EUROPA

Após cúpula da Otan, chanceler russo fala em nova ‘Cortina de Ferro’

Sergei Lavrov acusa Ocidente, sob liderança dos EUA, de lançar uma política 'anti-Rússia' e de buscar uma nova hegemonia global

Chanceler russo, Sergei Lavrov, ao lado do chanceler bielorrusso, Vladmir Makei (Foto: Ministério das Relações Exteriores da Rússia)

O chanceler russo, Sergei Lavrov, afirmou que está sendo criada uma nova “Cortina de Ferro” entre a Rússia e o Ocidente, uma referência a crescentes tensões intensificadas pelo início da guerra na Ucrânia. O termo foi popularizado durante a Guerra Fria pelo então premier britânico, Winston Churchill, para simbolizar a divisão entre os blocos sob influência dos EUA e da então União Soviética. As declarações foram feitas após o fim da reunião de cúpula da Otan, em Madri, marcada por ações duras contra Moscou.

— Quanto a uma “Cortina de Ferro”, concordo com Vladimir Vladimirovich [Makei, chanceler da Bielorrússia], ela praticamente já está descendo, esse processo está lançado — afirmou, em entrevista coletiva em Minsk, citado pela Tass.

Para Lavrov, que desde o início do conflito é uma das vozes mais tenazes na defesa da invasão da Ucrânia e das políticas do Kremlin, afirmou que o Ocidente, liderado pelos EUA, está aumentando a pressão sobre Moscou e que essa estratégia já não teria mais relação com o conflito em solo ucraniano.

— Os americanos e seus satélites há muito se tornaram peões em um jogo anti-Rússia de longo prazo — declarou o chanceler, ao participar de uma reunião do Rússia Unida, principal partido governista russo. — O futuro da ordem mundial global está sendo decidido: ou será uma ordem verdadeiramente justa, democrática e policêntrica, ou um grupo restrito liderado por Washington será capaz de impor um modelo unipolar e neocolonial

Ele ainda destinou ataques à União Europeia (UE), que se colocou do lado dos ucranianos desde o início do conflito — para Lavrov, Bruxelas “destruiu a relação que foi construída por décadas”.

— Posso dizer que, daqui pra frente, não confiaremos nem nos americanos nem na UE. Faremos o necessário para não depender deles em setores críticos — opinou.

A parceria de décadas mencionada por Lavrov atinge, especialmente, o setor de energia, uma das armas encontradas por Bruxelas para tentar punir Moscou pela invasão à Ucrânia. Apesar de planos e ideias para reduzir a dependência europeia de insumos como o gás e o petróleo vindos de campos russos, divergências internas impedem, ao menos em curto prazo, que os suprimentos sejam cortados inteiramente.

Ao mesmo tempo, Moscou vem usando a ameaça de suspensão no fornecimento como ferramenta de pressão sobre seus atuais consumidores e aproveita os altos preços das commodities para obter recursos para financiar o conflito e amenizar os impactos das sanções financeiras contra o país, incluindo as europeias.

‘Ambições imperiais’

A fala ocorre após uma reunião de cúpula da Otan, concluída nesta quinta-feira, na qual foi apresentada uma revisão do Conceito Estratégico da aliança, que apontou a Rússia como “a ameaça mais significativa e direta à segurança dos aliados e à paz e estabilidade na área euro-atlântica”.

Na quarta, Putin atacou o que chamou de “ambições imperiais” da aliança militar liderada pelos EUA e , nesta quinta, em discurso na sede do Serviço de Inteligência Estrangeiro (SVR), em Moscou, disse que o Ocidente “caiu em uma armadilha” por não perceber o “enfraquecimento de sua influência”.

Como forma de contenção às políticas da Otan, as autoridades russas vêm defendendo parcerias com antigos aliados. A começar pela China, com quem Moscou diz ter uma “amizade sem limites”. A Rússia também tenta reativar e fortalecer organizações regionais, muitas delas com ex-repúblicas soviéticas, para criar mecanismos de proteção aos planos ocidentais.

— Estou convencido de que uma resposta adequada à linha destrutiva do Ocidente pode e deve ser uma maior expansão da cooperação com nossos aliados mais próximos e pessoas com ideias semelhantes — declarou Lavrov, segundo a Tass.

Embaixadora convocada

Nesta quinta-feira, a Chancelaria russa convocou a embaixadora britânica na Rússia, Deborah Bronnert, para prestar explicações após comentários apontados como grosseiros feitos por altos integrantes do governo de Londres, incluindo o premier Boris Johnson.

“Em uma sociedade decente, é costume pedir desculpas por tais declarações”, diz o comunicado do governo russo.

Em entrevista à rádio alemã ZDF, Boris afirmou que, “se Putin fosse uma mulher”, não teria começado essa “invasão maluca e ‘de macho’”, referindo-se à guerra na Ucrânia, e dizendo que o líder russo era um “exemplo perfeito de masculinidade tóxica”.

Pouco depois, o ministro da Defesa britânico, Ben Wallace, declarou que “a visão que Putin tem do mundo e de si mesmo é a de alguém com ‘síndrome de homem pequeno’” e chamou o líder russo de “lunático”.

Antes da convocação à embaixadora britânica, Putin havia respondido aos comentários de Boris, usando para isso uma referência histórica.

— Quero lembrar de alguns eventos recentes, quando Margareth Thatcher [premier britânica] decidiu lançar operações militares contra a Argentina nas Ilhas Falklands [Malvinas]. Então uma mulher tomou a decisão de lançar uma ação militar — afirmou, em viagem ao Turcomenistão, na quarta. — Por isso, não é uma referência correta a feita pelo primeiro-ministro britânico para o que está acontecendo hoje.