América Latina

Após vitória da extrema direita, Argentina eleva dólar em 22%, trava câmbio e sobe juros

Banco Central levou taxa básica de juros a 118% ao ano, o mais alto patamar em duas décadas

Peso argentino (Foto: Pixabay)
Peso argentino (Foto: Pixabay)

Um dia após as urnas mostrarem vitória inesperada do candidato de extrema direita, Javier Milei, nas prévias das eleições argentinas, o Banco Central (BC) do país decidiu elevar em 22% o dólar oficial, que passa a valer 350 pesos. Segundo fontes do La Nación, o governo vai travar o câmbio até as eleições de outubro.

Em paralelo, o BC elevou a taxa básica de juros em 21 pontos, para 118% ao ano, o mais alto patamar em 20 anos.

A Argentina, que atravessa uma forte crise, tem várias cotações de dólar. No mercado paralelo, o mais conhecido é o chamado dólar blue, que chegou a 680 pesos nesta manhã. A expectativa é que a desvalorização do dólar oficial afete as demais cotações.

Após anúncio do BC argentino, o dólar turista estava cotado a 731 pesos por volta de 11h30 (horário de Brasília). Há filas para comprar moeda estrangeira.

Desde que foi anunciada a revisão dos termos do acordo entre o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o governo argentino, no fim de julho, o Banco Central mudou sua postura e começou a desvalorizar diariamente o dólar.

Hoje, a moeda estrangeira foi desvalorizada em 18% – ou seja, ela subiu 22%. A decisão de uma desvalorização grande e repentina hoje é reflexo do resultado nas urnas. No domingo, foram realizadas as Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso). Nesse pleito, são definidos os candidatos que disputarão o primeiro turno da eleição presidencial de outubro.

Bolsa cai 14%

Javier Milei, do partido A Liberdade Avança, obteve 30,06% dos votos, ficando à frente dos dois candidatos da direita tradicional e da aliança governista, que obtiveram 28,27% e 27,24%, respectivamente.

Milei tem como plataforma econômica dolarizar o país e fechar o banco central. Sua vitória nas prévias argentinas causou um rebuliço no mercado nesta manhã, com a disparada do peso, o que levou o BC argentino a anunciar medidas duras numa tentativa de conter o alvoroço no mercado.

A Bolsa caía 14% por volta de 11h40, maior queda no intraday desde as primárias de 2019, quando o atual presidente do país, Alberto Fernandez, também venceu as urnas inesperadamente, contra o seu adversário político Mauricio Macri.

– No curto prazo, a incerteza sobre o plano econômico de Milei e a palavra dolarização faz o dólar subir no mercado paralelo. E há incerteza sobre o que vem por aí ainda. O Banco Central poderá intervir para conter o dólar paralelo, venderá dólar futuro. Teremos que digerir a surpresa – disse Fernando Marull, economista da FMyA.

Os títulos argentinos despencaram e lideram as quedas nos mercados emergentes nesta segunda-feira, segundo a Bloomberg. Os títulos com vencimento em 2035 afundaram até 14%, para 27,6 centavos por dólar.

A Argentina contratou empréstimo de US$ 44 bilhões com o FMI, e vem tendo dificuldade de pagá-lo. O país vem sofrendo a pior seca em quase um século, o que trouxe impactos negativos para o setor agropecuário, sua principal fonte de divisas.

O que dizem os analistas?

Especialistas de Wall Street ouvidos pela agência de notícias Bloomberg explicam que, além das propostas extremas de Milei para a economia (como dolarizar o país e fechar o banco central), os analistas se preocupam com a incerteza criada pela sua vitória nas primárias, que pode agravar a turbulência social e econômica do país.

Veja, abaixo, as avaliações sobre o resultado das eleições e seu impacto nos mercados:

Mariano Machado, Verisk Maplecroft

“A falta de experiência executiva de Milei aumenta o risco de um ajuste econômico desordenado, incluindo uma possível grande crise social após dezembro (…) Nesse contexto, a reação do mercado em 14 de agosto pode ser crucial para determinar se a próxima administração enfrentará uma crise econômica ainda pior do que a atual”.

“Em um país com uma taxa de pobreza de 40%, um grande aumento no desemprego e/ou informalidade aumentaria a temperatura sob o que já hoje é uma panela de pressão. A agitação social poderia atingir níveis semelhantes aos do início dos anos 2000, que estabeleceram novos recordes de risco político, de segurança e social para os investidores”.

Pilar Tavella, Barclays

“A surpreendente vitória de Javier Milei nas eleições primárias aumentou a incerteza política em vez de reduzi-la (…) A crise econômica está prestes a se aprofundar e não está claro como os eleitores reagirão a mais instabilidade”.

Oren Barack, Alliance Global Partners

“Uma população completamente cansada está disposta a tentar uma entidade completamente nova, com visões mais extremas, para mudar as décadas de fracassos de ambos os partidos”

“Milei é apenas a incógnita e a maior surpresa para o mercado, mas se ele vencer as eleições, uma redução significativa nos gastos do governo e a dolarização da Argentina poderiam ser vantajosas a longo prazo”.

Benito Berber, Natixis

“As pessoas estão cansadas dos peronistas, e isso é positivo para os mercados. No entanto, não temos certeza se o mercado reagirá positivamente a um possível presidente Javier Milei (…) O candidato libertário tem posições extremas, como a dolarização da economia, e é improvável que ele tenha um forte apoio no Congresso para aprovar as reformas necessárias”.

Juan Pablo Rotger, Banco Mariva

“A baixa participação dos eleitores (nas prévias de domingo) acrescenta uma camada extra de incerteza em direção às eleições gerais”.