Racismo

STJD decide pela exclusão do Grêmio na Copa do Brasil

Como cabe recurso, caso terá uma decisão final no Pleno do tribunal (última instância), provavelmente em até duas semanas

Os atos de injúria racial sofridos pelo goleiro Aranha, do Santos, decretaram a eliminação do Grêmio da Copa do Brasil. Essa foi a decisão da 3ª Comissão Disciplinar do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), em julgamento de mais de três horas e meia, realizado na tarde desta quarta-feira, no Rio. Como cabe recurso, o caso ainda terá uma decisão final no Pleno do tribunal (última instância), provavelmente em até duas semanas.

No julgamento desta quarta-feira, o clube gaúcho ainda foi multado em R$ 50 mil, enquanto os torcedores gremistas que foram identificados com autores das ofensas raciais estão proibidos de frequentar estádios por 720 dias. O caso aconteceu na última quinta, quando o Santos venceu por 2 a 0, na Arena Grêmio, em Porto Alegre, pelas oitavas de final da Copa do Brasil, e Aranha foi vítima de insultos quando estava em campo.

“O preconceito é uma erva daninha que tem se espalhada pelo Brasil e tem que ser eliminada”, afirmou o relator do processo, Francisco Pessanha Filho, ao abrir os votos pedindo a exclusão do Grêmio da Copa do Brasil. Ele disse ainda que “não é este tribunal que está manchando a história do clube e, sim, aqueles torcedores”.

Também julgado, o árbitro do jogo, Wilton Pereira Sampaio, foi suspenso por 45 dias e multado em R$ 800,00. Os auxiliares Kleber Lúcio Gil e Carlos Berkenbrock, por sua vez, receberam pena de 30 dias de suspensão e R$ 500,00 de multa.

Com a punição aplicada ao Grêmio pelo STJD, o Santos garante vaga nas quartas de final da Copa do Brasil. O jogo de volta entre os dois times pelas oitavas de final seria realizado na noite desta quarta-feira, na Vila Belmiro, mas foi adiado ainda na semana passada, diante do julgamento do caso de racismo. Agora, não precisará mais acontecer.

TESTEMUNHOS – Dentre as provas em vídeo apresentadas, a procuradoria do STJD exibiu imagens e reportagens de programas de TV que mostravam os insultos ao goleiro Aranha. Um vídeo da torcida “Geral do Grêmio” chamando a torcida do rival Inter de “macacada” no jogo de domingo, contra o Bahia, também foi mostrado. Já a defesa apresentou imagens de campanhas contra o racismo promovidas pelo clube gaúcho ainda no ano passado, bem como reportagens mostrando as medidas tomadas para identificar os atos da quinta-feira passada.

“A decisão desta tarde tem uma importância histórica para o Grêmio como instituição”, afirmou o presidente do clube gaúcho, Fábio Koff, o primeiro a testemunhar para os auditores. “Atinge a história do clube, que desfila com uma estrela em sua bandeira do primeiro atleta do Grêmio campeão mundial”, continuou, em referência a Everaldo, campeão com a seleção em 1970 e que era negro. “A pena aqui aplicada, se ocorrer, deve ter um sentido pedagógico. Ela não pode ultrapassar o limite do razoável”, pediu.

Na sequência, o árbitro Wilton Pereira Sampaio depôs na condição de acusado – a arbitragem foi denunciada por não relatar os atos na súmula, apenas num adendo enviado horas mais tarde. E, ao fazer sua defesa, ele acabou ajudando também à defesa do Grêmio.

“Não presenciamos nada (injúria racial). Foi o relato do Aranha. Achamos que o goleiro queria ganhar tempo, já que o jogo se encaminhava para os acréscimos”, alegou Wilton Pereira Sampaio. “Deixei para relatar no hotel porque durante o jogo e ao final não foi nos informado (pelo restante da arbitragem)”, continuou. “Fiquei assustado com o fato ocorrido (após ver pela imprensa) e fiz o adendo”, explicou o árbitro.

ACUSAÇÃO – Em sua explanação, o subprocurador geral do STJD, Rafael Vanzin, lembrou que o Grêmio é reincidente – o clube foi denunciado anteriormente pelos xingamentos contra o zagueiro Paulão, do Inter, na partida de ida das finais do Campeonato Gaúcho, em março. Na ocasião, o clube foi punido com multa pelo TJD gaúcho – o caso ainda terá uma decisão final no Pleno do STJD.

Vanzin também afirmou que as medidas que vêm sendo tomadas pelo Grêmio não têm surtido efeito. “Elas não têm trazido o caráter pedagógico à torcida”, disse, pedindo aplicação de multa elevada e exclusão do time da Copa do Brasil. Ele ressaltou ainda que o artigo 243-G, pelo qual o clube foi denunciado, não prevê isenção de pena caso sejam identificados os autores.

O subprocurador também citou postagens de um dos vice-presidentes do Grêmio, Adalberto Preis, que na segunda-feira publicou em uma rede social que o goleiro Aranha estaria encenando. “Daqui a pouco ele vai alegar que o atleta Aranha não é afrodescendente”, ironizou.

DEFESA – Um dos advogados do clube gaúcho disse que “o Grêmio não nega o fato”, mas ressaltou que todas as medidas possíveis foram tomadas. “O Grêmio agiu preventivamente, agiu durante o jogo e agiu repressivamente tentando identificar os torcedores”, afirmou Gabriel Vieira.

O defensor disse ainda que a denúncia tentava fazer do clube um bode expiatório. “O que me parece aqui é uma caça às bruxas: encontra o Grêmio, encontra a menina (identificada por imagens de TV chamando Aranha de macaco), e joga na fogueira”, discursou.

O advogado criticou o preconceito e a discriminação, e fez uma observação. “Não temos um auditor negro neste tribunal”, lembrou Gabriel Vieira. No plenário, um representante de um movimento negro balançou a cabeça positivamente nesse momento.

Michel Assef Filho, que também atuou na defesa do Grêmio, foi mais técnico em sua explanação. “Se existe um dispositivo específico para punição, que é a aplicação de multa, não pode passar disso”, afirmou o advogado, alegando que o clube não poderia ser excluído da Copa do Brasil. Ele chegou a pedir a absolvição gremista, afirmando que o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) apenas “sugere” a aplicação de multa.