Sem certezas e depois de guinada na vida, Glover Teixeira defende cinturão do UFC
Glover Teixeira irá defender o cinturão dos meio-pesados diante do checo Jiri Prochazka
Glover Teixeira confessa que algumas vezes teve dúvidas. Será que um dia aconteceria? Era o pensamento que cruzava sua cabeça e ele logo afastava.
“Eu perdi minha primeira luta há 20 anos e estou aqui hoje. Está com medo de quê?”, questionou-se.
A resposta estará em volta da sua cintura quando entrar no octógono do UFC neste sábado (11) para enfrentar o checo Jiri Prochazka: o cinturão da categoria meio-pesado. Será a primeira luta de defesa de título do brasileiro de 42 anos. Apenas o americano Randy Couture (46) se tornou campeão com mais idade do que ele.
O canal Combate transmite todo o card do evento em Singapura a partir das 19h10. O evento também terá a brasileira Taila Santos na disputa do título pela categoria mosca contra Valentina Shwvchenko, nascida no Quirguistão.
Entre os que venceram o cinturão pela primeira vez, Glover é o mais velho. Ele se vê como inspiração para outras pessoas. Não pela vitória em si, mas por desafiar as probabilidades. A história de vida do 19º brasileiro campeão no UFC é improvável.
“Eu estou num momento muito feliz, muito top na minha vida. Tudo o que vier é lucro. Estou com 42 anos, vou chegar a 43 neste ano, ainda lutando, fazendo o que amo. É mais do que eu poderia desejar. Toda pessoa que chega ao topo serve de inspiração para alguém e isso me deixa satisfeito”, explica.
A vitória sobre o polonês Jan Blachowicz, que lhe valeu o título, em outubro do ano passado, provocou uma onda de mensagens de lutadores antigos e atuais. Todos felizes com o feito do brasileiro. Ninguém esperou tanto quanto Glover por isso.
Seu tom de voz ao falar sobre a reviravolta que deu na carreira não é de orgulho, mas poderia ser. Não é alegre. Glover fala rápido, de maneira dura e direta. Foi mais ou menos assim que constatou que não ia a lugar algum na profissão que amava.
Depois de derrotar Rashad Evans em 2016, ele entrou em uma trajetória de inconstância. Não era bom o bastante para se credenciar a brigar para ser campeão. Perdeu para Anthony Johnson, ganhou de Jared Cannonier. Foi nocauteado por Alexander Gustafsson, nocauteou Misha Cirkunov. Aaiu diante Corey Anderson. Um perde-ganha-perde-ganha-perde que não poderia continuar.
“Minha vida precisava de uma mudança radical. Me distanciei de alguns amigos, daquelas resenhas, da cerveja no final de semana, das festas… Aqueles prazeres sensoriais. Eu tinha esquecido qual era o objetivo. Tinha de me disciplinar porque existem duas dores na vida: a dor da disciplina e a dor do arrependimento.”
Depois disso, foram cinco vitórias consecutivas. A sexta foi com a conquista do cinturão diante do polonês. Dessas, quatro por finalização. “Mudei minha vida de verdade. Diga-me com quem andas que eu te direi quem és. Funciona. Você vê que funciona. Depois disso, quando vi que não era mais aquele cara [de antes], comecei a perceber que eu estava curtindo a luta”, completa.
Estar satisfeito já deveria ser suficiente para o lutador nascido em Sobrália, município de 5.000 habitantes no sudeste de Minas Gerais. De família pobre, não tinha dinheiro sequer para a condução para ir a Governador Valadares, a 40 km.
Quando conseguiu, foi para começar o caminho feito por outras pessoas da principal cidade da região: mudar-se para os Estados Unidos. Glover atravessou a fronteira como imigrante ilegal, pelo México. Trabalhou com o que apareceu. Foi pedreiro, pintor e jardineiro. Acha graça que em algumas notícias na internet conste que ele trabalhou com “paisagismo”.
“Paisagismo? O que é isso? Os caras usam essas palavras difíceis. Sempre trabalhei na roça. Sempre fui trabalhador. No Estados Unidos fui carpinteiro, pedreiro, jardineiro. Fiz de tudo”.
Mas dali tirou lições usadas quando pisou pela primeira vez no octogano.
“Todos esses empregos me mostraram o valor do trabalho honrado. Isso me deu uma disciplina para o trabalho.”
Hoje dono de academia no país que adotou, ele voltou ao Brasil para regularizar sua situação. Conseguiu viajar de novo para os Estados Unidos apenas três anos e meio depois. Em 2021, se tornou cidadão americano.
“Foi muito especial depois de toda essa luta, tudo o que passei. O ano passado foi mágico para mim”, constata.
Se 2022 continuar no mesmo ritmo, pretende fazer uma nova defesa do título em outubro, no mítico Madison Square Garden, em Nova York. Ele já disse no passado que seria sua despedida. Mas confessa que pode mudar de ideia. Perto dos 43, a serem completados em outubro, Glover Teixeira vai tomar decisões de acordo com o momento. Se planejou algo para o futuro, por que não pode mudar de ideia?
“Talvez o que eu quero hoje, amanhã posso não querer. A gente pode traçar metas e depois algo acontece que muda sua cabeça. É um plano defender o cinturão no Madison Square Garden, mas isso pode mudar.”
Para quem mudou de país, mudou de estilo de vida e transformou seu status no UFC quando poucos esperavam, mudar é a chave.
“Eu não tenho certeza de nada”.