Futuro do skate, Karolzinha herdou paixão que salvou a vida do pai
O pai de Karolzinha disse a ela que a vida no skate é feita de quedas
O pai de Karolzinha disse a ela que a vida no skate é feita de quedas. E não se cai só na hora da manobra, mas quando falta dinheiro para as competições e mesmo antes de ela nascer, quando ele desviou das brigas e drogas sobre uma prancha com rodinhas.
Para Carlos Henrique dos Santos, conhecido como Bob, o skate sempre foi salvação e jamais deveria ser marginalizado. Assim moldou a filha, de 16 anos, para se tornar uma das esperanças de medalha do Brasil em Paris-2024, já que foi campeã brasileira de skate street feminino em 2019 e faz parte da seleção nacional. Para sair de Maceió, no entanto, o caminho é longo.
O sucesso não foi planejado. Bob andava por diversão com os amigos e o filho mais velho quando Carla Karolina dos Santos Silva lhe pediu um skate. Ele relutou e deu um básico, que ela quebrou em duas semanas. Já tentava manobras aos sete anos.
“Quando você anda de skate, sabe quem está ali só para se divertir e quem quer competir. A Karol tinha esse perfil já naquela época. Nós andávamos 15 quilômetros para chegar numa pista decente aqui da cidade”, conta Bob, 38.
As coisas nunca foram fáceis. Na infância e adolescência, ele chegou a usar drogas e a traficar. Numa festa, aos 15 anos, se viu encurralado em uma troca de tiros.
“Nenhum dos meus amigos dessa época está vivo. Éramos crianças, mas já havia aquilo de grupinho de bairro criando rivalidade, e eu, sem entender direito e sem nunca ter pegado numa arma, estava no meio de uma confusão. Levei um tiro e quase morri. A partir dali, tentei sair dessa vida”, conta.
Antes do período hospitalizado, Bob só tinha visto um skate uma vez na vida, quando um parente o visitou.
Quando arrumou um emprego como servente de pedreiro, viu um amigo manobrando na rua, o que despertou de vez a paixão pela modalidade. Bob pegou todo o seu primeiro salário e comprou um skate, que o tiraria das amizades ruins.
“Só que os caras não te deixam sair fácil. Eu comecei a andar de skate, fui me afastando, mas os amigos antigos me encontravam e me roubavam na rua, roubaram minha casa, mas eu saí. O skate é família. Essa visão marginalizada da sociedade se esquece de histórias como a minha.”
Avance 23 anos e encontre Bob tentando dar condições à filha para se tornar uma atleta. Como a modalidade deles é o street, que simula as ruas, ele se tornou desenhista, construtor e inspiração.
“Tive que aprender a construir os obstáculos. À noite, íamos à uma praça próxima de casa para fixar tudo. Tinha que ser à noite para que os vizinhos não reclamassem e para que a polícia não visse”, diz.
Na praça havia tráfico e uso de drogas. Para se proteger das abordagens da polícia, as pessoas tentavam se misturar com os skatistas, e eram comuns as revistas policiais.
“E eu não tinha noção disso, era nova e só pensava em acertar as manobras e andar com meu pai. Sei que tivemos que passar por muita coisa para chegar aqui”, diz Karol.
Sem competições em Maceió, ela passou por vários locais de treinamento. Depois da praça, foi para uma igreja e agora treina no pátio da sua escola, com os obstáculos construídos pelo pai. Eles têm a chave e treinam à noite durante a semana e o dia todo aos sábados e domingos.
“Ganhar é uma questão de prática”, ela tatuou na pele um dia antes de receber a reportagem da Folha. “Eu não tinha ranking, posição, nada. No skate, se você tem pontuação, entra em fases mais avançadas dos torneios. Tive que começar da primeira prova e precisava ganhar as baterias até que cheguei à final. Venci 50 skatistas em dois dias”, diz.
Ela agora se divide entre Maceió, São Paulo e qualquer lugar que tenha uma pista boa.
“Quando as redes sociais ganharam força, eu comecei a gravar os vídeos dela e a postar. A gente faz isso até hoje porque chama atenção, como aquele vídeo da Fadinha postado pelo Tony Hawk. Vivemos um esporte em que não adianta só ter talento”, analisa Bob. Karolzinha tem 40 mil seguidores no Instagram.
Ele próprio mandou vídeos para marcas até conseguir patrocínios para a filha, mas ainda é preciso escolher entre pagar uma conta de casa ou a taxa de uma competição. Bob é dono de uma loja de skate há oito anos e, segundo ele, a renda mensal é de R$ 2.000.
“Ela já ficou fora de algumas coisas porque não tinha a grana. Já fiz vaquinha, a família chegou junto, mas nem sempre dá. No Brasil, o centro do skate é São Paulo, mas o skatista precisa ir para os Estados Unidos e ganhar competições lá para se manter.”
As Olimpíadas de Tóquio, com as três medalhas de prata para o Brasil, podem desmarginalizar o esporte.
“As pessoas vão comprar skates, só que não tem onde andar. É uma peça que vai ficar sem uso até que invistam em praças, iluminação, competições”, diz Bob. Ou até que um pai gaste três vezes o que ganha para construir os obstáculos para a filha.
Bob é sonhador, monta estratégias e idealiza. E Karolzinha se esforça para tornar isso tudo real.