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Brasil lidera disparado ranking mundial de chamadas indesejadas

Pelo quarto ano consecutivo, os brasileiros foram aqueles que mais receberam as ligações telefônicas “spam”…

Pelo quarto ano consecutivo, os brasileiros foram aqueles que mais receberam as ligações telefônicas “spam” no mundo —aquelas chamadas que frequentemente vêm de números desconhecidos e oferecem produtos ou serviços não solicitados.

É o que mostra a nova edição do relatório global do aplicativo Truecaller, que identifica e bloqueia este tipo de ligação.

Em 2021 (considerando o período de 1º de janeiro a 31 de outubro), o Brasil registrou uma média de 32,9 chamadas spam por usuário ao mês.

Os outros países do ranking têm números bem menores, inclusive o Peru, segundo colocado, que teve 18 ligações spam por usuário ao mês.

O relatório ao qual a BBC News teve acesso afirma que o Brasil é “um caso a parte”.

“Dizer que o Brasil tem um problema com o spam é pouco. Quatro anos consecutivos como o país mais afetado pelo spam deveria servir como alerta às autoridades locais para que sejam adotadas restrições pesadas e multas para essas atividades”, diz o levantamento do Truecaller, fundado em 2009 na Suécia.

No relatório anterior, de 2020, o número de chamadas spam recebidas por usuário ao mês no Brasil foi maior: 49,9. Ou seja, houve uma diminuição de 34% neste ano em relação ao passado.

O Brasil liderou o ranking em 2018, 2019, 2020 e, agora, em 2021.

Não é só no Brasil, é ‘um problema global’

No relatório de 2021, a maior parte das chamadas spam (44%) no Brasil foi classificada como vinda de serviços financeiros, como bancos, empresas de cartão de crédito e empréstimos.

Em seguida, vêm chamadas relativas a vendas (39%), categoria que engloba a oferta de produtos, promoções e assinaturas diversas. Por fim, 16,9% das chamadas foram consideradas “scam”, aquelas que são uma tentativa de golpe.

Essas classificações são feitas com a colaboração dos usuários do aplicativo, que registram nele números telefônicos e outras informações sobre ligações recebidas e indesejadas.

Além do Brasil e do Peru, aparecem da terceira posição em diante no ranking de 2021: Ucrânia; Índia, México; Indonésia; Chile; Vietnã; África do Sul; Rússia; Colômbia; Espanha; Equador; Turquia; Itália; Honduras; Costa Rica; Grécia; Emirados Árabes; e Estados Unidos.

A maior parte dos 20 países que aparecem no ranking registrou menos de 15 chamadas mensais por usuário, menos da metade da pontuação brasileira de 32,9.

No período considerado, foram bloqueadas e identificadas em todo o mundo 37,8 bilhões de chamadas spam, por cerca de 300 milhões de usuários.

De acordo com a empresa, este volume aumenta a cada ano e está relacionado a três fatores: o aumento no número de smartphones, a adesão ao aplicativo e o próprio crescimento no número de chamadas spam feitas por empresas e afins.

“Este continua sendo um problema global, e a razão para que negócios com ‘spam’ e ‘scam’ ainda existam é porque estes são altamente rentáveis e envolvem muito pouco esforço e consequências”, diz o relatório.

Nos últimos anos, avanços tecnológicos facilitaram a disparada de chamadas por empresas —e em paralelo dificultaram o cotidiano de quem recebe estas ligações indesejadas.

Algumas dessas tecnologias são os autodialers, que disparam ligações para múltiplas linhas telefônicas ao mesmo tempo; a VoIP, que permite telefonar através da internet; e os spoofers, que alteram ou escondem os números que aparecem no identificador de chamadas.

Embora o Brasil seja um “capítulo a parte”, como diz o relatório do Truecaller, diferentes países estão passando por problemas com este tipo de atividade.

O levantamento revela que, em 2021, apenas um número telefônico disparou 202 milhões de chamadas spam na Índia, afetando 27 mil pessoas a cada hora no país.

Já os países africanos têm um problema em particular com as mensagens SMS spam, e são eles que lideram o ranking para este tipo de comunicação: em primeiro lugar vem Camarões, seguido de Somália, Tanzânia, Congo, Burkina Faso, Costa do Marfim e Benin. O Brasil aparece na oitava posição deste ranking.

O cálculo de ligações e mensagens spam por pessoa ajuda a equilibrar fatores como um maior volume de usuários do aplicativo por país —caso contrário, um país com muitos consumidores em termos absolutos logo subiria no ranking.

