Por que anulação de partida é tão difícil no STJD e remete à Máfia do Apito
Aceitar uma anulação de partida, além da discussão técnica, gera uma dor de cabeça política com a CBF
IGOR SIQUEIRA
RIO DE JANEIRO, RJ (UOL/FOLHAPRESS) – Embora o código permita e seja uma possibilidade no Fluminense x São Paulo, a impugnação de partida é um caminho difícil no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).
CAMINHO COMPLICADO
O tribunal, no geral, tem sido reticente com os pedidos dos clubes ao longo dos anos, até porque a anulação das partidas remete a um passado que ninguém quer reviver, o da Máfia do Apito.
Mas mesmo sem escândalos de arbitragem, houve questionamento ao longo dos anos por parte dos clubes. A exemplo do que fez o São Paulo, enviando notícia de infração contra Paulo Cesar Zanovelli, que atuou no jogo do Maracanã.
Aceitar uma anulação de partida, além da discussão técnica, gera uma dor de cabeça política com a CBF. A entidade já vive no limite por causa do calendário. Remarcação de jogos é um transtorno.
O QUE VAI SER ANALISADO
A procuradoria, desta vez, aceitou a sugestão do clube do Morumbi e denunciou o árbitro no artigo 259 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que prevê pena a quem “deixar de observar as regras do jogo”.
Embora a procuradoria não tenha feito diretamente na denúncia um pedido de anulação, essa é uma das possibilidades em caso de condenação. Remota, sim, mas uma possibilidade.
O árbitro pode ser suspenso de 15 a 120 dias. Além disso, há um parágrafo no artigo em questão cita que o jogo pode ser anulado “se ocorrer, comprovadamente, erro de direito relevante”. E aí começa o fio sobre uma discussão erro de fato x erro de direito na atuação dos árbitros.
Erro de direito é o que contraria a regra do jogo. Por exemplo, validar um gol que a bola entrou pelo lado de fora da rede. Erro de fato é a análise equivocada do fato: depois de jogada violenta ou agressão, o árbitro aplicar o cartão amarelo e não vermelho, como deveria.
“Em caso de erro da arbitragem, sempre se esbarra na questão de análise de erro de fato e erro de direito. Na verdade, depende de cada caso em concreto. Nas questões que chegaram na minha gestão, não constatamos erro de direito. Mas se for constatado um erro de direito, aí não tem jeito, precisa anular”, explicou Ronaldo Piacente, ex-presidente do STJD e procurador-geral na composição passada do tribunal.
COMO VAI SE COMPORTAR O NOVO STJD?
A discussão sobre o Fluminense x São Paulo é o primeiro caso desse tipo que a atual composição do STJD recebe. O tribunal passou por mudanças profundas não só na procuradoria, mas também nas comissões que julgam os casos e, sobretudo, no Pleno.
Quem milita na Justiça Desportiva anda curioso a cada sessão para ver a condução dos processos pelos auditores atuais. E não é diferente com esse pleito do Tricolor paulista.
“O erro de direito, na minha opinião, é muito restrito e está ligado ao dolo (vontade de prejudicar) ou erro muito grosseiro. As interpretações do árbitro, corretas ou não, mesmo com o VAR, são erros de fato. Acredito que essa excepcionalidade seja muito difícil de se caracterizar. Por isso, o STJD com passar dos anos teve poucos casos de aceitar os pedidos”, cita Paulo Feuz, ex-auditor do Pleno.
Vontade de prejudicar é tudo o que aconteceu na Máfia do Apito, com a admissão de culpa por parte do árbitro Edilson Pereira de Carvalho no Brasileirão 2005. Onze jogos foram disputados novamente.
DE ONDE VEM O PROCEDIMENTO
A anulação de partida é um procedimento diferente do caminho que o Fluminense x São Paulo tomou neste ano. A solicitação, normalmente, é feita em um procedimento especial pelos clubes e, inicialmente, é analisada de forma monocrática pelo presidente do STJD. Depois, se ele achar que o pedido é minimamente pertinente, o caso é julgado pelo Pleno.
No Fluminense x São Paulo, a denúncia resultado de uma notícia de infração contra o árbitro. Aí, ela cai primeiro em uma das comissões disciplinares. Depois, caso haja recurso de alguma parte, sobe para o Pleno.
“Se a procuradoria denunciou, pode gerar a anulação. No entanto, se a própria Procuradoria não pediu a aplicação do parágrafo para anulação da partida, é improvável que terá essa condenação. Mais provável uma pena ao árbitro apenas, sem alterar o resultado”, diz Marcio Andraus, advogado especialista em Direito Desportivo, sócio do CCLA Advogados.
TENTATIVAS RECENTES
O caso mais recente de anulação de partida em competição de elite da CBF não tem a ver com erro de direito, mas com interferência externa. Foi no Ponte Preta x Aparecidense, pela primeira fase da Copa do Brasil 2019. Naquele confronto, o árbitro levou 16 minutos para anular um gol irregular da Ponte Preta. Só que a decisão do campo só se deu porque, supostamente, houve uma dica do delegado da partida.
O resultado chamou a atenção nos bastidores. Houve votação apertada no Pleno (4 a 3). A composição naquele dia teve dois auditores convidados. E os votos deles foram decisivos, contrariando o relator do caso na época Ronaldo Piacente.
Mas no geral, as tentativas dos clubes têm sido em vão em casos que remetem decisões mais diretas dos árbitros, já na era do VAR. Também em 2019, o Botafogo tentou anular o jogo contra o Palmeiras, alegando que um pênalti sobre Deyverson fora marcado, com ajuda do VAR, depois que o árbitro tinha reiniciado a partida. No julgamento, entendeu-se que não houve reinício e, portanto, a checagem do árbitro de vídeo estava dentro da regra.
Ainda em 2019, o Vasco tentou anular o jogo contra o Grêmio, alegando que houve erro de direito na anulação de um gol de Pikachu. O pedido de impugnação de partida foi negado pelo presidente do STJD, Paulo Cesar Salomão Filho -que hoje é vice-presidente do próprio Vasco.