Campeonato Brasileiro

No Santos, Aguirre tenta repetir receita de ‘feito impossível’ no Peñarol

O time surpreendeu ao chegar à decisão, mas não superou o Santos de Neymar

Uruguaio Diego Aguirre enfrentou o Santos na final da Libertadores, pelo Peñarol, em 2011. Foto: Raul Baretta - Santos FC

Diego Aguirre estava desempregado em dezembro de 2009, após o fim do ciclo como técnico da seleção sub-20 do Uruguai, quando encontrou o presidente do Peñarol, Juan Pedro Damiani, para um almoço aparentemente despretensioso no bairro de Carrasco, em Montevidéu.

Aguirre e Damiani já tinham relação próxima. Em 1985, enquanto secretário-geral do Peñarol, Damiani foi o dirigente responsável pela contratação do então atacante promissor do Liverpool, do Uruguai, que também fez carreira no Brasil.

Anos depois, em 2003, convenceu seu pai, José Pedro Damiani, histórico presidente do clube, a dar uma chance a Aguirre na nova carreira como treinador, após bom trabalho no pequeno Plaza Colonia.

No reencontro, o treinador surpreendeu Damiani com um desafio. “Quer ser campeão novamente? Contrate-me”, disse.

A frase soou estranha. No início dos anos 2000, o clube vivia uma crise sem precedentes, já não conquistava um título havia sete anos e estava mergulhado em um enorme buraco financeiro.

O ex-jogador (herói, como atacante, do último título do Peñarol na Copa Libertadores, em 1987, com gol no fim da prorrogação) precisou só de cinco meses para cumprir a promessa e dar fim ao jejum de maneira incontestável: venceu os 12 primeiros jogos e faturou o Campeonato Uruguaio com três rodadas de antecedência.

“Ele foi simples e direto naquela conversa. Depois, em 2011, quando voltamos à Libertadores, ele me falou: ‘Se eu conquisto a Libertadores, você me dá o carro’. E quase conseguiu. Por isso, creio que o Santos fez uma ótima escolha”, disse Damiani à reportagem.

Aguirre, de fato, ficou bem perto do sonhado veículo presenteado por uma montadora japonesa ao melhor jogador da final ou ao técnico campeão. O time surpreendeu ao chegar à decisão, mas não superou o Santos de Neymar. O carro ficou com o técnico Muricy Ramalho, mas o uruguaio recuperou a honra do Peñarol.

Agora, foi o escolhido para o que possivelmente será um desafio tão grande quanto o que assumiu em 2010: livrar o próprio Santos de um inédito rebaixamento.

O uruguaio de 57 anos é o 11º técnico da gestão do presidente Andres Rueda -o mais longevo foi Odair Hellmann, com 34 jogos. Há casos como os de Lisca e Paulo Turra, que acabaram demitidos com oito e sete jogos, respectivamente.

“Estou absolutamente seguro de que ele vai conseguir tirar o Santos dessa posição. Aponto Diego como um dos grandes técnicos formados pelo Uruguai. Era um candidato seguro para a sucessão de [Óscar] Tabárez na seleção, pois sabe como ninguém arrumar uma equipe. Até hoje é inexplicável para muitos como não foi o escolhido”, afirmou Damiani.

Aguirre, de fato, aparecia como o principal na fila de sucessão após 15 anos de Tabárez à frente da Celeste.

Diego Alonso acabou escolhido para a reta final das últimas Eliminatórias e, posteriormente, para a Copa do Mundo do Qatar. Neste ano, a entidade optou pelo argentino Marcelo Bielsa.

O Santos vive hoje um dos piores momentos de sua história. Com o time há duas rodadas na zona de rebaixamento, paira sobre a Vila Belmiro um temor de uma queda ainda inédita -mesmo com lutas diretas nos últimos dois anos, como ocorrera em 2008 e 2009.

“Estou acostumado a dirigir equipes grandes, com pressão. O tamanho do Santos não me deu nenhuma dúvida em aceitar a proposta”, avisou Aguirre, na chegada, apesar do cenário tenso.

Recentemente, Paulo Roberto Falcão pediu demissão do cargo de coordenador esportivo após denúncia de importunação sexual contra uma funcionária do hotel onde vivia. O caso ainda é investigado, e o ex-jogador negou as acusações.

Em 2023, o Santos sucumbiu pelo terceiro ano consecutivo ainda na fase de grupos do Campeonato Paulista. O time terminou o torneio estadual na 11ª colocação, sendo o único dos quatro grandes fora do mata-mata.

O mesmo ocorreu na Copa Sul-Americana: a equipe não alcançou classificação em grupo com Newell’s Old Boys (ARG), Audax Italiano (CHI) e Blooming (BOL). Na Copa do Brasil, foi eliminado pelo Bahia, nos pênaltis, nas oitavas de final.

Aguirre chegou ao clube para pôr em prática o que seus pares e pessoas mais próximas dizem ser um trunfo acima até mesmo das habilidades como técnico: as relações pessoais.

“Tudo o que faz como treinador é muito bom. A sua equipe de trabalho também é excelente, mas nada se compara com a pessoa que é. É extraordinário como ser humano, pai, marido, amigo. Querido em todos os lados”, afirmou o agente Pablo Boselli.

Mas o comandante não tem todas as soluções e viu que o cenário realmente era complicado em sua estreia, uma derrota por 4 a 0 para o Fortaleza, em Fortaleza. Na semana seguinte, após uma suada vitória de virada sobre o Grêmio, em Santos, por 2 a 1, disse que os atletas estão engajados na recuperação.

“Aconteceram muitas coisas nesta semana. Os jogadores pediram para falar entre eles. Eles conversaram por uma hora, sozinhos”, contou. “Eles se comprometeram com as coisas que vêm pela frente.”

O Santos está na 17ª colocação do Campeonato Brasileiro. Tem a mesma pontuação do Bahia, o primeiro clube fora da zona de rebaixamento, que leva vantagem no saldo de gols. A equipe alvinegra jogará contra o Atlético Mineiro, às 16h deste domingo (27), em Belo Horizonte, com transmissão do Premiere.

Aguirre, em seus primeiros atos, deu fim ao afastamento por indisciplina do venezuelano Yeferson Soteldo e tentou conciliar a situação com Marcos Leonardo, principal goleador santista na temporada, que não treinava, insatisfeito com o insucesso das negociações que o levariam à Roma, da Itália.

O treinador e o novo coordenador de futebol, Alexandre Gallo, conversaram com o jogador e o convenceram a voltar. Soteldo foi decisivo com duas assistências diante do Grêmio, assim como Marcos Leonardo, autor de um gol. O antecessor dele, Paulo Turra, sofreu críticas pelo choque de gestão com o grupo, apesar de ter negado problemas na saída.

Agora, Aguirre e Santos terão mais 18 rodadas para provar que desafios nunca são impossíveis para os dois. O clube recentemente recuperou a Vila Belmiro, após redução da punição de oito para quatro jogos com portões fechados.