América do Sul

‘Aviso que vem mais’, diz Milei em meio a panelaços contra desregulação na Argentina

Presidente da Argentina afirma que manifestantes contrários a medidas econômicas sentem saudade do comunismo

(Folhapress) Horas depois de anunciar uma megadesregulação da economia argentina, o presidente Javier Milei defendeu as medidas, avisou que vêm mais por aí e disse que os manifestantes que bateram panelas ou saíram às ruas para protestar têm “síndrome de Estocolmo” ou sentem saudade do comunismo.

“Aviso que vem mais. Em breve vocês vão ficar sabendo. Vamos convocar sessões extraordinárias e enviar um projeto de lei para a modificação do Estado”, disse em entrevista à rádio Rivadavia na manhã desta quinta (21).

Milei admitiu que algumas medidas são “antipáticas”, mas argumentou que “60% do ajuste desta vez incide sobre o Estado”. Na noite desta quarta (20), ele já havia prometido enviar nos próximos dias um pacote de leis ao Congresso.

“Os deputados e senadores terão que enfrentar a responsabilidade histórica de escolher entre fazer parte dessa mudança ou obstruir o projeto de reformas mais ambicioso dos últimos 40 anos”, discursou.

Momentos depois que ele apareceu em rede nacional rodeado de seus ministros para anunciar um grande decreto de urgência, que declara emergência e revoga ou altera mais de 300 normas, milhares de pessoas se concentraram em frente ao Congresso Nacional, em Buenos Aires, e em vários outros pontos pelo país até a madrugada.

Sob o mote principal de “o Estado não se vende”, muitos deles batiam em panelas, em cena que lembrou manifestações de 2001, prévias a um caos social que levou à renúncia do então presidente Fernando de la Rúa.

Panelaços nas janelas também foram ouvidos em diferentes regiões, e na manhã desta quinta um grupo de funcionários bancários saiu novamente pelas ruas do centro de Buenos Aires, vestindo roupa social, contra a liberação das privatizações e outras medidas.

A oposição indica que vai judicializar a questão, e sindicatos começam a falar em grandes paralisações.

O novo governo, empossado em 10 de dezembro, buscou minimizar as manifestações contrárias.

“Pode ser que haja pessoas sofrendo de síndrome de Estocolmo, que estão apaixonadas pelo modelo que as empobrece”, disse o presidente na entrevista, acrescentando que “também há pessoas que olham com nostalgia, amor e carinho para o comunismo”.

Seu porta-voz, Manuel Adorni, afirmou que “não foi uma manifestação, foram algumas expressões pela cidade de Buenos Aires” e que as pessoas protestaram sem nem ler o documento.

“Não chegaram a se inteirar da filosofia desse decreto, que é uma abertura muito importante para todos nós em matéria de liberdade”, disse em sua entrevista coletiva diária.

Adorni declarou ainda que é natural que haja desacordo, mas que a maioria da população concorda com as medidas que estão sendo tomadas. “Depois das eleições está claro que a Argentina quer essa mudança”, defendeu.

As ruas do centro se encheram de manifestantes apenas horas depois que um enorme aparato policial colocou à prova o novo “protocolo antipiquete” de Milei na mesma região, para coibir o bloqueio de vias por um outro protesto contra o governo.

Foi o primeiro ato de organizações sociais e centrais sindicais contra os cortes de gastos de Milei para reduzir o déficit fiscal e a inflação anual de 161% no país. A operação conseguiu conter o protesto, mas no final as avenidas ficaram fechadas pela própria polícia.

Mais tarde, um dos primeiros a se manifestar contra o megadecreto do governo foi o ex-presidente Alberto Fernández, que publicou que “a República está em risco” e que seu sucessor “avançou sobre as atribuições do Poder Legislativo”.

O atual mandatário, por sua vez, respondeu que o país “está em risco com o populismo, e não com a liberdade”.

Ao fazer o anúncio da megadesregulação, Milei repetiu que o Estado e os políticos são as causas dos problemas do país.

Ele citou uma lista com 30 das 300 normas alteradas, que se referem a temas como controles de preços, aluguéis, indústria, privatizações de estatais e “modernização do regime trabalhista”.

Estão na listagem também mudanças em mineração, planos de saúde, farmacêuticas, vinícolas, agências de turismo e até clubes de futebol.

Uma das principais modificações será no setor aduaneiro: “Está proibido proibir exportações na Argentina”, disse Milei no texto lido por ele durante cerca de 15 minutos.

