Com covid-19 controlada, Nova Zelândia vira destino de músicos
Estudos dizem que país é o que melhor lidou com o coronavírus
Era o primeiro domingo deste novo ano quando o músico inglês Ed Keeley se apresentou para uma multidão sem máscara ou distanciamento. No dia seguinte, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, decretou um novo lockdown na Inglaterra. Passou mais um dia e Keeley foi lá e aglomerou de novo.
Só que o DJ não infringiu nenhuma regra. O músico conhecido como Friction se apresentou no festival Bay Dreams, na Nova Zelândia, onde a vida dos habitantes segue sem grandes restrições.
O país foi avaliado como o que lidou melhor com a crise sanitária pelo Lowy Institute –o Brasil ficou no último lugar.
“Foi uma sensação incrível poder tocar para pessoas, andar por aí sem máscara. No início foi difícil de acostumar, depois de tanto tempo em casa. Só de poder estar fora, ir beber com um amigo, eu me senti um alienígena”, diz Friction.
A última apresentação dele tinha sido em março de 2020. Desde então, Friction fez uma live e aproveitou a viagem para criar um novo álbum.
A Nova Zelândia está com as fronteiras fechadas para estrangeiros, mas há exceções. Para ter a entrada aprovada, o visitante tem que ser considerado um “critical worker”, isto é, um trabalhador essencial.
E para isso, tem que atender aos critérios a serem avaliados por autoridades neozelandesas. A pessoa precisa demonstrar que tem “experiência única e habilidades técnicas ou especializadas que não são facilmente encontradas na Nova Zelândia”, de acordo com o departamento de imigração do país.
Autorizado a entrar, o “critical worker” precisa então cumprir duas semanas de quarentena em um hotel.
O DJ Friction teve que passar o Natal trancafiado sozinho num quarto de hotel, longe da família e dos amigos, para poder tocar em festivais nos dias 3 e 5 de janeiro. O músico também fez outras apresentações em casas de shows, pavilhões e after parties nas cidades de Wellington, Christchurch e Tauranga.
A dupla americana de hip-hop EarthGang também se apresentou no festival Bay Dreams. Eles foram convidados para tocar no final de 2019, antes de o coronavírus tomar o mundo.
Os músicos americanos contam que, após pousarem na Nova Zelândia, foram para um hotel administrado pelo governo, onde tinham a temperatura medida todos os dias, faziam testes de Covid-19 a cada quatro dias e eram continuamente monitorados.
Depois de saírem do confinamento, “era como viver no futuro, uma terra estranha onde as pessoas não precisavam usar máscaras, onde podem sair e se reunir, festejar e aproveitar a vida juntos”, diz a dupla sobre uma realidade bem diferente da dos Estados Unidos.
O Bay Dreams é um festival de grande porte que tem dinheiro para bancar a ida de artistas estrangeiros ao país, além de toda a burocracia envolvendo a imigração em meio a uma pandemia.
Nem todos os eventos conseguem fazer o mesmo. A Feira de Arte de Auckland costuma receber artistas de países do Pacífico, como Austrália, Japão, China e Chile. Em fevereiro de 2021, porém, não receberão nem mesmo os vizinhos australianos.
Ainda assim, a feira contará com quatro galerias estrangeiras -da China, da Austrália e das Ilhas Cook–, só que os estandes serão tocados por moradores da Nova Zelândia.
O país não saiu totalmente ileso da pandemia. Auckland, a cidade mais populosa, passou por dois lockdowns.
Nesses períodos, a Orquestra Filarmônica de Auckland teve 60% de suas apresentações canceladas ou adiadas. Ao redor do mundo, é comum que orquestras contratem músicos estrangeiros, mas o coronavírus impôs uma entrave a essa prática, mesmo num país onde o surto está controlado.
“No planejamento do nosso programa para 2021, nossa ênfase foi em reservar artistas nascidos na Nova Zelândia que moram no exterior e também artistas que já residem na Nova Zelândia “, conta uma porta-voz da orquestra.
Enquanto os novinhos que foram ao Bay Dreams se aglomeraram sem piedade, o público da Filarmônica de Auckland tem sido mais cauteloso. Muitos ainda têm preferido assistir aos espetáculos usando máscaras de proteção.
Mas não dá para acusá-los de excesso de zelo.
O país não registrava infecção local desde novembro, até que no domingo passado (24) o governo anunciou um novo caso de Covid-19 no país de Jacinda Ardern.