DESAFIOS

Rueda quer deixar o Santos melhor do que encontrou e não pensa em rebaixamento

"A situação, eu diria, está dentro do que a gente projetou..."

Foto: Reprodução/Santos

Quando assumiu a presidência do Santos em janeiro deste ano, Andrés Rueda, de 65 anos, encontrou um clube quase falido, com dívidas a perder de vista e uma série de problemas financeiros que fizeram com que a diretoria fosse proibida, por exemplo, de contratar jogadores durante um tempo. O dirigente entende que o desafio não é mais grave do que esperava. “Eu costumo falar que vim para resolver e não para ficar chorando sobre o passado e é isso que estou fazendo”, diz em entrevista ao Estadão.

Ele sentou na cadeira da presidência com o pensamento de reestruturar as finanças do clube, diz ter pagado mais de R$ 60 milhões de dívidas – o passivo total supera R$ 600 milhões – fez o compromisso de deixar o Santos melhor do que encontrou e afirma estar conseguindo colocar em prática o que planejou, apesar dos sobressaltos. O presidente santista salienta que as pendências financeiras levarão anos para serem acertadas completamente e trabalha para criar um mecanismo que evite o surgimento de novas gestões desastrosas depois que deixar o cargo.

“A situação, eu diria, está dentro do que a gente projetou. Pagamos muitas dívidas de curto prazo, mais de R$ 60 milhões. Renegociamos todas as outras dívidas, reduzindo juros, alongamos as dívidas e estamos conseguindo honrar os pagamentos”, resume o mandatário. Sua gestão prioriza a transparência e se propõe a ser diferente em alguns aspectos das que se costuma a ver no futebol brasileiro. Isso inclui a recusa em pagar comissão para empresários em caso de renovação ou compra de atletas. Ele é matemático por formação e empresário do ramo da tecnologia de informação. Decidiu trocar uma aposentadoria milionária e tranquila por um clube em situação de quase insolvência graças à paixão pelo Santos. “Meu lado torcedor me chamou”.

Se a gestão, ele diz, tem sido competente, a bola não está entrando. O Santos acumula insucessos em campo e o risco de queda à segunda divisão nunca foi tão grande. O time do técnico Fábio Carille, que colocou seu cargo à disposição após o revés para o América-MG, conquistou apenas uma vitória nos últimos nove jogos e está dentro da zona do rebaixamento. São apenas 29 pontos somados em 27 jogos. Os maus resultados em sequência fizeram Rueda se reunir com os líderes do elenco.

Embora a queda assombre o clube, o presidente não cogita a possibilidade de a equipe jogar a Série B em 2022 pela primeira vez em sua história. “O Santos fica na Série A. Não penso o contrário. Eu não considero risco de rebaixamento. O Santos é ‘incaível’. Não trabalho com essa possibilidade”, opina o confiante mandatário, ansioso para “navegar em mares mais calmos”. “Os resultados não vieram ainda mesmo, mas vão vir”.

Você assumiu o Santos em meio a muitos problemas, dívidas e com a proibição de contratar jogadores. A situação, quando assumiu, era mais grave do que pensava?

Já esperava uma situação desconfortável. Tivemos algumas situações que não estavam no radar, como os impostos, mas já sabíamos que a coisa era séria. Houve coisas novas, mas nada que me assustasse. O Profut foi uma das surpresas, com quatro, cinco parcelas atrasadas, mas a gente solucionou bem rápido. No primeiro mês colocamos em dia. Fizemos o compromisso de não atrasar uma parcela e estamos cumprindo religiosamente. Eu costumo falar que vim para resolver e não para ficar chorando sobre o passado e é isso que estou fazendo.

E como está o Santos hoje?

A situação, eu diria, está dentro do que a gente projetou. Pagamos muitas dívidas de curto prazo, mais de R$ 60 milhões. Renegociamos todas as outras dívidas, reduzindo juros, alongamos as dívidas e estamos conseguindo honrar os pagamentos. O interessante é que quando você olha o parcelamento e pagamento das dívidas a impressão é que os acordos para pagamentos de dívidas só foram feitos nessa gestão, mas isso não é problema. Dificilmente encontra-se aqui um pagamento iniciado pelo menos nas gestões passadas. Nosso compromisso é só fazer acordo sabendo que poderemos honrar e até o presente momento estamos fazendo. Conseguimos ter um pouco mais de respiro. Há várias situações em que renegociamos e reduzimos os juros e estamos acabando de pagar. Houve a dívida com o (Huachipato, antigo) clube do Soteldo. E pouco a pouco vamos diminuindo o endividamento mensal.

