APOSTAS

Países limitam publicidade e criam restrições diante de escândalos de apostas esportivas

Nos EUA, as apostas legais ultrapassam R$ 1 trilhão desde 2018

O West Ham é um dos clubes ingleses que tem uma casa de apostas como patrocinador master. Foto: Divulgação - West Ham

Legisladores e autoridades regulatórias que deram início à expansão descontrolada dos jogos de azar legalizados nos Estados Unidos estão agora se movimentando, em diversas regiões do país, para reforçar a fiscalização do setor. O principal alvo é publicidade, que pode influenciar apostadores menores de idade.

As medidas de repressão se estendem aos apostadores, já que pelo menos três estados americanos, diante do salto no número de casos de comportamento abusivo, responderam com medidas para barrar apostadores que ameaçam ou assediam atletas depois de perder apostas.

Essa abordagem mais agressiva com relação às apostas online é evidente em países do mundo todo, como Austrália, Bélgica, Canadá, Holanda e Reino Unido, onde as autoridades nos últimos meses colocaram em vigor ou propuseram novas restrições às apostas online –em alguns casos proibindo o uso de celebridades na divulgação bem como quase todas as formas de publicidade.

Nos Estados Unidos, 33 estados e o distrito de Columbia (a região da capital, Washington) oferecem apostas esportivas legais. Kentucky, Maine, Nebraska e Flórida estão a caminho de legalizá-las. Isso significa que mais da metade dos americanos vive em locais onde as apostas esportivas são permitidas, cinco anos depois de a Suprema Corte ter derrubado uma lei que proibia a maioria dos estados de legalizar a prática.

Coletivamente, as apostas legais dos americanos em esportes ultrapassaram US$ 220 bilhões (R$ 1 trilhão, na conversão atual) desde o processo judicial de 2018.

Nos Estados Unidos, os ajustes nas regulamentações e leis estaduais começaram no primeiro trimestre deste ano em estados como Nova York, onde as apostas esportivas móveis por meio de celulares atingiram um total de US$ 16,5 bilhões (R$ 81 bilhões), e extraordinários US$ 909 milhões (R$ 4,4 bilhões) em arrecadação de impostos e taxas de licenciamento foram registrados no primeiro ano em que a prática foi legalizada.

Mas o crescimento explosivo das apostas esportivas online também gerou preocupações crescentes de que elas possam causar danos. Nova York reagiu propondo novas regras que proíbem qualquer publicidade em campi universitários. Também impediu que a publicidade seja “destinada a pessoas com idade inferior à mínima” –21 anos, no estado. Já Ohio intensificou as ações de fiscalização.

“As pessoas estão despertando para a necessidade de intervir, e não esperar uma década e sofrer todo o impacto dos efeitos nocivos disso, especialmente sobre os menores de idade”, disse Matt Schuler, diretor executivo da Comissão de Controle de Cassinos de Ohio, que afirmou estar extremamente decepcionado com o conteúdo da publicidade em seu estado quando as apostas começaram, este ano. “O setor certamente nunca será capaz de se policiar sozinho.”

A estimativa é de que US$ 1,8 bilhão (R$ 8,8 bilhões) tenha sido gasto em publicidade de jogos de azar online no ano passado, nos mercados locais dos Estados Unidos, de acordo com a BIA Advisory Services –empresa que coleta dados sobre o setor. Isso representa um aumento de quase 70% em apenas um ano, o que contribuiu para a sensação de algumas autoridades regulatórias estaduais –e de muitos espectadores de esportes– de que as ondas de rádio e TV estão saturadas de publicidade sobre apostas esportivas.

Nos últimos seis meses, Maryland, Maine, Massachusetts, Ohio e Connecticut promulgaram ou propuseram novas regras relacionadas a apostas esportivas, algumas das quais já estão em vigor ou aguardando aprovação final. As medidas diferem de estado para o estado, mas a maioria visa impedir o marketing enganoso ou as promoções de apostas esportivas dirigidas a menores de idade.

O Maine propôs regras que permitiriam que comerciais televisivos de apostas esportivas fossem exibidos somente durante transmissões de jogos ao vivo, o que seria a norma mais restritiva dos Estados Unidos. O estado também proibiu anúncios que ofereçam bonificações para apostas e proibiu o uso de “personagens de desenhos animados, atletas profissionais ou olímpicos, celebridades ou artistas” na publicidade.

