ELEIÇÕES

Bloco de esquerda vence eleições legislativas na França; extrema direita se torna terceira força, apontam projeções

Jean-Luc Mélenchon, do partido A França Insubmissa, diz que esquerda está pronta para governar; participação foi a maior em um segundo turno em 40 anos

O bloco de esquerda Nova Frente Popular se consolidou como o maior do Parlamento da França, após os resultados do segundo turno das eleições legislativas, realizado neste domingo. A extrema direita liderada pelo Reagrupamento Nacional (RN), de Marine Le Pen e Jordan Bardella, ficou em terceiro lugar, segundo as projeções, atrás do bloco do presidente Emmanuel Macron. Os franceses votaram de maneira contundente: a participação foi de 67%, a mais alta registrada durante um segundo turno em mais de 40 anos e ligeiramente maior do que no primeiro turno. Logo após o anúncio dos resultados, o primeiro ministro, Gabriel Attal, renunciou ao cargo.

Segundo as projeções do instituto Ifop, a Nova Frente Popular deve ter entre 180 e 205 cadeiras na Assembleia Nacional, enquanto a aliança Juntos, de Emmanuel Macron, terá entre 164 e 174 cadeiras. O Reagrupamento Nacional, que esperava ter a maioria absoluta após o bom desempenho no primeiro turno, terá entre 130 e 145— o número inclui membros do partido O Republicanos que seguiram o pedido do contestado presidente da sigla, Eric Ciotti, para unirem forças com a extrema direita. O partido, por si só, terá entre 57 e 67 cadeiras, apontam as projeções.

— Saúdo a todos que aceitaram ser candidatos e retirar suas candidaturas e se mobilizaram porta a porta para conseguir arrancar um resultado que parecia ser impossível. Essa noite o Reagrupamento Nacional está longe de ter a maioria absoluta, é um imenso alívio — afirmou, em discurso , Jean-Luc Mélenchon, do partido A França Insubmissa, que integra a coalizão de esquerda.

Na fala, ele disse que Macron “tem o dever de chamar a Nova Frente Popular para governar, e que o presidente deve “ou sair [do cargo] ou indicar um primeiro-ministro” do bloco.

Desde a convocação das eleições pelo presidente Emmanuel Macron, imediatamente após a impactante vitória do RN na votação para o Parlamento Europeu, havia a expectativa de que a extrema direita conseguisse não apenas ganhar a nova disputa legislativa, mas sim conseguir a maioria absoluta na Assembleia Nacional. Bardella, inclusive, já se preparava para ser primeiro-ministro.

Após o anúncio das projeções, ele fez um discurso agradecendo “aos eleitores pelo impulso patriótico”, e que, apesar de ficar em terceiro na disputa, o “Reagrupamento Nacional hoje alcançou o avanço mais importante de toda a sua história”, se referindo ao número de cadeiras, que é o maior já conquistado pela sigla de extrema direita.

— Infelizmente, as alianças de desonra desta noite privam os franceses de uma política de recuperação. Esta noite, os acordos eleitorais lançam a França nos braços da extrema esquerda de Jean-Luc Mélenchon — disse Bardella. — O RN encarna mais do que nunca a única força que pode reconstruir a França. Os arranjos eleitorais de um Palácio do Eliseu isolado e uma extrema esquerda incendiária não levarão o país a lugar nenhum.

Para Marine Le Pen, apesar da sigla não ter conquistado a maioria absoluta e ter sido relegada ao posto de terceira força na Assembleia Nacional, há mais motivos para comemorar do que lamentar.

— A maré está subindo. Não subiu o suficiente desta vez, mas continua a subir e, portanto, a nossa vitória está apenas adiada — disse Le Pen ao canal TF1. — Tenho demasiada experiência apenas para ficar desiludida com um resultado em que duplicamos o nosso número dos deputados.

O primeiro impacto prático do resultado foi o anúncio da demissão do premier, Gabriel Attal, que se reuniu com Macron pouco antes do fechamento das urnas.

— Nesta noite, nenhuma maioria absoluta foi obtida pelos extremos graças à nossa determinação e à força dos nossos valores, estamos de pé. Temos três vezes mais deputados do que as estimativas no início desta campanha — disse o premier demissionário, apontando que permanecerá no posto “enquanto for necessário”. — Onde quer que eu fosse, eu estava ansioso para ouvir vocês. Esta noite, o grupo político que representei nesta campanha não conseguiu a maioria, e apresentarei a minha demissão ao Presidente da República amanhã de manhã (segunda-feira).

Diante desse cenário, ao menos 43,3 milhões de eleitores enfrentaram um dilema: votar na extrema direita ou na “frente republicana”, um cordão sanitário formado pelo partido no poder e pela esquerda, mas que ameaçava ser rompido após mais de 20 anos?