O responsável central pela compilação dessas leis foi o economista Federico Sturzeneger, ex-presidente do Banco Central no governo de Mauricio Macri, que apareceu com destaque na transmissão, de pé ao lado direito do presidente, apesar de ser identificado apenas como assessor.

Milei fez as mudanças por meio de Decreto de Necessidade e Urgência, no qual o primeiro artigo declara emergência pública “em matéria econômica, financeira, fiscal, administrativa, previdenciária, tarifária, sanitária e social” por dois anos, até 31 de dezembro de 2025.

No documento de 83 páginas, ele argumentou que “existem numerosos precedentes na história argentina que respaldam a utilização deste tipo de decretos em casos de aguda emergência pública e de crises como a atual”.

Entre as principais medidas estão as privatizações. O governo já prepara a venda da companhia aérea Aerolíneas Argentina e YPF, empresa estatal de perfuração e refino de petróleo.

Milei transformou todas as empresas estatais em sociedades anônimas, o que permitiria a privatização, e mudou as regras do controle acionário da Aerolíneas, a qual já disse que quer “entregar aos funcionários”.

Também anunciou a implementação da “política de céus abertos”, o que possibilitará que companhias aéreas estrangeiras realizem voos domésticos, e a desregulamentação dos serviços de internet por satélite, citando que isso favorecerá “empresas como a Starlink”, do magnata Elon Musk.

Entre as leis que o presidente revogou estão a lei de aluguéis, das gôndolas, de abastecimento e de promoção industrial (que beneficia várias províncias).

Ele citou ainda modificações no sistema de saúde e nos códigos civil e comercial e a “modernização do regime trabalhista para facilitar o processo de geração de empregos genuínos”.

Assim como na sua campanha eleitoral, Milei terminou o discurso invocando as “forças do céu”. “Que Deus abençoe os argentinos e que as forças do céu nos acompanhem”, encerrou.

VEJA A LISTA DE 30 PONTOS LIDA POR MILEI

  1. Revogação da Lei de Aluguel “para que o mercado imobiliário volte a funcionar sem problemas e alugar não seja uma odisseia”
  2. Revogação da Lei de Abastecimento “para que o Estado nunca mais atente contra o direito de propriedade dos indivíduos”
  3. Revogação da Lei das Gôndolas “para que o Estado pare de se intrometer nas decisões dos comerciantes argentinos”
  4. Revogação da Lei do Compre Nacional “que beneficia apenas determinados atores do poder” (concede prioridade aos fornecedores nacionais em compras públicas)
  5. Revogação do Observatório de Preços do Ministério da Economia “para evitar a perseguição às empresas”
  6. Revogação da Lei de Promoção Industrial
  7. Revogação da Lei de Promoção Comercial
  8. Revogação da regulamentação que impede a privatização das empresas públicas
  9. Revogação do regime de sociedades do Estado
  10. Transformação de todas as empresas estatais em sociedades anônimas para posterior privatização
  11. Modernização do regime trabalhista “para facilitar o processo de geração de emprego genuíno”
  12. Reforma do Código Aduaneiro “para facilitar o comércio internacional”
  13. Revogação da Lei de Terras “para promover investimentos”
  14. Modificação da Lei de Controle de Incêndios
  15. Revogação das obrigações que os engenhos açucareiros têm em relação à produção de açúcar
  16. Liberação do regime jurídico aplicável ao setor vitivinícola
  17. Revogação do sistema nacional de comércio mineiro e do Banco de Informação Mineira
  18. Autorização para a cessão total ou parcial das ações da Aerolíneas Argentinas
  19. Implementação da política de céus abertos (sobre o trânsito aéreo internacional)
  20. Modificação do Código Civil e Comercial “para reforçar o princípio da liberdade contratual entre as partes”
  21. Modificação do Código Civil e Comercial para garantir que as obrigações contraídas em moeda estrangeira devam ser pagas na moeda acordada
  22. Modificação do quadro regulatório de medicina pré-paga e planos de saúde
  23. Eliminação das restrições de preços para a indústria pré-paga
  24. Inclusão das empresas de medicina pré-paga no regime de planos de saúde
  25. Estabelecimento da prescrição eletrônica “para agilizar o serviço e minimizar custos”
  26. Modificações no regime de empresas farmacêuticas “para promover a competição e reduzir custos”
  27. Modificação da Lei de Sociedades para permitir que os clubes de futebol se tornem sociedades anônimas, se assim o desejarem
  28. Desregulação dos serviços de internet via satélite
  29. Desregulação do setor de turismo, eliminando o monopólio das agências de viagens
  30. Incorporação de ferramentas digitais para procedimentos nos registros automotores