No mês passado, Massachusetts proibiu formalmente o marketing em campi universitários e a publicidade dirigida a menores de idade. Neste mês, o estado também se uniu a Nova York ao proibir que as empresas que fazem marketing de apostas esportivas recebam uma comissão sobre as apostas feitas por clientes que elas encaminham às plataformas, com base na preocupação de que esses acordos possam alimentar o problema do vício em jogo.

Brian O’Dwyer, presidente da Comissão de Jogos de Azar do Estado de Nova York, disse que as apostas esportivas em seu estado estavam gerando uma receita tributária inesperada. Mas, acrescentou, “temos de nos certificar de que não viciemos as pessoas, não promovamos o jogo problemático e certamente de que não promovamos o jogo para menores de idade”.

Maryland e Connecticut estão agindo, separadamente, para proibir as empresas de apostas de assinarem acordos com universidades públicas, sob os quais paguem às escolas para ajudá-las a comercializar suas plataformas de apostas esportivas.

“Em minha opinião, é revoltante”, disse Amy Morrin Bello, deputada estadual democrata pelo distrito de Wethersfield, em Connecticut, sobre os acordos que empresas assinaram com oito universidades em todo o país. Seu projeto de lei proibindo essas parcerias foi aprovado este mês por 142 votos a 0.

Morrin Bello e O’Dwyer disseram que as medidas regulatórias propostas por eles foram motivadas por uma reportagem do The New York Times no ano passado sobre o crescimento explosivo das apostas esportivas nos Estados Unidos, que destacava sua comercialização em campi universitários.

A comissão de controle de cassinos de Ohio impôs mais de US$ 800 mil (R$ 3,9 bilhões) em multas a empresas de apostas esportivas de janeiro para cá. Entre os infratores estava a DraftKings, uma das plataformas de apostas de maior destaque, que admitiu ter afirmado, ilegalmente, que os apostadores poderiam fazer apostas “grátis” e enviou por engano 2.582 anúncios para residentes do estado com menos de 21 anos de idade, instando-os a baixar seu app e receber US$ 200 (R$ 980) em apostas grátis.

A Penn Entertainment, outra grande empresa de apostas esportivas que opera sob a marca Barstool, foi multada separadamente, em fevereiro. No final do ano passado, no campus da Universidade de Toledo, a Barstool organizou um evento de futebol americano universitário para promover o app de apostas esportivas da empresa, apesar da proibição de publicidade direcionada a menores de 21 anos.

Nenhuma das duas empresas quis comentar.

Schuler disse que a aplicação da lei resultou em maior respeito às normas por parte dos anunciantes. Mas ele disse que ainda tinha preocupações, como os logotipos das empresas de apostas afixados nas camisas dos jogadores do time de futebol profissional sediado em Columbus, uma prática que ele classificou como “totalmente ofensiva”, já que esses jogadores são heróis para muitos jovens. “A ganância deles supera o bom senso que deveriam empregar para prevenir danos aos menores de idade”, ele disse, acrescentando que atualmente não tem autoridade para proibir os serviços de apostas patrocinadores de estampar sua marca em uniformes esportivos.

Apostadores atacam atletas

O crescimento do comportamento abusivo direcionado a atletas universitários e esportistas profissionais chamou a atenção de treinadores e dos próprios jogadores. Anthony Grant, técnico do time de basquete masculino da Universidade de Dayton, condenou ataques verbais e online contra seus jogadores por parte de apostadores furiosos, em janeiro, poucos dias depois que o estado de Ohio legalizou as apostas esportivas.

Em uma audiência no mês passado em Illinois, Josh Whitman, diretor esportivo da principal universidade do estado, pediu aos legisladores que mantivessem a proibição de apostas nos esportes universitários em Illinois. Ele apresentou aos legisladores uma carta, assinada por representantes de muitas das universidades do estado, que incluía cinco páginas de comentários grosseiros –e ocasionalmente racistas– dirigidos a jogadores e equipes.

