Boris Johnson renuncia à liderança do Partido Conservador, primeiro passo para deixar governo
Premier não resistiu a onda de demissões dentro do Gabinete e à perda de confiança em seu governo
Pressionado por escândalos consecutivos, Boris Johnson renunciou nesta quinta-feira à liderança do Partido Conservador, mas deve continuar como primeiro-ministro inteiro até que um substituto seja escolhido. O golpe derradeiro contra o premier conservador, que concluiu no ano passado o divórcio britânico da União Europeia (UE), foi a renúncia de quase 60 integrantes do seu Gabinete em menos de 48 horas, um recorde na História britânica e sinal da perda de confiança em seu governo.
— É claramente a vontade do Partido Conservador que haja um novo líder do partido e, portanto, um novo primeiro-ministro — disse Boris.
Boris Johnson é notório por seu perfil performático atrapalhado, mas também por uma habilidade fora do comum de se esquivar de controvérsias para permanecer no poder. Desta vez, contudo, suas habilidades políticas não foram suficientes para mantê-lo no cargo que ocupava desde 2019, quando foi eleito líder do Partido Conservador prometendo concluir o Brexit a qualquer custo.
A promessa foi cumprida, mas o custo também foi alto. A inflação britânica está em seu maior nível desde os anos 1980, os negócios comerciais com a UE — a maior parceira comercial de Londres — foram duramente impactados e a própria integridade territorial do Reino Unido está em xeque, com o movimento pela independência da Escócia voltando a esquentar. O fator determinante para derrubar Boris, contudo, foi ele mesmo.
Desde o fim de 2021, o ex-prefeito londrino é confrontado com o escândalo conhecido como “partygate”. Enquanto os britânicos estavam submetidos a duras regras de confinamento social para conter a Covid-19, várias festas foram realizadas em Downing Street, a sede do governo britânico. O próprio premier participou de ao menos duas delas, e chegou a ser multado por sua presença.
O caso fez com que os conservadores convocassem um voto de desconfiança no dia 6 de junho, ao qual Boris Johnson conseguiu sobreviver após negociações dantescas. Saiu desgastado politicamente, no entanto, após perder o apoio de 41% dos deputados conservadores.
Sua antecessora, Theresa May, chegou a sobreviver ao mesmo processo e com uma taxa de apoio maior do que a de Boris — ela recebeu 63% dos votos para seguir no cargo, enquanto o atual premier teve 59%. Pressionada, May renunciou meses depois, em maio de 2019. Boris, por sua vez, durou exatos 30 dias.
A gota d’água foi a renúncia do vice-líder da bancada do Partido Conservador, Chris Pincher, acusado de apalpar dois homens em uma festa em um clube privado londrino. O responsável pela disciplina da bancada conservadora admitiu que bebeu “demais” e pediu desculpas pela “vergonha” que passou e provocou em outras pessoas.
O fato de ser o quarto caso do tipo desde abril a vir à tona, por si só, complicava a vida do primeiro-ministro, mas o governo insistiu por dias que Boris Johnson não tinha conhecimento sobre “acusações específicas” de má conduta do aliado. Na terça, contudo, o premier admitiu que tinha sido informado das acusações em 2019, mas esqueceu.
O governo só mudou sua versão após o chefe do serviço diplomático britânico na ocasião, Lorde Simon McDonald, afirmar em uma carta à comissão de ética parlamentar que o premier havia sido brifado sobre o assunto. Sem integrantes do Gabinete dispostos a defendê-lo publicamente, Boris deu uma entrevista à BBC pedindo desculpas por não só ignorar as acusações, mas também por promover Pincher em fevereiro:
— Olhando para trás, foi a coisa errada a ser feita — disse o premier.
Simultaneamente, o ministro do Tesouro, Rishi Sunak, e o ministro da Saúde, Sajid Javid, dois dos nomes mais importantes do Gabinete, anunciaram sua renúncia. Fizeram críticas públicas ao premier, acusando-o de ter perdido a capacidade de dirigir o país. Ambos são também nomes fortemente cotados para substituir Boris Johnson na liderança do partido.
Sunak disse que “o público espera, com razão, que o governo seja conduzido de forma adequada, competente e séria”, e que chegou à conclusão de que “não podemos continuar assim”. Já Javid disse que, após uma série de escândalos, “não poderia mais continuar em sã consciência”. Em 24 horas, foram seguidos por outros 57 integrantes do governo.
Durante a tarde de quarta, uma delegação com integrantes do Gabinete, incluindo o novo ministro do Tesouro, Nadhim Zahawi, foram à sede do governo aconselhar o premier a renunciar. A situação, afirmaram, era insustentável. Entre eles, estava também o secretário para a Irlanda do Norte, Brandon Lewis, e dos Transportes, Grant Shapps. Ainda assim, premier resistiu até a manhã de quinta.
Seus braços estavam relativamente atados: como Boris Johnson sobreviveu ao voto de desconfiança no início de junho, as regras partidárias impedem que uma nova votação deste tipo ocorra dentro de um ano. São, contudo, maleáveis, ficando à revelia da chamada Comissão de 1922, que define as diretrizes eleitorais do partido.
Uma reunião do grupo estava marcada para as 13h de Brasília na quarta-feira, mas foi adiada porque, segundo a imprensa britânica, alguns de seus membros consideravam a queda de Boris inevitável.