Reino Unido

Após Brexit, britânicos seguem para ter renda menor que a de poloneses

Impacto do divórcio da UE é 'elefante na sala' para governo do premier Rishi Sunak

Sexta maior economia do mundo, o Reino Unido deve perder posições no ranking na próxima década. E muito em breve esta ilha poderá ter uma renda per capita inferior à da Polônia — país que ficou famoso em Londres como fornecedor de mão de obra barata. A depender de quem faz o cálculo, isso pode acontecer já em 2030. Desde 2010, o Reino Unido registra um crescimento anual de 0,5% em média, contra 3,6% dos poloneses.

Essa situação, além do risco de saída do seleto grupo de nações das dez maiores economias do planeta, começa a virar um tema político, na esteira do Brexit, o divórcio da ilha da União Europeia (UE). O líder do Partido Trabalhista, Keir Starmer, acredita que faltam apenas sete anos para que os ingleses sejam mais “pobres” que os poloneses — lembrando que, desde 2010, o país é governado pelos conservadores, ou seja, culpando os rivais pelo declínio econômico.

Outros economistas e lideranças, tomando em conta projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) e médias de crescimento dos últimos 20 anos, indicam que a ultrapassagem do PIB per capita da Polônia se daria em 2038 — como mostram dados da consultoria Austin Rating feitos a pedido do GLOBO. O que mais choca os britânicos, contudo, não é quando isso ocorrerá, mas o simples fato de esta hipótese ser cada vez mais real.

O mesmo cálculo do partido da oposição extrapolado para o futuro indica que a renda de romenos e húngaros também deve superar a britânica a partir de 2040. Ou seja, esses países podem se tornar em horizonte não muito distante mais ricos do que o antigo império — que se juntou ao bloco econômico do velho continente em 1973, mas optou por deixá-lo em 2016, com o rompimento concluído na virada para 2021. Para a maioria dos especialistas, o Brexit é uma das maiores mazelas deste reino, embora a trajetória de queda da economia tenha se iniciado com a crise financeira global de 2008.

O discurso oficial enumera uma lista de problemas anteriores ao divórcio da UE, que passou a ser chamado de “o elefante na sala” — a presença evidente que todos fingem não perceber. Reconhecê-lo seria prova do fracasso do Partido Conservador, o promotor do Brexit, que não pode ser revertido no curto ou médio prazos. É nessas condições que o governo do primeiro-ministro Rishi Sunak — que sequer completou cinco meses — tenta navegar e garantir que seu partido não será defenestrado nas próximas eleições gerais, previstas para 2024, em princípio.

— Estudos empíricos de várias naturezas mostram inequivocamente que o Reino Unido sofre as consequências do Brexit desde 2016 [o plebiscito foi em junho daquele ano] no comércio para os dois lados e em investimentos estrangeiros diretos — diz Jacques Pelkmans, especialista do Centro para Estudos de Políticas Europeias, de Bruxelas.

Cenas de pobreza

Há quem diga que essas previsões são exageradas. Mas o que se vê no país são cada vez mais cenas de desolação — o contrário do que se imagina em economias pujantes e em expansão. Os bancos de alimentos operam no limite. Cerca de 90% das entidades que os administram registraram aumento de demanda, entre elas de aposentados e funcionários do sistema de saúde. É imensa a fila de quem espera por sopa no mês de março mais frio desde 2010, no final da tarde, em frente aos badalados teatros do West End. De acordo com o Escritório para Responsabilidade Orçamentária, a renda disponível das famílias terá queda de 4,3% entre 2022 e 2023, o maior da série histórica iniciada em 1956.

— São pessoas que têm emprego. É uma questão de salário. Vejo três problemas principais para o país: a queda de produtividade, o uso da terra [a especulação imobiliária dificulta a moradia e investimentos que envolvam propriedades] e, sem dúvida, o Brexit — disse David Lawrence, especialista em Reino Unido da Chatham House, um dos mais prestigiosos centros de estudo do país.

Para ele, a economia britânica perderá posições no ranking global para Brasil, Coreia do Sul e Indonésia em pouco mais de uma década. Ex-colônia britânica, a Índia deixou o antigo império para trás no ano passado, de acordo com o FMI. O dado ganhou destaque na cúpula do G20, presidido este ano justamente pelos indianos.

Desabastecimento e racionamento voltaram ao cardápio nacional, algo que não se vê desde a guerra. Faltam legumes nas prateleiras dos supermercados. As razões vão desde o custo de energia para plantá-los (as contas aumentaram em 130% o último ano), a escassez mão de obra provocada pelo Brexit e más condições do tempo em países de onde parte deles é importada. Jornais e rádios têm divulgado receitas com beterrabas, rabanetes e repolho branco e roxo, que nunca faltam, como alternativas aos tomates, pepinos e pimentões. A inflação se mantém acima de 10% ao ano — o nível mais elevado das últimas quatro décadas.

Recorde de greves

No país em que o Estado de bem-estar social virou regra depois da Segunda Guerra Mundial e em que o NHS (o sistema de saúde gratuito nacional que o inspirou o SUS brasileiro) se tornou quase uma religião, os sucessivos cortes orçamentários, a falta de médicos e enfermeiros (milhares deles europeus que voltaram a seus países depois do Brexit) e as condições de trabalho cada vez mais difíceis, sobretudo depois dos gargalos criados pela pandemia, fizeram com que proliferassem algo que jamais se imaginou no Reino Unido: empresas de planos de saúde. No rádio, uma companhia oferece desfibriladores para quem não quer correr o risco de ter de esperar por ambulâncias (seja pela falta de pessoal ou pelas greves de motoristas e paramédicos) ou o atendimento do NHS.

— Fui parar na emergência semana passada. Esperei nove horas! Até agora não sei o que tive e não me recuperei. Talvez se pagasse um plano… — lamenta a designer Suzy Lester, 45 anos, que vive na capital.

Muitas famílias optam entre abastecer a geladeira ou pagar energia. Neste inverno, o slogan para muitos, inclusive da classe média, foi “eating ou heating” (comer ou se aquecer). A London School of Economics (LSE) salientou em estudo recente que a crise do custo de vida é emergência sanitária como havia sido a pandemia.

Este ano, a previsão é de retração de 0,6% para a economia britânica, o pior desempenho entre o grupo das sete nações mais ricas do mundo. Até a Rússia, sob pesadas sanções e em guerra, terá um leve crescimento de 0,3%, segundo dados do FMI. Tudo isso explica em boa medida por que os movimentos de greve, nunca vistos nesta magnitude no país, continuam. Todos querem compensação pelas perdas salariais provocadas pela inflação.

O Acordo de Windsor firmado pelo governo britânico com a UE há duas semanas para resolver o imbróglio da questão política e comercial da Irlanda do Norte e sua fronteira com a República da Irlanda, que está dentro do bloco europeu — o maior entrave na relação desde o divórcio — foi uma grande vitória de Sunak, mas a questão econômica segue sendo seu maior telhado de vidro.