvimento de negócios e marketing da Galerabet.
O governo fez uma estimativa considerada conservadora de que pode arrecadar R$ 400 milhões a R$ 700 milhões em impostos com a regulamentação dos sites de apostas. E segundo o secretário de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria, Gustavo Guimarães, há um trabalho dentro do Ministério da Economia para que este projeto de regulamentação saia até o fim do ano que vem. De repente, até mesmo antes da Copa do Mundo de 2022, que será realizada no Catar em novembro.
“Cada dia que o passo, é um dia a menos que temos para explorar um mercado que já funciona, mas que precisa ser regulado para trazer segurança e gerar arrecadação para o governo”, diz o secretário.
RISCOS DE MANIPULAÇÃO E VÍCIO RONDAM O SETOR – Apesar de ser liberado em boa parte dos principais mercados, há muita discussão a respeito dos efeitos negativos que o setor de apostas pode gerar, inclusive na área de saúde pública. Afinal, trata-se de um jogo que pode gerar vício. Não à toa, desde 2004, atividades como o bingo e máquinas caça-níqueis são proibidos no Brasil. Por problemas como esse, há uma série de discussões em alguns locais, como a Inglaterra, para limitar ou até mesmo banir a propaganda de sites de apostas em clubes de futebol.
Para se ter uma ideia, na Inglaterra mais de 80% dos times da primeira e segunda divisão têm algum patrocínio ligado ao setor de apostas.
No Brasil, essa discussão ainda não existe, mas pode surgir em breve. Por agora, o crescimento do mercado à revelia de uma regulamentação pode trazer problemas tanto para o esporte quanto para os próprios consumidores. Sem regras e com empresas com sedes fora do Brasil, por exemplo, caso um cliente não tenha recebido o valor da sua aposta, não há a quem reclamar.
Para completar, um mercado sem regulação também não cria um arcabouço legal para evitar manipulações de resultados, como aconteceu em 2005 no caso que ficou conhecido com Máfia do Apito, em que juízes beneficiavam ou auxiliavam times em benefícios de apostadores.
“Não há um aparato bem montado para identificar desvios e evitá-los. E a insegurança jurídica do mercado brasileiro também acaba afastando os maiores investidores do mundo”, diz o advogado Pedro Trengrouse, sócio do escritório Trengrouse & Gonçalves e especializado no setor.
Segundo o secretário de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria, Gustavo Guimarães, todos os pontos estão sendo colocados em discussão na regulação. Ele ainda cita a preocupação com a lavagem de dinheiro e desvios. “Os desafios são imensos e vamos propor uma legislação que projeta o apostador e que também tenha os cuidados com a patologia do jogo”, afirma Guimarães.