Mesmo assim, a assessoria de imprensa do Truecaller explicou que alguns fatores podem influenciar nos dados, como a maior presença em um país do sistema Android, ao qual o aplicativo é mais amigável; e a inclinação da população a reportar no aplicativo chamadas incômodas.

‘Telemarketing está fazendo com que brasileiros e brasileiras deixem de atender o telefone’

O relatório cobra das autoridades medidas para tamanho problema no Brasil, e o que o país tem hoje como principal resposta são os cadastros nacionais e estaduais em que usuários registram que não querem receber chamadas de telemarketing.

O Não Me Perturbe é um cadastro nacional lançado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em 2019 em parceria com empresas de telecomunicações (telefone móvel, fixo, TV por assinatura e internet) e bancos do segmento de consignados (operações de empréstimo e cartão de crédito consignado).

Uma vez cadastrado, o usuário deve deixar de receber ligações dessas empresas dentro de 30 dias corridos.

Já cadastros estaduais do tipo costumam ser geridos pelos Procons, os órgãos de proteção e defesa do consumidor. Empresas de setores diversos que desrespeitarem estas listas podem ser acionadas administrativamente por esses órgãos e eventualmente multadas.

A assessoria de imprensa da Anatel também informou à reportagem que, a partir de 2022, será implementado um código único —o 0303— para ligações de telemarketing no setor das telecomunicações. Ou seja, empresas telefonando com esta finalidade deverão exibir este número, para que as pessoas recebendo as chamadas identifiquem com maior facilidade que se trata do telemarketing.

A implementação será gradativa: prestadoras de telefonia móvel deverão fazê-lo em 90 dias, e operadoras de telefonia fixa, em 180 dias.

Diogo Moyses, coordenador do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), diz que os cadastros e a previsão de um código são medidas “meritórias”, mas insuficientes para lidar com o tamanho da população afetada e brechas tecnológicas adotadas pelas empresas ao fazer chamadas spam.

Uma das limitações apontadas por ele é a de que apenas uma pequena parcela das pessoas tem condições e disposição para se registrar nos cadastros nacionais e estaduais.

“E as listas estaduais valem para todos os setores econômicos, mas eles são heterogêneos. Não dá para achar que, por exemplo, um serviço funerário que está vendendo planos vai ter o mesmo nível de organização do setor de telecomunicações”, acrescenta Moyses.

“Mesmo o setor que partiu para autorregulação (com o cadastro nacional) não consegue controlar seus segmentos de vendas, que muitas vezes são terceirizados ou quarteirizados. Isso está evidente tanto nas operadoras de telecomunicações, que admitem isso, e em especial no setor de crédito consignado, que mesmo depois de ter aderido ao Não Me Perturbe, só cresce em número de reclamações.”

“É preciso inverter a a ordenação lógica do raciocínio e dar ao consumidor o direito que lhe é devido —e esse não é o direito de se inscrever numa lista de bloqueio.”

O coordenador do Idec explica que não há uma lei nacional específica referente ao telemarketing abusivo, mas que as normas existentes, como a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), permitem interpretar que a prática é ilegal —desde seu início, com a indissociável obtenção ilegal de dados vazados.

“É um ecossistema perverso que parte de base ilegais de dados e termina com a importunação, quando não o assédio criminoso”.

“A lei é muito clara ao dizer que você precisa de uma base legal para utilizar dados pessoais, e o número de telefone é um dado pessoal inequívoco. O direito do usuário, o titular dos dados, não está em bloquear o seu número de telefone. Está em não receber chamadas para a oferta de produtos e serviços, exceto se tiver dado consentimento para isso.”

Moyses defende que seja criada uma legislação específica sobre o telemarketing abusivo em consonância com a LGPD ou que órgãos reguladores, como a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, tomem decisões que norteiem punições a empresas que telefonem para as pessoas sem consentimento.

O entrevistado menciona uma reportagem de setembro do jornal regional RJTV, da TV Globo, mostrando que o Hospital São Francisco na Providência de Deus, na cidade do Rio de Janeiro, estava com dificuldade para avisar a pacientes que poderiam ser beneficiados pela doação de órgãos porque as pessoas estão deixando de atender o telefone.

“O telemarketing está fazendo com que todos os brasileiros e brasileiras deixem de atender o telefone. Isso não é secundário. Nós estamos simplesmente aniquilando o serviço de voz em nome da proteção de setores econômicos e de práticas mercadológicas que são absolutamente antiéticas e ilegais”, conclui Moyses.