Chris Boucher, ala do Toronto Raptors da NBA, descreveu em um podcast em março uma das mensagens odientas que recebeu de um apostador. “Escolhi o escravo errado hoje”, a pessoa escreveu para Boucher nas mídias sociais, depois de perder uma aposta.

Embora a redação das medidas varie, a legislação ou as mudanças de regras propostas ou aprovadas em Ohio, Virgínia Ocidental e Massachusetts este ano permitiriam que as autoridades estaduais barrassem apostadores que ameacem ou assediem atletas.

O setor de apostas esportivas apoiou as propostas, dizendo que abomina esse tipo de comportamento com relação aos atletas.

“Não há absolutamente espaço algum para isso”, disse Casey Clark, vice-presidente sênior da American Gaming Association, cujos membros incluem a maioria das grandes operadoras de cassino, bem como a FanDuel e a DraftKings. “E qualquer pessoa que leve sua reação a perder uma aposta a esse extremo, creio, tem um problema de vício em jogos de azar e precisa buscar ajuda’.

O setor de jogos de azar e as ligas esportivas profissionais anunciaram esforços para confrontar as práticas prejudiciais – e evitar um endurecimento obrigatório das regras.

Isso inclui revisões do “código de marketing responsável” da American Gaming Association, endossando a proibição de uso do termo “apostas sem risco” e proibindo parcerias de marketing com universidades. As ligas esportivas profissionais e algumas redes de televisão se uniram para criar o que chamam de Coalition for Responsible Sports Betting Advertising, e divulgaram declarações como “as apostas esportivas devem ser comercializadas apenas para adultos em idade legal para apostar”.

Clark disse que o setor tomou medidas para enfrentar questões que estão sendo encaminhadas às autoridades regulatórias, refletindo um compromisso de “prover o tipo certo de proteção ao consumidor, que permitirá um mercado legal sustentável de apostas esportivas”.

Brianne Doura-Schawohl, lobista que representa um conselho nacional que debate problemas com apostas, disse que as medidas tomadas para endurecer as regras foram uma resposta ao trabalho desleixado que as autoridades estaduais fizeram ao promulgar leis que legalizaram as apostas esportivas de 2018 para cá.

“São discussões que deveriam ter acontecido antes da legalização”, disse ela.

As ações das autoridades regulatórias em outros países, acrescentou Doura-Schawohl, refletem o que pode vir a seguir se o setor americano de apostas esportivas não agir rapidamente para evitar problemas que emergiram em países nos quais, em alguns casos, as apostas esportivas são legais há muitos anos.

Limites em outros países

A Austrália está se preparando para proibir o uso de cartões de crédito para fazer apostas online, que já respondem por cerca de 20% das apostas realizadas no país. A Bélgica e a Holanda, a partir da metade do ano, vão proibir a publicidade de jogos de azar na televisão, rádio, jornais e espaços públicos.

“Se você tem anúncios não direcionados –outdoors e comerciais de TV– não pode controlar quem os vê, incluindo jovens e pessoas com problemas de jogo”, disse Frerick Althof, porta-voz do ministro de proteção legal da Holanda.

A maior província do Canadá, Ontário, propôs no mês passado a proibição do uso de atletas e celebridades na publicidade de jogos de azar, concluindo que “o potencial impacto prejudicial sobre a população mais vulnerável, os menores de idade, continua alto”.

E, no Reino Unido, a agência governamental que supervisiona os jogos de azar online divulgou no mês passado um estudo há muito aguardado que concluiu que “é necessário mudar agora”, pois “o jogo representa o risco de se tornar um vício clínico”.

O documento propôs “verificações de risco financeiro” para apostadores que perdem mais de US$ 160 (R$ 784) por mês, além de endossar um movimento para remover os logotipos de jogos de azar da frente das camisas dos jogadores.

Clark, da associação setorial das empresas de apostas, disse que o setor de jogo se oporia caso algumas dessas mudanças sejam propostas nos Estados Unidos, como se opôs à limitação de valor de apostas proposta no Maine, que a associação considera como rigorosa demais.

“Sempre quisemos aprender com os mercados mais maduros”, disse ele. Mas, acrescentou, “não apoiamos restringir, quando podemos comercializar negócios legais e regulamentados”.