APOSTAS

Globo, Kwai, Caixa e investigados se credenciam para operar apostas no Brasil

Ao todo, 134 empresas se manifestaram para atuar no mercado de apostas esportivas online no Brasil

Apostas esportivas. Foto: Divulgação

JOÃO GABRIEL E PAULO SALDAÑA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A lista de 134 empresas que manifestaram ao Ministério da Fazenda interesse em atuar no mercado de apostas esportivas online, as chamadas bets, inclui uma série de companhias sem registro no Brasil, algumas já investigadas pela polícia, além de gigantes do meio de cassinos.

Há também empresas conhecidas como o Grupo Globo, a plataforma Kwai e a Caixa Econômica Federal, instituição que tem o monopólio das loterias no país.

As apostas online foram liberadas em 2018, sob Michel Temer (MDB), mas a regulamentação não avançou na gestão Jair Bolsonaro (PL). Agora, o governo Lula (PT) busca tocar o regramento.

A demora na regulamentação fez com que o mercado fosse dominado por casas com registro em outros países, com atuação sem regras claras nem fiscalização.

No ano passado, a pasta comandada por Fernando Haddad abriu prazo para empresas manifestarem interesse em atuar no mercado, embora ainda sem os critérios oficiais para a regulamentação.

A Folha de S.Paulo cruzou essa lista com algumas bases de dados, como a da Receita Federal.

Ao menos duas empresas interessadas já foram alvo de investigações da polícia e do Ministério Público. Uma das mais famosas é a Blaze, que opera no paraíso fiscal Curaçao e é registrada como Prolific Trade N.V..

No final de 2023, a Polícia Civil de São Paulo passou a investigar a Blaze e o game conhecido como Jogo do Aviãozinho. A plataforma é acusada de estelionato por não pagar prêmios a apostadores, mas a polícia também trabalha com a hipótese de organização criminosa, pichardismo e até lavagem de dinheiro.

O caso fez com que uma série de influenciadores contratados para promoção da marca rompessem acordos. Neymar, um dos garotos-propaganda, continua estampado nos sites da Blaze.

A Justiça já determinou a retirada do site da Blaze do ar, o que é recorrentemente driblado com links alternativos, segundo investigadores ouvidos pela Folha de S.Paulo. Também foi determinado o bloqueio de R$ 101 milhões de contas da empresa. Nem a polícia sabe ao certo quem são os donos da Blaze.

A defesa da empresa disse ela opera com altíssimo nível de profissionalismo, que manter sites de apostas no exterior não é crime, que pelo menos um dos inquéritos contra ela já foi arquivado e que o site foi desbloqueado.

“A insistência na realização de investigações criminais sem fundamento concreto traz um desnecessário esgarçamento institucional com os demais Poderes que estão regulamentando o tema”, afirmou, em nota.

Outra credenciada no governo que já teve problemas com a Justiça é Majorsports, cuja razão social é JBD Comunicação e Tecnologia Ltda..

O empresário pernambucano Jorge Barbosa Dias, dono da empresa, foi investigado em 2018 por suspeita de lavar dinheiro supostamente proveniente de jogos de azar. Chegou a se tornar réu no ano passado, mas decisão relacionada a outro envolvido suspendeu a ação –promotores tentam reverter.

A defesa de Jorge Barbosa Dias, a cargo do advogado Eugênio Aragão, afirmou em nota que “não há contra ele nenhuma denúncia ou inquérito em tramitação” e que ele “possui todas as licenças para a exploração de apostas esportivas, o que faz em país estrangeiro por meio de plataforma digital devidamente registrada”.

O Ministério da Fazenda definirá um conjunto de exigências para as empresas. Alguns pontos, como ter sede no Brasil, já são descritos pela lei, mas outros, como o capital social mínimo, serão determinados em portarias que ainda não foram publicadas.

A tendência é que a Fazenda determine que as casas de aposta tenham um mínimo de capital social, segundo relatos de envolvidos nas negociações entre governo e empresas.

A pasta deve definir uma faixa entre R$ 25 milhões e R$ 40 milhões, além da obrigatoriedade de declarar como atividade a exploração de apostas –nomenclatura já existente.

Das 134 empresas que manifestaram interesse prévio, apenas oito declaram, hoje, ter capital social acima da faixa de R$ 25 milhões, e sete, acima de R$ 40 milhões. Dessas oito, somente duas têm também como atividade a exploração de apostas –uma delas, com capital social de R$ 30 milhões.

Todas as empresas devem precisar de adaptações para cumprir as exigências da Fazenda para operação no Brasil para o mercado de apostas de alíquota fixa –o que inclui apostas esportivas, “fantasy” e cassinos online. A lei prevê um período de seis meses para que elas se enquadrem.

Do total de inscritas, pelo menos 50 se apresentaram à Fazenda com registros fora do Brasil.

Udo Seckelmann, que trabalha no escritório Bichara e Motta Advogados e acompanha o assunto desde 2019, avalia que o prazo é suficiente para as casas de apostas se adaptarem sem grande dificuldade.

“Um dos anexos da manifestação de interesse era o de se comprometer a abrir uma pessoa jurídica no Brasil. Então, essa empresa que não está criada ainda, quando tiver um edital certinho explicando as exigências, deve ser”, afirma.

Ter manifestado interesse não obriga a empresa a fazer o requerimento de outorga, que custará até R$ 30 milhões por cinco anos, mas deve dar a ela prioridade para emissão da autorização.

O cruzamento de dados feito pela Folha de S.Paulo encontrou empresas com capital social de menos de R$ 1.000 –em um caso, de R$ 0– e companhias sem relação com o jogo, como holdings, agências de publicidade, empresas de serviços de escritórios e imobiliárias.

Algumas das interessadas têm sede em paraísos fiscais, como Curaçao e Delaware, ou são CNPJs no Brasil que têm como sócios companhias multinacionais estrangeiras.

Outra que manifestou interesse foi a rede social Kwai, inscrita pela Fortunever Brasil, companhia que tem como único sócio a Joyo –o CNPJ que, no Brasil, responde pela plataforma.

O administrador cadastrado na Receita para a Fortunever é o mesmo advogado que representa a rede social, por exemplo, em processos no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Procurada, a Kwai não se pronunciou.

Também o Grupo Globo se credenciou na lista por meio do CNPJ que gere o jogo Cartola Express, uma vertente do mais conhecido jogo do tipo “fantasy”, o Cartola.

A Globo se manifestou por meio da DFS, empresa que é responsável pelo jogo e afirmou estar “atenta a novas oportunidades” de negócio. “A partir da nova regulamentação, a empresa está estudando o potencial do segmento de apostas esportivas no Brasil, assim como uma possível evolução do segmento de fantasy.”

A Caixa Econômica é outra marca conhecida que está na lista da Fazenda. O banco é responsável hoje por operar as Loterias, modelo submetido a outra legislação que não a de apostas de alíquota fixa, caso das apostas esportivas e dos cassinos online.

“Como ator relevante no mercado brasileiro de loterias, [a Caixa] atua constantemente no desenvolvimento de novos produtos e negócios de jogos. Assim, manifestou interesse prévio na autorização para apostas esportivas de quota fixa junto ao Ministério da Fazenda”, afirmou o banco, em nota.

Constam na lista, ainda, uma filial do famoso resort e cassino de Las Vegas, o MGM, que ostenta o histórico símbolo de um leão dourado. Além, de algumas das principais casas de apostas que já operam no Brasil, como Bet 365 e Sportingbet.