Qual o tamanho da dívida do Santos atualmente?

O passivo total é de pouco mais de R$ 600 milhões.

É possível fechar o ano no azul?

Contabilmente eu acredito que sim, vamos fechar o ano no azul. Agora no fluxo de caixa, não. Não tem como. Até não equacionar dívida e acertar receita e despesa recorrentes dificilmente vamos trabalhar com sobra de caixa. Estamos procurando diminuir dívida, ajustar receita com despesa ordinária.

Seu principal desafio no Santos é reestruturar o clube financeiramente? Como tem sido esse processo?

Sem dúvida. Nosso grande desafio não é só reestruturar o clube. Isso é um pedaço do nosso planejamento. Não adianta acertar as dívidas e continuar deixando o clube com a possibilidade de futuras gestões voltarem a deixar o clube em situações como o clube se encontra hoje. Nosso compromisso com o associado é criar mecanismos para evitar que a situação em que o clube se encontra se repita no futuro. Esse é o grande desafio. Vai demorar muito pra acertarmos a parte financeira do clube, mas temos que ao menos ter uma tranquilidade para que, uma vez que isso aconteça, não se repita no futuro o que aconteceu nos últimos anos. Esse trabalho de reestruturação tem que passar por várias gestões, com santistas bem intencionados. Isso é primordial.

Os elogios à sua gestão se transformaram em críticas com os insucessos do Santos dentro de campo. Como lida com isso? Você mantém suas convicções mesmo sob pressão?

Lido com naturalidade. Entendo a torcida e sei que os torcedores são movidos pela paixão. Paixão é resultado. O torcedor tem que querer que o time seja campeão, que brigue lá em cima. Entendo porque também sou torcedor, mas cabe à diretoria pensar com a razão. A parte financeira está ligada ao futebol. O futebol não pode ser esquecido e não foi. Agora, não posso me dar ao luxo de cometer erros que foram feitos anteriormente. Não posso sair no mercado igual a um louco, contratar sob pressão e trazer alguém que não possamos pagar o salário em dia. Não quero repetir um Soteldo da vida. Em dois anos não pagou-se nada. Isso deixa o clube à mercê de não sair do buraco. Tem que haver equilíbrio. O resultado não veio ainda mesmo, mas vai vir. Nós não paramos. Trouxemos contratações dentro da nossa possibilidade. Existe uma estratégia, um planejamento. Trouxemos jogadores com potencial, que vieram emprestados, com salários relativamente baixos e com um valor de passe já acertado. Se o jogador mostrar que tem condições de vestir a camisa do Santos pensamos em efetuar a compra em definitivo. Essa foi nossa estratégia. A primeira parte das contratações foi nesse sentido e depois tentamos encorpar o elenco. Agora, tem que vir o resultado. Torcida cobra resultado. E a dor de cabeça financeira tem que ficar com a diretoria. É assim que a gente imagina. Reclamações fazem parte. Quem está no comando será elogiado quando der e vai tomar pancada quando tiver que tomar. Posso garantir que estamos trabalhando muito para revertermos essa situação no campo o quanto antes e navegarmos em mares mais caros.

Entende que a pressão faz os cartolas acabarem contratando jogadores cujos valores são incompatíveis com a realidade do clube? Os dirigentes, muitas vezes, não são racionais? Por que eles são responsáveis por gestões tão prejudiciais aos clubes?

Sim. Totalmente. No momento em que há uma gestão movida pela paixão aparece uma rota de colisão enorme. Há exemplos claros de times que fizeram isso, montaram esquadrões sem ter dinheiro, não ganharam títulos e ficaram em uma situação complicadíssima por anos. Não existia garantia de o clube será campeão trazendo jogadores com salários altos. Título não tem preço, vale o sacrifício, mas não tem essa garantia. A gestão tem que ser responsável e não tentar trazer jogadores acima de sua possibilidade. Porque aí não se ganha e depois ainda fica a dívida. É isso que acontece.