— Estamos em um ponto de virada na História [do país] — disse à AFP Antoine Schrameck, um aposentado de 72 anos, enquanto votava em Rosheim, nos arredores de Estrasburgo.

Ao fim do primeiro turno, cuja participação foi quase 20 pontos maior que em 2022, o Ministério do Interior anunciou que 506 dos 577 círculos eleitorais teriam 2º turno, com 306 disputas triangulares — envolvendo três candidatos — e cinco quadrangulares. Pelo sistema político francês, todos os candidatos com mais de 12,5% se qualificam para o 2º turno, desde que ninguém alcance mais de 50% dos votos. Mas, com a desistência de mais de 200 candidatos para barrar a extrema direita, o número de disputas triangulares caiu para 94.

Artistas, jogadores de futebol e associações, entre outros, também fizeram apelos para impedir a vitória do RN, em um movimento semelhante ao de 2002, quando Jean-Marie Le Pen, pai de Marine, concorreu pela primeira vez à presidência e perdeu.

“O alívio é igual à preocupação das últimas semanas, é imenso. Parabéns a todos os franceses que se mobilizaram para que este lindo país que é a França não se veja governado pela extrema direita”, escreveu, no X (antigo Twitter), Jules Koundé, jogador do Barcelona e da Seleção Francesa de futebol.

Ao visitar a cidade italiana de Trieste neste domingo, o Papa Francisco alertou sobre as “tentações ideológicas e populistas”, sem mencionar nenhum país. Logo após o anúncio das projeções, houve comemorações em cidades ao redor da França. Em Paris, uma multidão se reuniu na Praça da República, e entoou um canto que dizia que “todo mundo odeia Bardella”.

Uma maioria absoluta do RN levaria Bardella, de 28 anos, ao cargo de premier do primeiro governo de extrema direita no país. A vitória dessa corrente na segunda maior economia da União Europeia poderia enfraquecer a influência da França em Bruxelas, onde tem sido um dos principais motores da integração europeia, bem como minar a política de apoio à Ucrânia. Além disso, adicionaria um novo governo de extrema direita na Europa: na Itália, a pós-fascista Giorgia Meloni é primeira-ministra, e em outros países como Finlândia, Eslováquia e Países Baixos, ultradireitistas fazem parte do Executivo.

Independentemente do resultado, a França vive um momento crucial em sua história política, que poderá acelerar o fim do macronismo — um ciclo que começou em 2017 com a ascensão de Macron ao poder. Seu mandato termina em 2027. Ele votou ao lado de sua esposa, Brigitte, em uma seção eleitoral em Le Touquet-Paris-Plage, uma pequena cidade litorânea no norte do país. Em comunicado, o Palácio do Eliseu afirmou que Macron aguardará a “estruturação” da nova Assembleia para “tomar as decisões necessárias”, e que não daria declarações neste domingo.

Assim como Mélénchon, o líder do Partido Socialista, Olivier Faure, rejeitou a formação de qualquer governo de coligação entre a esquerda e o bloco macronista, confirmando que a disputa pela definição do primeiro-ministro, ou pela manutenção de Attal, será ferrenha.

— A Nova Frente Popular deve assumir o comando desta nova página da nossa história — declarou.

Em entrevista, o ex-premier Édouard Phillipe, disse que as principais forças políticas devem se unir em torno de um acordo de governo, mas excluindo o RN e A França Insubmissa. Mesmo, assim, ele alertou que esse acerto poderia “não ser duradouro”. Stéphane Séjourné, chefe do Renascimento, partido de Macron, afirmou, também em entrevista, que o campo presidencial “apresentará as condições prévias” para as discussões sobre o sucessor de Attal e para a formação do bloco de maioria, mas adiantou que ele não incluirá Mélenchon.

Entre os nomes da aliança eleitos neste domingo está o de François Hollande, ex-presidente e integrante do Partido Socialista. Segundo os resultados quase definitivos, ele teve cerca de sete mil votos a mais do que a candidata do RN em Corrèze.

— Considerei que o meu dever, apesar dos cargos que ocupei, era fazer tudo para evitar que a extrema direita chegasse ao poder mas também para abrir um caminho de esperança — disse Hollande, citado pelo Le Figaro. — Quero agradecer a todos os partidos de esquerda que compreenderam o significado desta abordagem. Também diz respeito a pessoas que não são de esquerda, mas que queriam que o seu voto fosse claro e claro. A minha satisfação é ter permitido excluir a extrema direita.

Em caso de possíveis “distúrbios”, a menos de três semanas dos Jogos Olímpicos de Paris, as autoridades destacaram 30 mil policiais e gendarmes para atuarem nas ruas na noite deste domingo. Receosos com protestos violentos, alguns comerciantes colocaram tábuas em suas vidraças, informou o Le Monde. Até o momento, não há registro de atos de violência.

Via O Globo.