Por que a ida do PSG, hoje ligado ao Qatar, à final da Champions é perigosa
Estado com um histórico de direitos humanos extremamente questionável finalmente conseguiu entrar no jogo mais distinto do futebol de clubes
Um dos grandes objetivos é suavizar a imagem de um estado, com o entretenimento do futebol criando um elo subliminar com uma imagem benigna desta nação. Isso é explicitamente o que justifica o desafio, especialmente em uma noite que envolve tanta história e emoção, a ponto de ser quase impossível pensar em outra coisa, como são as finais de Champions League.
A alegria dos jogadores do Paris Saint-Germain ao fim do jogo contra o RB Leipzig mostrou como este foi um momento marcante para o clube, mas também foi um momento marcante para o futebol — só que, no segundo caso, não vale a pena comemorar. Muito pelo contrário. Foi um dia para lamentar.
A classificação do time para a final da Liga dos Campeões significa que um Estado com um histórico de direitos humanos extremamente questionável finalmente conseguiu entrar no jogo mais distinto do futebol de clubes, manchando-o, mesmo para os padrões modernos do esporte.
A grande vitrine que deixou o legado de tantas lendas do esporte agora se tornará uma vitrine para um projeto de sportswashing (termo criado por organizações de direitos humanos utilizado para situações nas quais o esporte é usado para limpar a reputação de um grupo, uma pessoa ou até um país), assim como muito do que há de errado com o futebol.
Isso deve ser o contexto no qual a partida de domingo deve ser visualizada. Qualquer outra coisa é se tornar parte do problema. O fato de o PSG e seus donos do Qatar estarem envolvidos em um jogo tão bom deveria fazer o foco desviar para as questões morais.
Esta partida foi planejada há muito tempo como o grande culminar do projeto do Qatar com o PSG. Deve, portanto, trazer as perguntas mais profundas, sobre tudo, desde mortes de trabalhadores migrantes a abusos dos direitos humanos dentro do país. Quantos trabalhadores migrantes morreram de fato desde 2012? O Qatar ainda se recusa a dizer.
A adoção gananciosa do hiper-capitalismo pelo futebol permitiu que ele atingisse um tamanho atraente para tais interesses políticos, ao ponto em que a própria imprevisibilidade do esporte fosse ameaçada.
Esses processos tendem a acontecer de forma conjunta e sem que as pessoas percebam que mudanças profundas ocorrem. É por isso que você ouve muitos dizerem que “o futebol sempre foi regido pelo dinheiro” como se sempre tivesse sido o mesmo dinheiro. E o grau atual é inédito na história do esporte.
E é por isso que essa situação — um projeto de um Estado envolvido na maior noite do futebol de clubes — nunca deve ser normalizada. Deve ser apontada como o absurdo que é.
Até os problemas do esporte se confundem com a política. Fontes disseram ao “The Independent” que uma das principais motivações por trás das contratações de Neymar e Kylian Mbappe em 2017 foi “espremer” o mercado de futebol e inflar enormemente os salários e as taxas de transferência, para que apenas clubes como Manchester City e Manchester United pudessem competir a médio prazo.
Em outras palavras, eles não têm problemas em distorcer os próprios parâmetros do esporte.
Só o Fair Play Financeiro impede isso, mas o confronto entre PSG e Uefa já aconteceu. O “New York Times” noticiou em junho de 2019 documentos que mostravam que “a Uefa parecia afundar sua própria investigação” sobre transferências do PSG, enquanto o clube usava um detalhe técnico para evitar punições graves e suspensão na Champions League.
Ao invés da punição, os magnatas do PSG dobraram o futebol europeu e seu órgão dirigente à sua vontade. Eles agora esperam que seu maior marco seja seu grande momento de ascensão, o título no domingo.
Isso é ainda mais triste devido ao prestígio e à gravidade desta ocasião. A conquista da Champions é o que dispara tanta magia do futebol, assim como tantas imaginações infantis, e oferece seus melhores momentos.
As primeiras imagens da Liga dos Campeões, com Alfredo Di Stefano, inspiraram a todos, de Eusebio, Luis Suarez a Bobby Charlton e Sir Alex Ferguson, estabelecendo uma linhagem que todos tentam viver à altura e fazer parte, o que envolve uma autêntica nobreza esportiva.
Nem sempre esteve tudo esteve limpo, mas nunca esteve tão sujo.
Cada momento da final da Champions League é normalmente imbuído e amplificado pelo conhecimento do que se tornou antes e por tanta História. Neste fim de semana, um projeto de Estado de sportswashing terá como objetivo apenas aproveitar tudo isso, para segundas intenções.
Isso deve ser mencionado a cada passo. Não vale a pena comemorar e não deve deixar de ser questionado.