O que mais te preocupa hoje no Santos? Os problemas fora de campo ou dentro dele? O clube está brigando para escapar do rebaixamento…

O Santos fica na Série A. Não penso o contrário. Eu não considero risco de rebaixamento. O Santos é “incaível”. Não trabalho com essa possibilidade. Existe uma dificuldade. Nossa situação não é confortável, mas acredito muito no grupo, nas condições que estamos dando aos jogadores e comissão técnica. Eles estão cientes das responsabilidades que têm no clube e não trabalho com a hipótese nenhuma de que o clube seja rebaixado.

Por que trocou sua rotina de empresário, com uma boa aposentadoria, para presidir um clube em situação de quase insolvência?

Meu lado torcedor me chamou. É a paixão. Vi a necessidade de o clube mudar. Todo torcedor do Santos tem gana de poder ajudar e tirar o clube dessa situação. Eu não sou diferente. Estou presidente por um período, mas acima de tudo sou torcedor fanático pelo Santos. Isso que me levou a querer ajudar o clube. Acredito em alternância de poder e não penso em me reeleger.

Qual a sua avaliação do elenco do Santos? O time poderia estar brigando mais acima na tabela?

Sem dúvida. Nosso plantel não era para estar nessa situação. Temos o melhor elenco do Brasil? Não, mas não temos elenco para essa condição. O grupo é qualificado. Mas é por isso que o futebol é apaixonante. Às vezes não encaixa, leva tempo. Tem jogadores que vão bem em uma temporada e na outra não, oscilam. No nosso time tem muita gente jovem. São dez jogadores oriundos da base com menos de 20 anos e 15 que vieram da base. A base está boa. Mas por que tantos jovens? Você começa a olhar para trás. É decorrência do transfer ban, da situação financeira. Muitas vezes até se acelera a promoção do jogador ao elenco profissional. Isso faz parte. É a situação em que o clube se encontra. Leva tempo para se ajustar. A gente tomou algumas providências que não são vistas como contratações, mas são importantes. Renovamos com nove jogadores oriundos da base que tinham contratos curtos. Falta apenas um para renovar. Então hoje e nos próximos anos temos tranquilidade em saber que esses atletas estão aí à disposição do clube. Vão amadurecer e dar bons frutos. Não fica aquela pressão de que o jogador vai embora de graça ou ser vendido. Cada renovação na nossa base eu considero uma contratação nova.

O Marinho fica em 2022?

O Marinho tem contrato até o final do ano que vem. O clube a torcida gostam muito do jogador. É uma das nossas principais estrelas com contrato em vigor. Não pensamos em perdê-lo de jeito nenhum.

Se reduzir as dívidas, é possível fazer contratações mais ambiciosas em 2022? Qual é o planejamento, considerando que o Santos fique na Série A?

Cada vez mais que o clube tem a situação financeira sob controle possibilita ser mais agressivo por contratações. Mas as dívidas são altas. Não vai ser em um ou dois anos que vai se corrigir a situação do clube. Queremos colocar o navio na rota. Mas a ideia é no ano que vem ter um time mais encorpado, contratando jogadores em posições carentes.

Que legado quer deixar no Santos?

Quero deixar o clube em uma situação muito melhor do que encontrei. Esse é meu compromisso. Se cada gestão fizer um pouco a gente sai rapidamente dessa situação. É fácil você contratar jogador a preço alto e prometer salário alto. Às vezes o prejuízo demora, mas ele vem. É transfer ban, conta bloqueada, recebíveis bloqueados. Não podemos esquecer que até maio o Santos estava impedido de contratar jogadores. Só pudemos contratar depois de vender o Soteldo. Fora isso, estávamos com os recebíveis do clube bloqueados. Alguma coisa tinha que ser feita e está sendo feita. Meu maior legado, repito, é colocar travas para que futuras gestões não cometam o erro do passado. Temos que aprender com os erros para que não se repitam. Só assim existe evolução, em todos os sentidos.

E o projeto da nova Vila Belmiro. Em que pé está?

Está mais atrasado do que gostaríamos em função das mudanças na economia. Os juros subiram e aumentou o preço abusivamente do aço e do cimento. Isso gerou um desequilíbrio na parte financeira do projeto. Tivemos que fazer uma revisão, junto com a WTorre e os arquitetos, do projeto inicial para adequar os custos à realidade do projeto. Já está em andamento. Há outras coisas em paralelo que estão andando, como a negociação com a prefeitura. Demos só essa parada para ajustar o projeto e seus custos.